O Grêmio entra no Mineirão como um Gigante, foto de Lucas Uebel/GrêmioFBPA
Beiro os 60 anos. Está logo ali. E ainda sofro como aquele guri lá da Saldanha Marinho. MeoDeosDoCeo! Como sofro! Sofro por antecipação. A partida mal havia se iniciado no Mineirão, aquela torcida imensa contra nós e do outro lado do campo um campeão legítimo de Copas, assim como nós — e frente a tudo isso, eu pensava como conseguiríamos ser maior do que tudo aquilo. Havia um misto de temor pelas dificuldades do jogo anterior e de esperança pela recuperação do futebol nas últimas duas partidas. Em meio as dúvidas, o sofrimento.
Ainda no início da disputa, aos sete minutos, houve aquela bola mal cabeceada, que por desejo próprio se encaminhava às nossas redes. Confesso, não conseguia mais imaginá-la em outro destino. Foi então que surgiu o pé salvador de Bruno Alves para inverter a história e a despachá-la para fora quando estava prestes a cruzar a linha do gol. Eu sofria e Bruno se fazia gigante!
Em dez minutos, Kannemann recebeu o primeiro cartão amarelo do jogo quando teve de interromper lá no campo adversário uma tentativa de ataque em alta velocidade. Sacrificou-se mais uma vez e se colocou em risco, considerando as exigências que viriam nos demais 80 e tantos minutos que faltavam. Eu sofria com a possibilidade de expulsão. Apesar disso, nosso zagueiro não arrefeceu. Marcou muito. Travou todas as bolas que se aproximavam da nossa área. E foi gigante como Bruno. Já havia sido na partida anterior quando nos livrou de uma derrota.
Aos 27, a presença e pressão de Luis Suárez diante dos zagueiros os fez titubearem em uma saída de bola. Suárez não perde oportunidade. Se na partida anterior aproveitou uma das poucas chances que teve para chegar ao empate que nos manteve vivo na decisão, agora foi dele a roubada de bola e a assistência para o gol. Suárez é gigante pela própria natureza! E apesar de termos esse gigante mundial, eu sofria!
O gol foi de Villasanti, o volante! Há muito tempo, o paraguaio chega na área. E com pé lá dentro sempre se coloca como alternativa. Desta vez, nem precisou entrar. Recebeu o passe de Suárez um pouco antes da risca da grande área e bateu firme para as redes. Mas Villa não é gigante apenas pelo gol marcado. O é por todos os desarmes que é capaz de fazer durante o jogo. Pela maneira como fecha os espaços, impede a chegada mais forte do adversário e sai jogando quando domina a bola. Sofro até vê-lo interceder.
Lá atrás, ninguém foi maior do que Gabriel Grando. Fez defesas de todos os tipos. Nas cobranças de escanteio espantou o perigo. Nos chutes de fora da área estava bem posicionado. Nos raros espaços que os atacantes adversários encontraram dentro da área, Gandro também se agigantou. Defendeu uma, duas, três e quantas vezes mais foram necessárias para impedir o gol de empate, enquanto eu sofria!
Bruno Uvini, Fábio, Reinaldo, Carballo, Cuiabano, Bitello e todos os que entraram em campo foram gigantes ao seu modo. Lutaram até onde dava. Marcaram com força. Esforçaram-se mais do que podiam. Souberam jogar o jogo das Copas. E eu sofria como em todas as Copas!
O Grêmio foi gigante nesta noite de Copa do Brasil e está nas quarta-de-final. E eu quero o direito de continuar sofrendo até a conquista do título, assim como sofro desde os tempos daquele guri da Saldanha.
Luis Suárez comemora o gol de empate em foto de Lucas Uebel/GrêmioFBPA
Aos 16 do primeiro tempo, a bola foi no travessão e estivemos prestes a assistir a um dos mais belos gols da Arena. Já estávamos correndo atrás do placar —- e dos atacantes adversários, também — quando Carballo lançou por cima da zaga em direção a Luis Suárez. Nosso atacante dominou e ficou de costas para o zagueiro e para a goleira. Esboçou uma bicicleta, único recurso que ainda lhe restava naquele momento dentro da área. Lamentou-se Luisito e todos nós torcedores, pelo gol que não se fez e pela obra prima que não se completou.
