Avalanche Tricolor: esperança driblada no final

Grêmio 1×1 RB Bragantino
Brasileiro – Arena do Grêmio, Porto Alegre (RS)

Cristian Oliveira foi um dos destaques. Foto: Lucas Uebel/GrêmioFBPA

Há um cansaço emocional em torcer por lampejos de melhora quando a realidade insiste em repetir os mesmos erros. Passamos a temporada em busca de sinais de recuperação: um empate nos minutos finais, uma classificação nos pênaltis, a simples melhora técnica de um jogador ou o surgimento promissor de alguém da base. Mas, a cada novo alento, a realidade se impõe — e fala mais alto.

Neste início de noite de sábado, a esperança se renovou especialmente no segundo tempo, quando Mano Menezes corrigiu o time com dois pontas de qualidade e um meio-campo mais criativo. A defesa já dava sinais de estabilidade desde o início da partida, apesar de alguns sustos pontuais. O problema estava do meio para frente: faltava agressividade e criação.

Com Monsanto no lugar de Nathan – o que ele estava fazendo em campo? – e Amuzu aberto pela ponta, o Grêmio passou a produzir mais. Cristian Oliveira, que havia sido destaque na etapa inicial pelo lado esquerdo, trocou de lado e manteve o ímpeto — até onde o físico permitiu. Arezo entrou e tornou o ataque mais contundente. As chances apareceram, e o torcedor, enfim, teve a sensação de que o time se encontrava.

O gol de Amuzu, aos 42 minutos da etapa final, parecia confirmar esse pressentimento. Não foi obra do acaso. A jogada começou no campo defensivo, com Arezo, passou por Braithwaite — que fez um lançamento longo e preciso — e chegou aos pés do atacante belga. Amuzu driblou seus marcadores e, de fora da área, finalizou com categoria, sem chances para o goleiro.

A vitória estava ao alcance, pronta para mudar o rumo da temporada. Ledo engano. Menos de dois minutos depois, uma rara desatenção defensiva, na partida de hoje, nos custou o empate. A frustração retornou com força, diluindo o otimismo que mal havia se formado.

Há pontos positivos? Sim. A defesa, mesmo com mais um gol sofrido — o 12º no Brasileiro —, demonstrou evolução tática. Jemerson, frequentemente alvo da torcida, jogou com mais segurança. Os dois laterais, Igor Serrote e Marlon, seguem como os mais confiáveis do elenco. Monsanto, saindo do banco, teve sua melhor atuação recente. No ataque, Cristian Oliveira e Amuzu foram os nomes mais perigosos, criando oportunidades com dribles e velocidade.

A esperança agora — e eu rejeito a falência da esperança — é que o time, sob o comando de Mano Menezes e observado por Luiz Felipe Scolari, continue evoluindo. Que essa evolução, finalmente, se transforme em vitórias. Porque só elas, no fim das contas, sustentam qualquer projeto.

Conte Sua História de São Paulo: meus joelhos têm as marcas da Vila Sabrina

Denise Moraes

Ouvinte CBN

Vista aérea da Vila Sabrina Foto: divulgação

Olhei-me no espelho do elevador e reparei nos meus joelhos: não tão bonitos quanto minha mãe queria. Lembrei dela falando desde bem pequena — uns seis anos?: “Menina, não seja tão moleque! Cuidado com os joelhos, depois ficam todo marcados…”  

Não adiantou nada, eu sei.  Os tenho cheios de marcas. Algumas adquiri depois de adulta mesmo, em minhas trilhas e passeios, em pedras e galhos. E quer saber? Me orgulho delas. Quanto as marcas de infância, amo mais ainda, porque são dos bons tempos em que eu sumia na rua em que morava, sempre descobrindo os lugares mais incríveis para brincar. 

Por um tempo, era no campinho, perto do largo da Vila Sabrina, onde havia um enorme terreno vazio, sem casas, sem nada. Mas um trator ficara remanejando a terra por muitos meses, uma bendita terra preta que minha mãe odiava, porque grudava de um jeito na roupa!! E eu, no meio dos meninos, acho que eu era a única menina, subia nas montanhas de terra que afundava um pouco quando a gente pisava. Lá de cima rolávamos e gargalhávamos. 

Em outro tempo, passávamos horas brincando dentro de um depósito de materiais de construção, subíamos nas prateleiras que armazenavam madeira e de lá pulávamos sobre os montes de areia. Minha mãe tinha a melhor das intenções, pois ela temia pelos machucados. Mas que tempo bom!

