Dez Por Cento Mais: geriatra Vitória Arbulu diz como chegar com boa funcionalidade aos 80

Image by Mabel Amber from Pixabay
Image by Mabel Amber from Pixabay

“A idade cada vez quer dizer menos; quem determina como a gente vive é a funcionalidade.”

O Brasil está envelhecendo rápido, e a pergunta deixou de ser apenas “até quando vamos viver” para se tornar “como vamos chegar lá”. A cena é conhecida em muitas famílias: alguém que ainda tem muitos anos pela frente, mas já perdeu autonomia para tarefas simples como subir um lance de escada, carregar a sacola do mercado ou brincar com os netos no chão. Foi sobre esse ponto – viver mais sem abrir mão da capacidade de fazer as coisas do dia a dia – que a médica geriatra Vitória Arbulu concentrou sua participação no Dez Por Cento Mais, apresentado por Abigail Costa, no YouTube.

Funcionalidade no centro do envelhecimento

Na prática clínica, Vitória percebe que o foco deixou de ser apenas doença e passou a ser o jeito como a pessoa vive. Para ela, funcionalidade é a síntese do envelhecimento: “Se for pra gente ter foco em alguma coisa que a gente precisa prestar atenção, precisa trabalhar e precisa dedicar nosso tempo, é a funcionalidade”, afirma.

Funcionalidade, explica a geriatra, é a combinação das capacidades físicas e mentais em interação com o ambiente – casa, bairro, condições financeiras, contexto social e cultural. Não se trata só de exames “normais”, mas da pergunta concreta: essa pessoa consegue se movimentar, se vestir sozinha, lembrar compromissos, manter conversas, participar da vida social?

Aos olhos de Vitória, esse é um dos grandes marcadores de qualidade de vida na velhice: “É a funcionalidade que vai dizer se a gente vai conseguir se mover, interagir, ter nossas conversas, se lembrar e ter nossas memórias.”

O declínio começa antes do que se imagina

Quando se fala em envelhecimento, a imagem comum é a de alguém já idoso. Vitória puxa a linha do tempo para bem mais cedo. Ela lembra que sinais de problemas cardiovasculares podem aparecer ainda na infância e o auge da massa muscular e da força óssea costuma acontecer por volta dos 30 anos.

A partir dessa idade, se não houver atenção ao estilo de vida, o declínio funcional começa, mesmo que de forma silenciosa. E ganha novos “degraus” aos 60, 70 anos. Pequenas mudanças no humor, na irritabilidade, na paciência, na disposição para encontros em família, na perda de peso sem explicação, na dificuldade para ouvir ou se comunicar e, principalmente, nas quedas frequentes, são alertas que muitas famílias tratam como “coisa da idade”.

Vitória faz questão de corrigir essa percepção: “A gente acha que está associado ao envelhecimento normal e nada disso está considerado envelhecimento normal: nenhuma dessas condições é ‘normal’.

Entre os fatores que aceleram a perda de funcionalidade, ela lista as doenças crônicas mal controladas, como hipertensão e diabetes, o abandono do fortalecimento muscular, problemas sensoriais (visão e audição), além da redução da interação social.

O básico que muda tudo: sono, alimentação e força

Apesar da profusão de tecnologias e exames, a resposta de Vitória quando alguém pergunta “o que eu posso fazer?” volta sempre ao mesmo ponto: o básico.

A medicina está voltando para o básico: sono, alimentação e atividade física”, resume. A recomendação vale para todas as idades, inclusive para quem chega ao consultório aos 80 ou 90 anos.
“Não importa a idade, o paciente pode chegar para mim com 90 anos, eu vou tentar convencê-lo a começar uma prática de atividade física”, diz.

Vitória destaca que não basta “estar sempre em movimento” no dia a dia. Caminhar até o mercado ajuda, mas não substitui exercício estruturado. Há um componente de dose e de qualidade: número de passos, redução do tempo sentado, e, principalmente, fortalecimento muscular. “Musculação é essencial, inegociável e insubstituível”, afirma, ao falar do combate à sarcopenia – a perda de massa e força muscular que, quando avançada, vira doença e compromete até cuidados básicos, como levantar da cama ou ir ao banheiro.

