De incerteza

 

Por Maria Lucia Solla

 

 

Olá,

 

peço licença para compartilhar um texto que escrevi em agosto do ano passado, aqui para o blog do Mílton Jung. Como as ideias insistem em me boicotar, fui espiar para saber por onde se embrenhava minha reflexão, há um ano. Sabe como é, olhar no espelho do tempo faz bem. A percepção também é íntima dele.

 

Nós, filhos dos homens, nascemos e renascemos infinitas vezes numa vida só. Sempre sós. Todos nós. Ressuscitamos como nos fez ver o filho Dele, e a cada ressuscitar temos oportunidade de ver o novo a piscar. Tudo sempre novo. É paralisar, ou experimentar e enfrentar. Nos esforçamos no entanto para acreditar que tudo continua como era, pelo medo de soltar o velho, de deixar ir a dor e o prazer conhecidos, mas nada continua. Nada permanece. Vida é pura, e simplesmente, impermanência. Repetimos o que ouvimos, dizendo que vida é movimento, do mesmo modo que rezamos o Pai Nosso e a Ave Maria, como dizemos eu amo você, como dizemos quase tudo o que dizemos. Sem sentir. Sem verdade. O som corneteia pela boca, acostumado e apressado que é, e amordaça a alma. Usamos frases já feitas para não corrermos o risco de aceitar que nada é como antes, não é, Mílton Nascimento?

 

Rugas redesenham nossos corpos, a pele cansada de se agarrar em nós se afasta e a gente renasce. Sempre. Tem quem coleciona dores, tem os que preferem amores, os que miam e os que criam, os que param enquanto outros se preparam e os que se queixam, com medo de continuar, com medo de se olhar de perto. Param no ponto.

 

Passa uma, passa outra oportunidade, e nos esquivamos delas com medo de embarcar em mais uma viagem divina, aqui na Terra. Mas está ali, ao alcance da mão, sempre. Se a gente consegue se distanciar um pouquinho que seja do próprio ego, percebe que a certeza é só fumaça aprisionada por ele, fumaça que asfixia a incerteza, parteira do renascer.

 

É isso.

 

Entendi que fui até ali só para lembrar que certeza é fumaça aprisionada pelo ego.
Até a próxima inspiração, ou não…

 


Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung

De ignorância e inconsciência

 

Por Maria Lucia Solla
(revisitando texto de 26 de maio de 2007)

Estava aqui pensando sobre a relação entre ignorância e inconsciência. Teria Sócrates dito “só sei que nada sei” quando se deu conta de que não há começo e nem há fim?

há que reformular a certeza
há que manter acesa a disposição
de mudar de posição
de ver a vida de ângulo diferente
para descobrir a verdade surpreendente

sobre a mesma-e-velha coisa
a gente alicerça tanta certeza
que perde do entorno a beleza
tropeça nos tocos que constrói
e chora e diz ai dói

permitimos que mania e certeza
nos tomem de assalto
feito erva-daninha
e vivemos em continua ladainha

cercados de pura chatice
vivemos patinando
entra idade sai idade
morrendo de medo da felicidade

afinal o modelo é senho franzido
critico de tudo
insatisfeito o tempo todo
vivendo preocupado
sem tempo de viver

a humanidade já teve de aceitar que estava errada
quando achava que a Terra era quadrada

Achamos que o sol girava em torno de Nossa Santa Grandiosidade, lembra? Até que Nicolau e Galileu, um pisciano polonês e um aquariano italiano, que gostavam de olhar para o céu, e olhavam, perceberam que a terra dava uma volta em torno de seu eixo, uma vez por dia, e em volta do sol, uma vez por ano. Acordamos para as evidências em relação ao planeta, mas ainda não, em relação a nós, pobres seres humanos. Ainda nos acreditamos sóis. Matamos por verdades. Morremos por elas.

Hoje sei que se ignorância é não saber o que existe à volta, inconsciência é não saber o que existe dentro. Se ignorância nos faz perder a dignidade como ser terreno, inconsciência nos faz perder a dignidade como ser cósmico.