Aos 35 do segundo tempo, a perfeição se realizou. A jogada teve como coadjuvantes Galdino e Bitello que apareceram no corredor direito para conduzir a bola que vinha da defesa. Galdino, recém-entrado, encostou para Bitello, naquela altura deslocado para a lateral em lugar de Fábio, que havia cansado. Luis Suárez se desprendeu dos dois marcadores, recuou um pouco e livre recebeu a bola.
Nesse momento, a pressão sobre ele era inevitável, mas Luisito é Luisito e tem muito mais recursos à disposição do que a maioria dos jogadores deste planeta. Fez uso de um deles. Raro no futebol como se pode ver na descrição que copio a seguir, do Wikipedia:
“Trivela é um tipo de passe/remate aplicado no futebol. É uma técnica de passe/remate pouco utilizada pela generalidade dos futebolistas, pois exige uma particularmente elevada capacidade técnica. Executado com a parte exterior do pé, é de difícil execução, mas também de grande espetacularidade e imprevisibilidade”.
Sim, foi de trivela. Lá de fora. Com lado externo do pé direito. A bola saiu veloz e com direção certeira: o ângulo esquerdo da goleira adversária. O goleiro parecia não acreditar, enquanto os marcadores dele assistiam de uma posição privilegiada o lance mais lindo da partida e um dos mais bonitos já protagonizado na Arena.
Um presente para o torcedor que sofria frente ao futebol mal jogado, a falta de repertório na movimentação e o alto risco que corremos durante toda a partida — haja vista o lance em que Kannemann mais uma vez expressou sua bravura e insistência em permanecer vivo ao evitar o segundo gol, ao fim do primeiro tempo. Uma alegria que o time nos deve há alguns jogos e só foi paga pela genialidade de nosso atacante.
Suárez comemora gol de Galdino, em foto de Lucas Uebel/Grêmio FBPA
Eita, seu! Que coisa! Tudo que eu queria, depois de um dia de trabalho duro, era sentar diante da TV a espera de 90 minutos de entretenimento e tranquilidade. Aí a bola começa a rolar e você vai vendo a coisa degringolar. O passe não passa como deveria ser passado, o chute não chuta como deveria ser chutado e a marcação não marca como deveria ser marcada. Todas as vezes que é atacado, um susto. Você fica só chuleando para se ver livre de um gol tomado. Mas é claro que ele vai aparecer. Como apareceu ainda no primeiro tempo. E o jogo que era só pra carimbar passagem para a próxima fase, vira suplício.
Verdade que o Grêmio tentou reduzir o risco ficando mais tempo com a bola no pé, especialmente no segundo tempo. Para isso tem de ter alguém pra conduzir essa bola, outro para se aproximar e um mais à frente para se deslocar. Mas se quem conduz passa errado, quem se aproxima, só tira espaço para a bola fluir e quem se desloca não recebe, a estratégia vai para o ralo. E o que deveria ser simples, tranquilo e divertido, ganha ares de sofrimento.
Haja sofrimento! A cada escapada do adversário, o perigo era iminente. Você assistia à bola cruzando a sua área e logo imaginava um desvio para as suas redes e a ameaça de termos de decidir tudo nos penaltis. Observava o adversário se jogando para dentro da área e o medo de um pé descontrolado cometer uma penalidade — como diz o ditado: cachorro mordida por cobra tem medo de linguiça. Aí veio o lance do lado direito que passou por cima de nossos dois defensores e foi para diante do atacante deles. Confesso, ali não via nenhuma possibilidade de a bola não entrar. Pois não é que não entrou. Chocou-se no travessão e se perdeu pela linha de fundo. Foi o ápice do desespero.
Se eu, aqui distante, já estava impaciente, imagine o torcedor na Arena. Cada bola mal passada ou mal marcada era motivo de reclamação, buchichos e vaias. Dentro do campo era perceptível o nervosismo do time. Do lado do campo, também o era a irritação do treinador.
Foi então que o herói improvável apareceu para alívio de todos.
Everton Galdino, que na partida anterior pela Copa do Brasil havia errado praticamente todos os lances que participou, a ponto de tropeçar na bola em um contra-ataque, recebeu um presente de Suarez na entrada da área —- em tempo, que partida fez o nosso gringo preferido. Galdino poderia escolher: devolver para o nosso craque, o mais provável. Ou encontrar Bitello que entrava pelo outro lado. Não. Galdino ajeitou a bola e bateu lá de fora para estufar a rede, empatar o jogo e acabar com qualquer risco de desclassificação.
