Conte Sua História de São Paulo: … mas é a minha cidade!

Por Osvaldo Martinez D Andrade

Ouvinte da CBN

Maltratada, cinzenta, com as marquises dos prédios no calçadão do Centro Velho, forradas por papelões, trapos, cobertores e ocupadas por moradores de rua, como único refúgio para se protegerem da chuva, frio, mas é a minha cidade.

Uma cidade que acolhe sonhos ao mesmo tempo que oferece pesadelos, mas é a minha cidade.

Uma cidade que tem um viaduto que não tem chá, mas tem batedores de carteira e de celular e uma rua direita que não é direita, mas é a minha cidade.

Uma cidade que tem a Sé que não é de sede, mas de igreja com sua catedral gótica e bizantina e suas palmeiras imperiais, que chorou pelas diretas já em 1984 e aplaudiu a fuga dos fascistas na revoada dos galinhas verdes, em 1934, mas é a minha cidade.

Uma cidade que prende mais negros do que brancos, mais pobres do que ricos, mais mulheres do que homens, mas é a minha cidade.

Uma cidade que assiste com espanto à terceirização da saúde e educação, numa tabelinha perfeita com o estado incompetente, que aparecem em letras garrafais nas manchetes dos jornais pendurados nos varais das bancas, e na ida para o trabalho dos que ainda têm emprego, diminuem os passos e param para dar uma espiadinha, mas é a minha cidade.

Uma cidade com 6% de desempregados, que assiste ao prefeito e aos nobres vereadores aumentarem a contribuição dos aposentados e não se envergonham de aumentarem ainda mais seus salários, mas é a minha cidade.

Uma cidade que assiste do sofá a um policial jogar um motoqueiro rio abaixo e a polícia em trajes de guerra jogar bombas e mais bombas, distribuir cassetetes e gás de pimenta em homens, mulheres e crianças, que ousam ter o sonho do barraco próprio, serem retirados à força em um dia chuvoso e sem saberem para onde ir, são empurrados para a rua, e quem se opõe e luta contra essa barbaridade são presos, enquanto os ladrões engravatados continuam sorrindo e morando muito bem, mas é a minha cidade.

Uma cidade onde 6 homens têm a mesma riqueza que 100 milhões de brasileiros juntos, mas é a minha cidade.

Uma cidade que tinha o Bar das Putas que não tem mais putas que consola, mas que fica na Consolação, que mudou para Sujinho e não sei mais o nome que se dá e tem o bar Brahma na São João com a Ipiranga, que nos oferece o chopp Brahma, mas é a minha cidade.

Uma cidade que tem o minhocão do Maluf que mudou de nome, mas precisa ser demolido, e que tem pancadão, funk, pagode, sertanejo que agora é universitário, blues e muito Rock and roll, samba e a campeoníssima Rosas de Ouro, meu tricolor do Morumbi, mas é a minha cidade.

Uma cidade que tem a República da Moóca, berço da luta sindical e popular, da  jornada de trabalho de 8 horas, do fim do trabalho infantil, de salário, saúde, educação e moradia digna para todos, da primeira greve geral no Brasil, do presídio Maria Zélia, o presídio político na época de Getúlio Vargas, a Hospedaria dos Imigrantes que recebeu meu Pai e meus Avós que embarcaram num navio em Portugal, atracaram em Santos, subiram a Serra e ali se alojaram, antes de seguirem para São José do Rio Preto (SP), e tem o Juventus vendido para uma SAF – Sociedade Anônima do Futebol, mas é a Minha Cidade.

Essa é  a cidade que me acolheu quando aqui cheguei recém-formado em 1982, para estudar, trabalhar, morar, ter filhos, viver, continuar sonhando, amando e sendo amado, até a vida me levar.

É a minha cidade, a minha São Paulo de 471 anos, a cidade que era da garoa e não tem mais e agora tem tempestades e inundações e um dia espero, seus espaços públicos sejam ocupados pelos que aqui moram, vivem, sonham e trabalham.

É a minha cidade, a melhor, a maior, a capital cultural da América Latina, que tem de tudo e esperamos que um dia seja de todos.

Meus sonhos irão comigo, até meu calendário acabar. Mas sonhos não morrem e vou continuar sonhando trabalhando e me indignando com as injustiças sociais.

Certamente outros haverão de continuar a luta por uma São Paulo igual para todos.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Osvaldo Martinez D Andrade é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Envie seu texto para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade visite o meu blog miltonjung.com.br ou o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

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