Vila Sabrina era uma vila distante de tudo, lá para os lados da Vila Maria, terra do Jânio Quadros. Cheguei a ver meus primos nadarem no rio Cabuçú, sob a vigilância do meu pai. Ele me carregava nos ombros. Eu com uns três ou quatro anos. Não me deixava colocar o pé no chão que estava encoberto de água, devido ao transbordamento desse riozinho, depois de uma forte e longa chuva de verão. 

As chuvas de verão eram muito bem-vindas. As enchentes não atingiam casas nem causavam os estragos de hoje em dia. Havia muito terreno permeável, muito mato, as pessoas, sabiamente, não construíam próximo de rios. Hoje, esse riozinho, na melhor das hipóteses, deve ter sido canalizado, pois a última vez que vi, era um esgoto a céu aberto.

Uma pena que nossos governantes provavelmente não acreditavam e não acreditam em Deus, pois a natureza, manifestação divina, jamais poderia ter sido desprezada e morta pelas mãos do homem. Quem sabe um dia, se ainda der tempo, nós, paulistanos, sobreviventes dos desmandos políticos, saibamos decidir por uma cidade melhor.

Denise Esperança deveria ser meu nome.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Denise Moraes, por que não, Denise Esperança é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva agora o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite meu blog miltonjung.com.br ou o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Avalanche Tricolores: a esperança tem limites

Grêmio 2×2 Palmeiras

Brasileiro – Alfredo Jaconi, Caxias do Sul/RS

Sinceridade? A expectativa era zero. A esperança, essa, sim, sempre bate forte no ritmo de nosso coração e não me falta. Esperança que se fortaleceu no serelepe Gustavo Nunes, que serviu Pavón para abrir o placar em pouco mais de dois minutos de partida. 

Esperança era o que movia nossos defensores, a cada ataque adversário. De que o drible saísse errado, de que o passe fosse desviado, de que nos anteciparíamos a cada jogada e, se nada disso funcionasse, que Deus nos salvasse. 

Rodrigo Ely e Kannemann juntos levaram nossa esperança ao extremo, enquanto estiveram lado a lado no gramado. Marchesin também se encheu deste sentimento nas bolas que desviou com o olhar, e nas que, com agilidade, impediu de entrar. 

Quando parecíamos perder força, a esperança voltou a jogar. Nos proporcionou um pênalti que, até hoje, só aceito comemorar após ver o gol no placar. Com a bola de um lado e o goleiro de outro, Cristaldo me fez sonhar. 

Mas houve quem quisesse esgarçar nossa esperança. E acreditar em alguém que sequer acredita em si mesmo. 

Diante das escolhas de nosso treinador, só esperançar não é suficiente. Às vezes, por mais que a torcida acredite, que os cânticos ecoem pelo estádio, a realidade se impõe. Há limites para a esperança, e eles são traçados pelo esforço, pela preparação e pela competência. Pune quem detém a prepotência de desafiá-la.

Não se pode esperar vitória eterna se não houver dedicação e melhoria constante. A esperança pode nos levar longe, mas não pode nos carregar sozinha até o final.

O ano novo está dentro de você

Por Simone Domingues

@simonedominguespsicologa

Foto de Jonas Von Werne

“É dentro de você que o ano novo

cochila e espera desde sempre”

Carlos Drummond de Andrade

A buzina insistente alerta para o caos que está no trânsito. Uma pessoa passa gesticulando e xingando, correndo, porque não tem tempo a perder. Pessoas se encontram e ao invés de desfrutarem da felicidade desse momento, preferem se queixar sobre as chatices cotidianas.

Nos preparamos para as festas de fim de ano. Uma checagem no armário e a conclusão é de que não há roupa que agrade, apesar de tantas estarem lá. Uma pausa para olhar no espelho, olhos nos olhos, e logo identificamos uma coisa que não gostamos em nós.

Na esperança que as coisas mudem para o próximo ano, listamos metas. Listas de metas que ficam guardadas, adiadas, esquecidas. Talvez por serem coisas difíceis de se realizar… Talvez por serem coisas que não são prioridade.

Você deve estar pensando: “isso aqui não deveria ser sobre esperança e renovação, afinal estamos num momento de comemorações?”.

Você tem razão!