Nesse pacote, a alimentação entra como aliada direta do músculo: “A sarcopenia tem tratamento. A base é atividade física resistida e alimentação, principalmente hiperproteica.

Histórias que mostram o que está em jogo

Ao falar de mudança de estilo de vida, Vitória recorre a histórias que ilustram o que está em disputa quando se fala em força, funcionalidade e autonomia. Uma delas é a da própria avó, hoje com 85 anos. Ela não tinha o hábito de fazer exercícios e foi convencida pela neta, aos 84 anos, a participar de uma atividade em grupo promovida pela prefeitura. Os números dos testes físicos melhoraram: mais velocidade para levantar, caminhar, melhor equilíbrio, menor risco de quedas. Só que, quando perguntada sobre o que mudou, a avó não menciona nada disso: “A única coisa que ela fala é que está conseguindo brincar com os bisnetos no chão e levantar sozinha”, conta Vitória.

Outra paciente, na casa dos 70 anos, chegou ao consultório com artrose avançada de quadril e resistência à atividade física. Depois de muita conversa, aceitou entrar em um grupo de exercício. Ganhou força, ampliou a rotina de movimento e, no meio do caminho, conheceu um parceiro na turma de atividade. “Ela começou a ter dor não mais por ficar parada em casa, mas porque estava fazendo trilha com o namorado”, relata a médica.

A partir dessa nova etapa de vida, Vitória encaminhou a paciente para prótese de quadril, confiando que, com reabilitação adequada, ela teria mais anos de vida ativa pela frente. Para a geriatra, essas histórias mostram que atividade física não se resume a “puxar ferro”, e sim a recuperar experiências: ir ao mercado sozinha, subir escadas, brincar com netos, encarar uma trilha.

Comparação, autonomia e saúde mental

A comparação com o outro aparece no consultório em todas as idades. E na velhice não é diferente.
A comparação faz mal em qualquer cenário”, diz Vitória, que desestimula frases como “os pacientes da minha idade”. Para ela, envelhecer é um processo profundamente individual: há pessoas acamadas aos 60 anos e outras escalando montanhas na mesma idade.

“Muito mais do que o número da idade, o que determina como a gente vive são o estilo de vida, as escolhas e a atenção com a própria saúde”, reforça.

Ela lembra que questões emocionais pesam. O Brasil figura entre os países com mais casos de ansiedade e depressão, e a população idosa não está fora desse quadro. Mudanças rápidas na sociedade, dificuldade de adaptação ao próprio corpo, distanciamento de filhos e netos, sensação de perda de utilidade após a aposentadoria e isolamento social compõem um cenário que exige cuidado com saúde mental, e não apenas com exames físicos.

O recado para quem ainda é jovem

Ao final da conversa, Vitória volta o olhar para quem ainda se considera “longe da velhice”. A mensagem é direta: o futuro do corpo está sendo construído agora. “Não importa se você tem cinco, 10, 50 ou 100 anos, a atenção à própria saúde o quanto antes é melhor”, afirma.

Ela defende que atividade física deve ter o mesmo peso de hábitos óbvios como escovar os dentes e beber água: “O nosso corpo precisa de atividade física e isso não está no nível de querer ou não querer, de gostar ou não gostar”, diz.

Além do movimento, Vitória destaca o cuidado com a alimentação em um ambiente de alta industrialização, agrotóxicos e microplásticos, e propõe um compromisso mais gentil consigo mesmo: priorizar a própria saúde física e mental como condição para cuidar dos outros.

Na síntese que deixa para o público, Vitória resume o “mínimo essencial” para chegar aos 80 anos com boa funcionalidade em três pilares:

Se eu tivesse que escolher uma só coisa, seria a musculação. Mas não tem como deixar de lado o que a gente come e o jeito como a gente gerencia o estresse.”

Assista ao Dez Por Cento Mais

Inscreva-se agora no canal Dez Por Cento Mais no YouTube e receba alertas sempre que um novo episódio estiver no ar. Você pode ouvir, também, em podcast no Spotify.

Deixe um comentário