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza cursode comunicação e expressão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung

De Certeza e de Deus

 

Por Maria Lucia Solla

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O mundo externo, e consequentemente o interno, tem passado por poucas e boas.
Nada é. Não há certeza. Ou melhor, certeza nunca houve, mas nós nos agarramos e continuaremos a nos apegar a tristes arremedos dela.

De religiões e dogmas, desisti há muito. Era levada por ventos curiosos, mas não me entregava nunca. Mesmo babando de inveja da certeza dos que a tinham; mesmo doida por pertencer a uma tribo que me acolhesse, cedo percebi que essa acolhida custava caro demais. Preço que eu não queria pagar.

Quanto a certeza, com a dose de incoerência que todos temos no cardápio – confessemos ou não -, ainda me pego indo atrás de uma ou outra, no fim. No entanto, enquanto cobiço uns pares delas, também quero me livrar das que teimam em se agarrar em mim.

O vazio de certeza, no início, dá insegurança. Como nos primeiros passos não encontrar estendida a mão da proteção. Como pedalar pela primeira vez sem as rodinhas de trás, ou pular na piscina e não ver a cara molhada e divertida do pai acenando; dando a mão.

O homem se separou da Natureza e de Deus, e disputa, a unha, certeza por certeza. Por vezes, a tiro. Paga por ela, morre por ela. Ajoelha-se e vende a própria alma por um vislumbre dela; e no entanto, à única certeza irrefutável, que é nossa de graça, viramos as costas e nos recusamos a aceitar.

a morte do corpo material
a viagem é de ida e volta
ponto final

Hoje, só não percebe quem não quer: a vida aperta a porca, e o parafuso penetra a carne e é então que é preciso aceitar que na dor há propósito; ela nos impulsiona a encontrar a via que desemboca na harmonia, que é o modus operandi da Criação. Se não fosse assim, se Ela não fosse movida a ritmo, harmonia, equilíbrio e perfeição

os planetas se chocariam uns contra os outros em frenética dança egocêntrica
o Sol viria espiar a Terra e nos exterminaria com uma lambidas de suas régias labaredas
a lua preguiçosa apareceria de quando em quando de luz opaca e sonolenta
as estrelas sairiam em caminhada pelos céus de outras galáxias
e seríamos sem elas ainda mais tristes

Eu não estaria aqui esperneando na busca do equilíbrio e da harmonia pessoal.
Da minha sanidade mental.

E como isso tudo me remete a Deus, lembro que quando menina eu tinha certeza Dele, mas sentia pena do Deus da minha certeza, e chorava. Ouvia dizer que Ele era maior e melhor que tudo e todos, e isso me levava a pensar um Deus material, velho, barbudo, sisudo, distante e solitário. Um Deus que julgava, condenava e tinha preferências entre os humanos e suas tribos. Se não fizéssemos o que Ele determinava, nos expulsava de seu Reino e nos virava as costas. Para sempre. Isso me perturbava, trazendo ansiedade,
aos sete anos de idade.

Eu pensava um Deus eterno que sofria de solidão eterna. Sem amigos! Quem
pode ter amigos sendo melhor e maior que todos!

mas voltando a certezas confesso
escrevo para delas me livrar
não para novas conquistar

E enquanto isso você, do outro lado da tela, ouve meus ais e uis nascidos da birra de não ter o que quero, quando quero, nascidos da frustração. E eu não jorraria palavras, ipis e urras, britados da satisfação.

E sem certezas, não tenho resposta pronta nem mapa do tesouro. Não tenho a pretensão de explicar o Divino e Seus desígnios. Não tenho receita para o meu nem para o teu bem-estar. E vou vivendo.

E Deus?
Hoje, dele não tenho certeza.
Eu o sei, o sinto e o percebo nos meus momentos de lucidez.

mas quando me deixo tomar por uma ou outra certeza
sofro e o resultado é nefasto
isso acontece sem dúvida
quando eu Dele me afasto.

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de Comunicação e Expressão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung com fé e certeza nas suas incertezas