Permita-me completar: nós somos convidados todos os dias a momentos de esperança, renovação e comemorações. A cada manhã, a vida nos convida para um dia a mais. Um dia a mais de oportunidades para sermos felizes, para amar, para perdoar, para viver intensamente o momento de um café quentinho ou de um abraço apertado.

Fazer a vida valer a pena não parece tarefa fácil. Há uma lista de coisas – essa não foi feita por nós – que nos desafiam a todo instante.

Mas não espere pela passagem do tempo. Não adie aquilo que você tem a oportunidade de viver hoje, não importa se janeiro, setembro ou dezembro. O ano novo está dentro de você. Cada vez que você tem esperança, cada vez que você se renova, cada vez que você comemora… É sempre ano novo!

Há momentos em que a gente aperta demais a buzina, aperta o passo, se esquece daquilo que é valioso e essencial.

O que fazer?

Recomeçar. Nós temos a chance de recomeçar.

E não seria isso o significado do ano novo? Dar uma nova oportunidade para nós, para a vida

E nesse recomeço, inspirada pelo samba de Arlindo Cruz, acredito que “iremos achar o tom, um acorde com lindo som e fazer com que fique bom outra vez, o nosso cantar, e a gente vai ser feliz…”

Com fé e esperança, desejo que seja ano novo em todos os seus dias.

Simone Domingues é psicóloga especialista em neuropsicologia, tem pós-doutorado em neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das autoras do canal @dezporcentomais, no YouTube. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung. 

Ano novo: tudo de novo!

Por Simone Domingues

@simonedominguespsicologa

Photo by Pixabay on Pexels.com

“Minha mãe me deu ao mundo
De maneira singular
Me dizendo a sentença
Pra eu sempre pedir licença
Mas nunca deixar de entrar”

Tudo de novo – Caetano Veloso

Na mitologia romana, Janus é a divindade que possui duas faces, uma sempre voltada para a frente, contemplando o futuro, e a outra para trás, olhando o que já passou. Nesse sentido, sua representação simboliza as transições, o caminho entre dois pontos e as dualidades do universo.

O deus romano costumava ser cultuado durante os períodos de colheita, em rituais de celebração nos quais se desejava o sucesso na renovação de um ciclo de plantio, e em eventos que marcavam mudanças nas fases de vida humana. Além disso, era o deus guardião das portas e dos portais de entrada e saída por onde passavam os soldados romanos em tempos de guerra.

Essa representação do passado e do futuro, e a vinculação às celebrações de início e encerramento de ciclos, fizeram com que o deus Janus fosse fortemente associado com as simbologias do ano novo, que remetem a mudanças, recomeços e esperança.

E não seriam esses os desejos que nos invadem nessa época do ano?

Desejamos que a vida nos permita recomeços. Desejamos uma vida com mais conexão, com mais encontros, com mais oportunidades e, porque não dizer, com mais felicidade.

Desejamos que as mudanças aconteçam e nos permitam uma vida melhor, mas buscamos do lado de fora o que possivelmente se alcança apenas dentro de nós mesmos. As portas que tanto desejamos que nos sejam abertas, possuem fechaduras internas.  Por vezes, elas aparecem com o nome de novos caminhos; por outras, emolduram novas pessoas e culturas, novos olhares e novas ideias.

Cabe a cada um de nós decidir se vamos ou não abri-las. Se não abrirmos, nos manteremos seguros no lugar que já conhecemos, na famosa “zona de conforto”. É menos arriscado? Talvez. Mas restaremos atrás da porta, ignorando um horizonte repleto de novidades que está ali adiante. 

É o desafio entre ter vivências ou ter certezas…

Gosto de acreditar que sempre temos os nossos recomeços, que sempre temos a oportunidade de encerrar um ciclo e começar uma nova etapa. É assim na natureza, é assim em nós: ciclos, estações, fases da vida… o nome pouco importa.

Gosto de pensar na fé como a sabedoria que nos permite reconhecer a impermanência das coisas, boas ou ruins.  

Gosto de pensar na esperança como aquela força propulsora que nos encoraja a construir novos caminhos.

Gosto de pensar num novo ano com recomeços, com fé e esperança.

E eu desejo isso a você!

Que o passado e o futuro estejam diante dos seus olhos, assim como era para Janus, e que suas decisões permitam que você faça boas colheitas.

Por fim, busco na dualidade de Caetano Veloso o que espero para o ano novo: tudo de novo!  Inspirada por sua música, desejo que você tenha coragem para abrir as portas que estão à sua frente. Peça licença, mas nunca deixe de entrar.