O Grêmio empatou e manteve a invencibilidade na Arena. Poderia até ter perdido por um e se classificaria assim mesmo. Independentemente do placar, o que importa é que avançou mais uma casa em direção ao título da Copa do Brasil. Vai precisar repor suas peças, consertar a parte física de jogadores importantes e reorganizar a forma de jogar. Não pode continuar sacrificando seu maior jogador, Luis Suárez, obrigando-o a sair da área, buscar a bola na intermediária e ensinar os colegas mais próximos como funciona um jogo coletivo de alta performance.
Teremos tempo para os consertos e o departamento médico haverá de liberar, em breve, jogadores especialmente do meio de campo que tem toque mais refinado da bola. Por enquanto, é comemorar a classificação depois de um jogo sofrido em vários sentidos.
Bitello comemora o gol em foto de Lucas Uebel/GrêmioFBPA
João Paulo de Souza Mares é o nome de batismo. Dito assim, porém, talvez poucos sejam os gremistas capazes de dizer quem é e qual a importância deste jogador para o time. João Paulo já chegou ao clube marcado pelo apelido de infância que surgiu de uma brincadeira com um amigo na sala de aula, Bitello. E é por Bitello que gritamos na arquibancada para reverenciar aquele que atualmente é o melhor jogador do elenco gremista.
Alguém haverá de precipitadamente me criticar pela afirmação feita na última frase do parágrafo anterior, afinal no comando do ataque temos um dos maiores goleadores do mundo. “Como, Milton, você acha que Bitello é melhor do que Suárez ?” Explico. Luisito, por tudo que estamos vendo nos gramados, pela sua história e méritos, é “hour concour”, expressão que costumávamos usar para aqueles que de tão especial que nasceram estão acima de qualquer comparação. E Suárez está entre eles, está em um patamar diferenciado, só oferecido àqueles que nasceram abençoados pelos Deuses do Futebol.
Dito isso, voltemos a Bitello, o craque do momento.
Na noite de ontem, ele brilhou em um jogo de futebol ofuscado pela qualidade do gramado e pela forma desconsertada que o Grêmio entrou em campo, devido as dificuldades para escalar o time. Especialmente no segundo tempo foi o responsável pela melhoria na qualidade do jogo, cadenciando a bola, se deslocando para se aproximar dos companheiros, melhorando a troca de passe e permitindo que o Grêmio dominasse a partida, praticamente anulando os riscos de o adversário chegar ao nosso gol.
Foi de Bitello o segundo e mais bonito gol da partida, ao acertar no ângulo um chute de fora da área, depois de uma cobrança de escanteio ensaiada. Um gol que nos trouxe tranquilidade, em uma partida de alto risco — cabe lembrar que o adversário já havia eliminado um time da séria A, na fase anterior da Copa do Brasil, e não perdia, frente a sua torcida, desde janeiro do ano passado.
Fazer golaços e gol decisivos, são duas tarefas que já aparecem no currículo de Bitello, apesar de ainda ser tão jovem. Foi dele o gol que abriu a vitória gremista na final do Brasileiro de Aspirantes, em 2021, levando o Grêmio a um título inédito. Foi dele um golaço parecido com o de ontem, em um dos Gre-nais do Campeonato Gaúcho de 2022. Ainda no ano passado, na segunda divisão, foi, também, a maior revelação do futebol brasileiro. E neste 2023 conquistou o bi no prêmio de Craque do Gauchão — sim, ainda com 22 anos já havia se destacado como o melhor da competição, logo que estreiou no time principal.
O guri está jogando muito e fazendo a diferença com uma maturidade que chama atenção. Foi fundamental para a volta à Primeira Divisão e é peça essencial para nossa campanha no Campeonato Brasileiro que se inicia no fim de semana. Se não bastasse cumprir seu papel à risca, ainda demonstra irreverência nas comemorações, reproduzindo os gestos e danças de seus ídolos da NBA — o que demonstra ser craque de bola e ter excelente referências.
Bruno Alves comemora o primeiro gol da vitória gremista
Foram três gols e poderiam ter sido muitos outros. O volume de jogo foi intenso do início ao fim da partida com sequências de jogadas de ataque, trocas de passes rápidas, deslocamento de jogadores e chegadas fortes na área. Uma partida gostosa de assistir na noite desta quinta-feira pela segunda fase da Copa do Brasil. Só não foi mais agradável porque desperdiçou-se muitas finalizações — inclusive um pênalti — e oportunidades demais foram oferecidas ao adversário.
Das muitas boas noticias, começo por Cristaldo, meia que se destaca pelas assistências que colocam seus companheiros em condições de gol. Já nos acréscimos do primeiro tempo, foi dele a cobrança de falta, sutil e bem colocada, que permitiu Bruno Alves marcar de cabeça. Dos pés do argentino também partiu o chute forte que fez o goleiro oferecer rebote para Ferreirinha estufar a rede, no segundo tempo.
Pepê, Vina e Bitello completaram o meio de campo com vitalidade e qualidade no passe — um fundamento que vem sendo aprimorado pelo time desde o início desta temporada. A própria movimentação com Luis Suárez está mais bem sintonizada. É evidente a evolução no entrosamento dele com os demais colegas de equipe.
Hoje, Luisito sofreu seu primeiro revés, desde que chegou ao Grêmio, ao ter sua cobrança de pênalti defendida pelo goleiro adversário. Como experiência e resiliência não faltam ao nosso atacante, insistiu de um lado, tabelou pelo outro e chutou a gol o quanto pode. Seu esforço foi premiado no segundo tempo quando aproveitou o vacilo de um dos defensores, driblou seu marcador e colocou a bola distante do goleiro.
A partida que nos levou à terceira fase da Copa do Brasil foi importante, também, porque sinalizou que temos a cada jogo um time mais bem entrosado e demonstrando características que nos permitem sonhar com um desempenho ainda melhor a medida que a temporada coloque no nosso caminho equipes mais fortes. Até aqui, o Grêmio foi superior a todos os seus adversários e se mantém invicto no ano.
Ferreirinha ajeita o copo para marcar o segundo gol, em foto de Lucas Uebel/Grêmio FBPA
Um gol no primeiro tempo, um no segundo e a classificação à próxima fase da Copa do Brasil foi conquistada com a tranquilidade que esperávamos, considerando o adversário e os devidos cuidados a serem adotados para a sequência da temporada. De minha parte não havia nenhuma expectativa de goleada, como imaginavam os mais deslumbrados torcedores. Diante do que sofremos no ano passado, me bastava a passagem à segunda fase.
De verdade, para meus desejos se completarem faltou apenas o gol de Luis Suárez. Sim, porque hoje, para mim e imagino para um número considerável de gremistas, vamos a campo sempre a espera da vitória do Grêmio e do gol de nosso atacante. Queremos a alegria de vê-lo balançar as redes.
Nesta noite de quarta, Suárez não marcou, mas se fez necessário no gramado do Mané Garrincha. Sem contar a forma como se entrega e luta insistentemente para alcançar o gol, naturalmente ele chama atenção dos zagueiros, o que abre espaço para os companheiros que se aproximam da área.
Bom exemplo da importância da presença dele foi como abrimos o placar com quase meia hora de jogo. Suárez recebeu a bola de Cristaldo, foi seguido por dois marcadores e de calcanhar devolveu para o argentino, que estava livre para marcar. Poderia ter tentando o gol por conta própria, afinal é o centroavante de ofício. Mas atua com inteligência e tem uma capacidade acima da média para enxergar as jogadas.
O segundo gol veio quando a partida estava chegando ao fim e foi mérito de Ferreirinha. Nosso atacante pela esquerda se deslocou para receber na entrada da área, dominou a bola, driblou o marcador e colocou no canto do goleiro adversário. Um gol para dar confiança ao ponteiro que está retornando ao time após uma lesão no início deste ano.
O Grêmio fez o necessário e o que se esperava dele nesta etapa da competição. Que siga cumprindo o seu papel até alcançar os hexas que têm para conquistar neste ano: o da Copa do Brasil e o do Campeonato Gaúcho.
Elis Regina, gremista que era, cantou Cartomante, e foi minha única inspiração após assistir ao Grêmio cair de forma inédita da Copa do Brasil, na primeira rodada. Sim, o Grêmio, o Rei de Copas caiu, Elis!