Simone Domingues é psicóloga especialista em neuropsicologia, tem pós-doutorado em neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das autoras do canal @dezporcentomais, no YouTube. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung. 

O que você faz para realizar seus sonhos?

Simone Domingues

@simonedominguespsicologa

Photo by Andrea Piacquadio on Pexels.com

“Oh, nem o tempo amigo

Nem a força bruta pode um sonho apagar”

Beto Guedes/Ronaldo Bastos

Qual é o seu maior sonho?

Não falo daquele sonho que a gente tem quando está dormindo: me refiro aos que temos quando estamos acordados.

Há quem sonhe em conhecer um lugar, em comprar um carro ou frequentar um restaurante. Há quem deseje um mundo sem guerra, livre de desigualdades e com um futuro melhor para crianças e jovens.

Independentemente daquilo que almejamos, a nossa busca está em realizar aquilo que acreditamos que nos trará felicidade ou bem-estar.

Desde a década de 1990, a psicologia positiva tem se dedicado a estudar os fundamentos da felicidade e do bem-estar, procurando identificar os fatores que contribuem para que as pessoas se sintam satisfeitas com a vida e como isso pode ser um fator de proteção à saúde mental. 

Martin Seligman, psicólogo e principal autor dessa teoria, propõe cinco elementos que compõem o bem-estar:

  • emoções positivas,
  • engajamento,
  • relacionamentos,
  • significado
  • realização.

As emoções positivas são os pensamentos e as ações que promovem a sensação de alegria e prazer, sendo propulsoras para que possamos sonhar, planejar e realizar aquilo que desejamos. 

O engajamento compreende um estado de atenção plenamente focada, quando ficamos completamente absorvidos por aquilo que realizamos. O trabalho é capaz de nos gerar esse estado, mas estar diante da pessoa por quem estamos apaixonados… Ah! Isso dispensa maiores explicações. Parece até que o tempo para!

Os relacionamentos compreendem as conexões estabelecidas com outras pessoas, e quanto mais positivas, mais positivos serão os pensamentos e emoções gerados.

Significado se refere a ter um propósito, a agir de acordo com aquilo que é valioso para nós. De ser quem desejamos nos tornar — e não estariam aqui os nossos sonhos?

Em 2020, uma pesquisa realizada pelo Instituto IKATU com 2.265 jovens brasileiros, com idades entre 12 e 24 anos, identificou que a felicidade percebida estava diretamente relacionada a um propósito de vida. 

Quanto mais conhecermos sobre nós mesmos, sobre os nossos valores e crenças (aquilo que nos é importante, não apenas no sentido moral ou religioso), mais efetivas serão as nossas ações para atingirmos os nossos objetivos, sejam eles momentâneos ou relacionados aos nossos propósitos.

E ter esperança conta?

Para Charles Snyder, psicólogo americano e um dos maiores estudiosos sobre o tema, a esperança é uma avaliação realista sobre os desejos e os meios para alcançá-la. Portanto, não é uma espera, mas uma análise dos caminhos a serem percorridos.

Para Snyder, a esperança e o otimismo são distintos. O otimismo está relacionado a expectativas positivas de êxito e realização no futuro, mesmo diante de dificuldades ou fracassos. A esperança, por sua vez, compreende expectativas positivas relacionadas à capacidade de alcançar metas ou objetivos. Desse modo, o otimismo está mais relacionado aos pensamentos sobre os desfechos, e a esperança, mais vinculada com as possíveis ações para que esse resultado seja atingido.

Otimistas ou esperançosos, o que desejamos é que os nossos sonhos se realizem e nos tragam felicidade.

Pare por um instante e reflita na pergunta inicial: qual é o seu maior sonho? Acrescento: o que você tem feito para realizá-lo?

O ditado popular alerta que sonhar não custa nada. Então aproveite. Nem precisa ser um sonho só, afinal, como canta Beto Guedes: “quem sonhou só vale se já sonhou demais”.

Assista ao programa Dez Por Cento Mais, todas às quartas-feiras, 20h, no YouTube

Simone Domingues é psicóloga especialista em neuropsicologia, tem pós-doutorado em neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das autoras do canal @dezporcentomais, no YouTube. Escreveu este artigo a convite, no Blog do Mílton Jung. 

O dia de amanhã

Foto de Leonid Sobolev no Pexels

“Eis a minha doença: não me restam lembranças, 

tenho apenas sonhos. 

Sou um esquecedor de sentimentos”

Mia Couto

Se amanhã não é apenas mais um dia – seja porque é o primeiro do ano seja porque não deveria existir um dia qualquer – que dia será o amanhã? Fiz-me a pergunta ao ler o texto da psicóloga Simone Domingues, publicado neste blog. Dela recebi a amizade e o conhecimento na parceria que se iniciou no caos da pandemia. E desses veio o tema que me provocou a pensar, enquanto vejo o mar quebrar no arrecife. 

Assim como levarei comigo o que ganhei nesse ano que se encerra, levo meus segredos. Carrego minhas dores (muitas das quais ainda guardo em silêncio). Sobre os ombros estão as marcas das alças de uma mochila de emoções que dizem devemos esvaziar ao longo da jornada. Como se essas fossem objetos dos quais nos desfazemos porque desbotaram, saíram de moda, se tornaram obsoletos, sem funcionalidade. Não o são. Ao menos para mim, não! Sou um acumulador de emoções.

Em um desses livros deixados sobre a mesa da casa de veraneio de uma temporada para outra, encontro em destaque o texto do escritor moçambicano Mia Couto, que no romance “O mapeador de ausências”, diz ser um esquecedor de sentimentos. Queria um dia ter esse talento. Não o de escrever. O de esquecer!

Amanhã, no primeiro do ano, as marcas não desaparecerão. Estarão na minha lembrança, como estiveram ontem e como estarão depois de amanhã.

Terei vincos mais profundos na pele, que com o tempo perde o viço e o poder de suportar as perdas que acumulamos na vida. Cheguei a me convencer numa época qualquer de que com as cicatrizes o couro se fortaleceria, se tornaria resistente. Desconfio que me enganei. Não há botox, massagem linfática e cremes milagrosos das orientais suficientes para desfazer o que fizemos. Nosso passado está presente no enrugar da testa, no amarrotado das expressões ou no olhar que tentamos disfarçar quando flagrados pelas lentes das câmeras. 

Isso não significa que desisti de ser feliz. 

Recuso-me a falência da esperança – sentimento que sempre me acompanhou em vida e assim foi descrito pelo amigo Mário Sérgio Cortella, na orelha do livro “É proibido calar!”. E se na recusa me rebelo é porque ainda sou capaz de enxergar o que construí. Tenho consciência do meu saber. Dos meus méritos. Autoconheço-me (com o perdão da conjugação do imperativo afirmativo na inexistente primeira pessoa do singular) !

Tenho o privilégio de ter a companhia de alguém que me ama no dia a dia, a despeito do que sou e sinto. De ter ajudado a criar duas criaturas incríveis, que talvez sequer me merecessem como criador (com letra minúscula, claro). De ter amigos que me oferecem um carinho tão despretensioso quanto profundo. De ter você, caro e cada vez mais raro leitor deste blog – uma gente que sequer me conhece bem, mas deposita confiança no que faço e digo.

São eles, cada um deles, cada um de vocês, motivo e razão, para que no amanhã – seja qual for esse amanhã – , eu levante da cama e acorde como tenho acordado todos os dias que se passaram até aqui: com o peso da minha mochila de emoções, pecados e desejos, e com a vitalidade que o propósito de ser uma versão melhorada de mim mesmo me oferece – mesmo que suspeite da minha incapacidade de sê-lo.

Feliz Amanhã!

Setembro amarelo: a natureza nos possibilita a esperança que, ausente, ofusca a amplitude da vida

Por Simone Domingues

@simonedominguespsicologa

Foto: Priscila Gubiotti

Nas últimas semanas, ao andar pelas ruas de São Paulo, nossos olhares eram capturados para a beleza das flores amarelas dos ipês, que se destacavam em meio ao cinza da cidade. Uma rápida associação de cores me conduziu ao Setembro Amarelo, uma campanha criada, em 2014, pela Associação Brasileira de Psiquiatria e pelo Conselho Federal de Medicina, com o objetivo de conscientizar a população sobre os fatores de risco para o suicídio e alertar sobre a importância do tratamento adequado para os transtornos mentais, como estratégias de prevenção.


Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), anualmente, cerca de 1 milhão de pessoas perdem a vida em decorrência do suicídio. No Brasil, os números apontam para 30 mortes diárias, sendo que para cada uma, aproximadamente outras 6 pessoas serão afetadas pelas consequências econômicas, sociais e emocionais provocadas por essa perda.