Nos dias de hoje é bom que se proteja . Ofereca a face pra quem quer que seja Nos dias de hoje, esteja tranquilo Haja o que houver pense nos seus filhos Não ande nos bares, esqueça os amigos Não pare nas praças, não corra perigo Não fale do medo que temos da vida Não ponha o dedo na nossa ferida
Nos dias de hoje não dê um motivo Porque na verdade eu te quero vivo Tenha paciência, Deus está contigo Deus está conosco até o pescoço. Já está escrito, já está previsto Por todas as videntes, pelas cartomantes Tá tudo nas cartas, em todas as estrelas No jogo dos búzios e nas profecias
Cai o rei de espadas, cai o rei de ouros Cai o rei de paus, cai, não fica nada!
Quem me lê nesta Avalanche — e são cada vez mais caros e raros —- sabe que a dedico ao meu tricolor de coração. E a publico poucas horas após o árbitro trilar o apito final. Como tudo está fora da ordem, da vida ao meu time de futebol preferido, abandonei meus compromissos com o leitor e com a coluna depois do resultado de domingo passado. Não significa que abdiquei da minha paixão, porque esta é eterna, o que me faz acreditar mesmo no inacreditável —- o que não é o caso, ainda. Já havia desistido de escrevê-la pelo tempo passado e o desconforto com o tema. Foi então que “o carteiro chegou e o meu nome gritou com uma cartão na mão”, como bem escreveu em Letras, Maria Bethânia.
No pacote que abri ansioso, sem saber o que me aguardava, encontrei livro, camisa e copos alusivos ao trabalho do colega de profissão e companheiro de Twitter, Bruno Zanette, com quem compartilho alguns amores. Nascido e vivido em Foz do Iguaçu, adora rádio e futebol, a assim como eu. Nos últimos tempos, dedicou-se a registrar os momentos vividos por um time que fez história no futebol feminino: o Foz Cataratas FC, campeão da Copa do Brasil, em 2011.
Azul como meu Grêmio, mas bicolor por nascença, o Foz surgiu em 2010, estreou às vésperas do Dia Internacional da Mulher e foi vice-campeão da Copa do Brasil naquele ano.
A derrota na final para o Duque de Caxias (RJ) foi marcada por polêmica de arbitragem, expulsão, discussão e gás de pimenta. A despeito de justiça ter sido feita ou não, foi aquele jogo que forjou o caráter e a personalidade do time que conquistaria o Brasil no ano seguinte.
Bruno, que era repórter de campo e torcedor do Foz —- não necessariamente nesta ordem —- registra a história no livro “O ano em que o Foz Cataratas conquistou o Brasil”, publicado graças a sua coragem e talento —- características que também fazem parte do roteiro das ‘Poderosas do Foz’, como as meninas que jogavam na tríplice fronteira eram conhecidas. Da mesma forma que elas, o autor também contou com a torcida de apoiadores que aceitaram financiar a ideia de registrar um dos capítulos do futebol feminino, no Brasil.
Eis aí, entre tantos, o maior mérito deste trabalho realizado pelo Bruno. Como escreve a jornalista Patrícia Zeni, na apresentação do livro, “a história do futebol feminino ainda está escondida” e Bruno dá o ponta pé inicial para torná-la pública. Faz trabalho bem feito, com precisão, apuro e emoção —- similar ao que aquelas jogadoras aprestaram em campo quando desafiadas por suas adversárias.
Os feitos das “Poderosas” deixo para que o próprio Bruno conte. Ele tem autoridade no assunto e foi testemunha ocular daquela conquista que fez “a alegria das arquibancadas, com jogadas imortais de craques”—- como eternizado no hino do clube. De minha parte fica o convite para que você conheça e apoie o trabalho dele, inspirando outros jornalistas a contarem em livro a história do futebol feminino no Brasil. E, também, deixo meu agradecimento ao autor que, ao me proporcionar a leitura destes feitos, ameniza a frustração dos resultados do meu time de coração.
Ps: aos leitores recém-chegados, explico: a Avalanche Tricolor registra resultados, jogo após jogo, alcançados pelo Grêmio, sem que, necessariamente, eu tenha o compromisso de escrever sobre eles, especialmente quando meu time nada faz por merecer.