Os transtornos mentais, como a depressão ou transtorno afetivo bipolar, representam cerca de 96% dos casos de morte por suicídio, reforçando a tese de que o diagnóstico e o tratamento adequado são fundamentais como medidas preventivas eficazes.


Infelizmente, alguns estigmas ainda persistem quando o assunto é saúde mental, dificultando a identificação dos fatores de risco e perpetuando ideias distorcidas sobre essa condição.

É preciso falar sobre saúde mental.


É preciso levar informação capaz de promover a identificação dos transtornos mentais, tornar os tratamentos conhecidos, criar apoio emocional e possibilitar a esperança, a mesma que em sua ausência ofusca a percepção da realidade, tornando-a estreita diante da amplitude da vida.


As causas para o suicídio são multifatoriais, e alguns fatores podem agravar os riscos, como uso do álcool e drogas, que aumentam a impulsividade e a agressividade, a falta de amigos e pessoas mais próximas, e o acesso a meios letais, como armas de fogo.


Por outro lado, algumas atitudes podem ajudar as pessoas a superarem as ideias suicidas, como uma conversa sem rodeios sobre suas intenções e uma sinalização genuína de interesse pelo que ela está passando. Há a necessidade, nesses casos, de procurar ajuda psicológica ou psiquiátrica e, em situações mais urgentes, conduzir a pessoa a um Pronto Atendimento ou chamar o SAMU (192).


A intenção sobre suicídio não deve ser mantida em segredo, em hipótese alguma, devendo-se buscar ajuda profissional especializada. Muitas vezes, essas ideias aparecem em forma de frases, que soam como brincadeiras de mau gosto ou mesmo em atos mais impulsivos e inconsequentes, como atravessar uma rua sem olhar e contar com a sorte.


Por vezes, viver se torna doloroso e até mesmo muito difícil, mas a natureza, com a sua magia, nos ensina que é possível superar as adversidades: mesmo em tempos áridos e secos, o ipê precisa perder todas as suas folhas; sobram seus galhos; e isso é necessário para abrir espaço para o que vem a seguir. E, assim, ele surge, exuberante com suas flores amarelas, possibilitando que a vida se renove.


O suicídio não é um ato individual. É coletivo! Porque atinge a toda sociedade, quer sejam pais, filhos ou amigos.


Sejamos envolvidos na luta pela vida, de modo que nossas ações contribuam para que outras pessoas possam florescer.

Setembro amarelo de 2021: é preciso agir! O suicídio pode ser evitado.

Saiba mais sobre saúde mental e comportamento assistindo ao canal 10porcentomais

Simone Domingues é Psicóloga especialista em Neuropsicologia, tem Pós-Doutorado em Neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das autoras do canal @dezporcentomais no Youtube. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung

Nossos heróis de cada dia

Por Simone Domingues

@simonedominguespsicologa

A minha primeira ida ao cinema aconteceu no final da década de 70, para assistir a Superman: o filme, com Christopher Reeve no papel de Clark Kent, retrata um repórter que, ao deparar com uma situação que coloca em risco a vida de sua colega de trabalho, Lois Lane ( Margot Kidder), revela seus super poderes. Ao longo do enredo, torna-se responsável por desviar um ataque de míssil, minimizar os efeitos de uma explosão nuclear e, ainda, alterar a passagem do tempo para salvar sua amada.

Nos dias que se seguiram, era muito comum que eu e meus irmãos colocássemos toalhas de banho amarradas no pescoço, nossas capas, para exibirmos nossos superpoderes, que incluíam pular de um sofá para o outro.

Na atualidade, outros heróis fazem mais sucessos, especialmente aqueles criados pela Marvel, mas os ideais continuam os mesmos: combater os inimigos e criminosos, numa luta incansável para que o bem vença o mal.

Apesar de parecer uma criação da nossa sociedade moderna, heróis com superpoderes são descritos em diferentes culturas e desde tempos remotos, como aqueles retratados em histórias mitológicas da Grécia Antiga.

Na mitologia grega, os heróis eram personagens que estavam numa posição intermediária entre os homens e os deuses. Possuíam poderes especiais, superiores aos dos humanos, como inteligência e força, que os tornavam capazes de vencer inimigos ou atuar em missões impossíveis; por outro lado, como não eram deuses, apresentavam algumas fragilidades psicológicas ou corporais, semelhantes aos seres humanos.