Sou gremista, não por agora. Sou gremista de nascença. Quem já conversou comigo, leu minhas palavras ou ouviu minhas conversas sabe muito sobre isso. E se começo a Avalanche reforçando essa ideia é porque muitos devem imaginar que momentos como esse que estamos enfrentando são suficientes para nos afastar daquilo que aprendemos a gostar. Quem viveu o que vivemos, não esmorece. Não se micha como dizem lá pelas nossas bandas.
Na noite de ontem, mesmo diante do desastre da primeira partida, do time alternativo levado a campo, das carências de qualidade e talento, do poder financeiro e político do adversário —- que teve o privilégio de levar torcedores para o estádio e esfregar na nossa cara, sem máscara, o desrespeito aos quase 590 mil mortos por Covid-19 — , lá estava eu na torcida mais uma vez. Porque é assim que nos tornamos gremistas. Acreditando sempre, mesmo que não haja por que acreditar.
Posso lhe garantir, já foi pior. Muito pior. E se você, caro e cada vez mais raro leitor desta Avalanche, for gremista como eu, sabe do que estou falando. Hoje, sofremos mais porque ficamos mal acostumados com a performance, resultados e títulos dos últimos anos. Tivemos um time de excelência e de futebol exuberante poucas temporadas atrás. E quando olhamos em campo, ainda vemos alguns resquícios desse passado recente: alguns cambaleando e outros apenas como um desenho mal esboçado do que foram. Tem até mesmo talentos em potencial, que não conseguem se expressar.
Nada disso … nem a bola mal tratada, nem a gestão mal acabada, nem as derrotas acumuladas, … nada disso me demove do desejo de torcer pelo meu Grêmio. De acreditar no meu Grêmio. De sofrer desta paixão. Por isso, a despeito do que esteja acontecendo, do que aconteceu na noite desta quarta e do que acontecerá em seguida, cá estou a ratificar este amor e a desejar-lhe um feliz aniversário, Grêmio!
A bola mal havia começado a rolar na Arena, e eu ainda tinha compromissos profissionais a cumprir. Online como têm sido todos os que realizo desde o ano passado. Alinhei a tela de dois computadores e mantive um olho no futebol e o outro na mesa redonda. Aliás, uma mesa bem interessante de debate —- bem mais do que o jogo que estava sendo jogado.
Debate rico, pelo tema e pelos convidados. Na série “Paisagens na pandemia”, Jaime Troiano, colega do Sua Marca Vai Ser Um Sucesso, era o técnico, escalou o time e nos botou a jogar: a Cecília Russo, pelo lado da psicologia; o Emerson Bento, da educação; e o Fernando Jucá, das organizações. Fosse vôlei, eu era o levantador. Como a analogia é com o futebol, sem o talento de Jean Pyerre, mas suando a camisa muito mais do que ele, minha função era distribuir o jogo. Fazer perguntas. Provocar a discussão, no bom sentido.
Muito mais pela experiência de cada um do que pelas assistências que fiz, Cecília, Emerson e Jucá bateram um bolão, jogaram com as palavras, fizeram embaixadinhas com o conhecimento e deixaram, cada um do seu jeito, um golaço registrado no placar.
A preleção foi do Jaime que, em lugar de fazer essa pobre analogia com o futebol, nos proporcionou uma viagem ao litoral paulista, em caminho que fazia quando criança, no banco de trás do carro, e para passar o tempo contava quantos túneis havia na estrada. Nunca tinha certeza se haveria, na jornada, um outro túnel —- alguns intermináveis para ansiedade infantil , como acontece com a gente diante desta pandemia. Lembremos que não é o primeiro túnel que enfrentamos, apesar de ser o mais longo de nossas vidas. Talvez não seja o último, e Jaime chamou atenção para isso e nos propôs pensarmos que lições aprendemos para usarmos assim que este acabar e, quem sabe, um próximo túnel se apresentar.
“Sairemos do túnel com uma prática mais equilibrada da divisão de papéis entre gêneros?”.
A persistirem os sintomas, não. Mesmo que possamos encontrar casos simbólicos em que homens, tendo de trabalhar em casa, perceberam a necessidade de assumirem uma série de tarefas que antes eram realizadas apenas pela “mulher da casa”, pesquisa do Ibope realizada, neste ano, escancara a realidade doméstica. Ao perguntar para o casal quem organizava determinadas tarefas, o instituto identificou que, de 13 atividades descritas, em apenas duas os homens apareceram como os principais responsáveis: tirar o lixo (53%) e fazer o que precisa de manutenção na casa (69%). Cuidar dos filhos (88%), dos idosos (79%) e dos animais de estimação (59%), preparar a refeição (87%), limpar (87%) e lavar (77%), ficaram por conta das mulheres.