Hércules, por exemplo, era conhecido por sua força física. Foi capaz de vencer doze tarefas difíceis que lhe foram propostas, mostrando-se poderoso contra seus inimigos. Matou diversos monstros, ganhou todas as categorias dos jogos olímpicos e venceu a própria morte.

Seja através da mitologia grega ou dos personagens da Marvel, as aventuras e fantasias criadas pelas ações dos super-heróis, de certo modo, resgatam um ideal coletivo: a esperança de que a justiça prevaleça e que o bem se perpetue.

Especialmente em momentos nos quais sobram desafios a serem superados, e na ausência de medidas eficazes que possam resgatar direitos básicos, como segurança, comida e vacina, o faz de conta parece invadir nossa imaginação.

Aguardamos pelo momento no qual um grande feito seja realizado e atinja a todos de maneira equitativa. Aguardamos pelo momento no qual atrocidades e injustiças não aconteçam mais.

Possivelmente, essa expectativa se desenvolve como um modo de proteção diante de noticias e realidades tão difíceis de serem assimiladas. Buscamos na fantasia um universo paralelo, capaz de resgatar a esperança,  apesar das durezas da vida.

 Talvez a nossa imaginação ou ideias prévias nos permitam pensar nos heróis como aqueles que são capazes de vencer monstros e ataques, exterminam inimigos e realizam feitos impossíveis a nós, seres humanos.

No entanto, provavelmente, um olhar mais cuidadoso nos revele a existência de pessoas que, apesar de não terem poderes especiais, realizam diariamente ações que modificam a vida alheia. Não apresentam forças sobrenaturais ou coragem extrema, mas agem na vida cotidiana atendendo aos interesses coletivos.

Imagino que você, assim como eu, consiga se recordar de algumas dessas pessoas, frequentemente anônimas, que nos ensinam que o verdadeiro heroísmo não é um dom ou algo além dos limites humanos. Pelo contrário. São pessoas comuns, talvez raras, mas comuns; nas quais poderíamos nos inspirar e descobrir que não são as capas ou os símbolos que as diferenciam.  Não é coragem excessiva. É determinação em fazer o que deve ser feito.

Duelam bravamente todos os dias e, muitas vezes, enfrentam lutas internas que quase as fazem fraquejar, porém, se levantam, não se intimidam com os obstáculos.

E, semelhantes ao heróis dos quadrinhos ou do cinema, passam por nós disfarçados de médicos, bombeiros, professores, vizinhos, amigos, desconhecidos. Heróis de uma vida real que reasseguram a esperança de que os vilões ainda serão derrotados e que poderemos viver seguros e felizes nesse nosso planeta.

Saiba mais sobre saúde mental e comportamento no canal 10porcentomais

Simone Domingues é Psicóloga especialista em Neuropsicologia, tem Pós-Doutorado em Neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das autoras do perfil @dezporcentomais no Youtube. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung

A situação do jovem brasileiro na pandemia: sem ensino e sem emprego, tem esperança?

Foto de Tim Gouw no Pexels

A vida não está fácil para ninguém —- eu sei, começar um texto com essa frase que já virou lugar-comum não é muito inspirador para você seguir com a leitura. Porém, o fato é que a frase está cada vez mais comum desde que a pandemia se iniciou. E de tão comum, ganhou expressividade. Parece contraditório, mas faz sentido. Especialmente se você for um jovem que por jovem que é teve de enfrentar o que enfrentamos desde o ano passado sem a experiência da dor que forjou a personalidade e a alma dos adultos.

É da juventude que quero falar nesse bate-papo com você, caro e cada vez mais raro leitor deste blog. Porque para eles, os jovens, as coisas estão bem difíceis. Podes crer (acho que nenhum jovem usa mais essa expressão, né ?!?).

Imagine a situação do cara ou da cara. No pico de sua energia e com hormônios em alta rotação, foram todos convocados a se trancarem em casa, se afastarem dos parceiros, segurarem o tesão pela vida e abrir mão de parte dos direitos que conquistaram. 

Enquanto alguns perderam o direito às relações, outros tiveram roubados o direito a educação. 