Emerson tem a vivência de mais de 20 anos como executivo de um dos mais tradicionais colégios de São Paulo, o Bandeirantes. Pegou o gancho da Cecília para lembrar que homens e mulheres, pais e mães, tiveram um choque de realidade ao serem obrigados a ficar em casa com seus filhos e acompanharem o ensino à distância. A começar pelo fato de que, na avaliação dele, muitos dos adultos usavam a escola como uma espécie de depósito de corpos, onde deixavam os filhos armazenados em um período do dia para poderem fazer suas atividades. Houve casos em que tentou-se repetir essa estratégia, querendo que as crianças cumprissem seu horário de expediente diante do computador, com a escola reproduzindo a grade das aulas presenciais —- não deu certo, é claro. Professores e alunos foram muito mais flexíveis nas tomadas de decisões e conseguiram se adaptar bem melhor do que os pais àquela nova situação. Para Emerson, a experiência do ensino à distância e a expansão do uso da tecnologia serão suportes para o projeto pedagógico a ser realizado assim que sairmos do túnel. No entanto, ‘vai rodar’ quem não investir nas relações socioemocionais:
“Quando sairmos do túnel, a tecnologia sustentará uma educação mais humana para os humanos”
Emerson
Pensava cá com meus botões analógicos, se seguirmos enxergando a escola como este ‘depósito de corpos’ e terceirizando a educação dos nossos filhos, que seres humanos estaremos preparando para o futuro —- que para alguns está logo ali, na saída do túnel? Nem bem tinha absorvido essa reflexão, o Jucá entrou na jogada. Pegou a bola, colocou embaixo do braço e pediu um tempo, esse produto raro no ambiente organizacional:
“O ambiente corporativo hoje é uma máquina de fazer loucos ou um espaço fértil para nosso desenvolvimento pessoal?”
Fernando Jucá
A pergunta abriu caminho para ele contar histórias corporativas que ilustravam luz e sombra no mundo do trabalho. Dramas de pessoas que se perderam entre o “home” e o “office” quando os dois cenários se misturaram; de gente que sem ter o “olhar do dono” no cangote do escritório, tentou mostrar produtividade trabalhando muito além da conta; mas também de gestores que perceberam que as relações humanas deveriam prevalecer, a partir do desenvolvimento de uma prática até então pouco comum: a escuta ativa. Ouvir o que outro tem a dizer, auscultar sua alma e compartilhar os sentimentos — tudo aquilo que não aprendemos em anos de ensino superior, cursos de extensão, mestrados e doutorados. Boa lição desta tragédia que vivemos em sociedade.
Como era de se esperar, na conversa que durou hora e meia não se ofereceu uma resposta definitiva. Nem mesmo que tivessem acréscimos, prorrogação, cobrança de penaltis ou jogo de volta, esta reposta seria definitiva. Porque ela não existe. A começar pelo fato de que a pandemia mais do que transformar pessoas, expressou o que as pessoas têm, pensam e são, para o bem e para o mal. Ou seja, o túnel não tem uma só saída. Existem várias. Caberá a cada um de nós fazermos a escolha certa.
E aí, concluo eu, coisa que aliás não consegui fazer enquanto estava embevecido com a fala dos meus colegas: a nós cabe criarmos na família, na escola e no trabalho ambientes eticamente saudáveis porque assim, quando aqueles que estão ao nosso entorno tiverem de decidir qual caminho seguir no fim do túnel terão a oportunidade de fazerem escolhas mais qualificadas.
E quanto ao jogo? Bem, primeiro disse que esta coluna, apesar de vir sob o selo de Avalanche, não seria sobre futebol; segundo, que a vitória mirrada de um a zero contra um time que jogou metade do tempo com um a menos, não me estimulou a qualquer texto; terceiro, confesso, com cinco minutos de bola rolando no nosso debate até esqueci de olhar para a tela em que o Grêmio estava jogando. Lendo alguns comentários esportivos quero crer que ainda termos um longo túnel a percorrer.