Cezar Miola, conselheiro do Tribunal de Costas do Estado do RS, informa em texto escrito na Gazeta do Sul, que 91,9% das mais de 3,6 mil redes municipais tiveram de completar o calendário escolar de 2020 com atividades não presenciais:

“Dados do IBGE indicam que 1,4 milhão de crianças e adolescentes não frequentaram a escola em 2020, sendo que outros 4,1 milhões, embora vinculados a algum estabelecimento, não tiveram acesso a atividades educacionais (para se ter uma dimensão do que representam esses números: todo o Estado do RS possui 2,2 milhões de alunos na educação básica)”

Perderam relações, perderam qualidade de ensino e perderam, também, o direito ao trabalho —- como mostram números divulgados nos últimos dias por diferentes instituições. 

Ainda nessa quarta-feira, em gravação do programa Mundo Corporativo, Helen Andrade, head de Diversidade e Inclusão da Nestlé, lembrou que para a turma dos 18 aos 24 anos, a taxa de desemprego no Brasil está na casa dos 30%, segundo cálculo do IBGE. Tema que preocupa a empresa que ela representa — hoje, o maior grupo de alimentação do mundo. Para tentar conter esse drama, a Nestlé tem  desenvolvido programas para incluir esses jovens no mercado de trabalho. Apostam na ideia de que com a juventude e a criação de projetos para manutenção e atualização de profissionais com mais de 50 anos, conseguem criar um ambiente colaborativo e criativo, unindo vivacidade e vivência. A experiência, porém, é exceção no mercado de trabalho brasileiro.

Sem emprego e sem escola, esse jovem é também um sem esperança. E como é triste para nós, que somos pais, assistir ao desalento da juventude. Porque são rapazes e moças que tinham nos programas de estágio ou de aprendizagem, além da formação profissional e da permanência na escola, a possibilidade de complementarem a renda familiar. Considere que o salário médio em São Paulo é de mais ou menos R$ 650,00 — ou seja, se estiver no mercado de trabalho, essa turma leva  para casa mais dinheiro do que o auxílio-emergencial, já não fossem suficientes a formação técnica, a absorção de conhecimento, o desenvolvimento da personalidade e autoestima adquirida.

É triste. É doloroso. É um perigo porque jovens sem esperança não esperam o futuro, tentam soluções imediatas nem sempre as melhores e mais saudáveis. 

Como de desespero já estamos cheios, trago algumas informações que talvez nos ajudem a respirar um pouco mais —- ainda que atrás de uma necessária máscara de proteção.  Dois estudos divulgados nos últimos dias sinalizam que talvez o mercado de trabalho comece a acenar novamente para os mais jovens, mesmo diante de muitas das restrições que ainda vivemos pela incompetência na gestão da crise sanitária que encaramos desde março do ano passado. 

Um levantamento feito pelo CIEE – Centro de Integração Empresa-Escola, que reuniu informações do seu banco de dados, identificou que o número de vagas abertas para jovens cresceu 28,9% no 1º trimestre de 2021 se comparado aos últimos três meses de 2020. No Estado de São Paulo este aumento chegou a 38,9%.

Se olhar para os dados do CAGED, tivemos o melhor primeiro trimestre de toda a série histórica agora em 2021, com recorde de abertura de vagas para aprendizes de 14 a 24 anos. Na análise feita pelos técnicos da Kairós  Desenvolvimento Social, houve um saldo positivo, entre contratados e demitidos de 43.570 postos de trabalho.

Antes de comemorar, lembre-se: disse que talvez possamos respirar, mas ainda sem tirar a máscara. Temos de colocar os números nos seus devidos lugares,  

Tanto o CIEE como a Kairós comparam o primeiro trimestre deste ano com o último trimestre do ano passado —- o ano em que a tragédia sanitária assolapou nossas expectativas e enterrou nossos sonhos. E, principalmente, do sonho de muitos jovens aprendizes que fazem parte de grupos mais vulneráveis. 

Infelizmente, se queremos ter um olhar mais preciso sobre o que acontece na nossa vida, de acordo com números e estatísticas, é preciso pegar o retrato de agora e comparar com a fotografia tirada no mesmo período do ano passado. Ou seja, primeiro trimestre de 2021 com o primeiro trimestre de 2020 —- quando os efeitos da pandemia ainda não tinham sido plenamente absorvidos pela economia.

Segundo o CIEE, nessa perspectiva, a oferta de oportunidades de estágio e aprendizagem despencou 28,7%, no Brasil. Olhando aqui para a região em que vivo, o tombo foi ainda maior na capital paulista, 29,3%. No Estado de São Paulo 27,2%.

A Kairós traz outro cálculo que demonstra o quanto ainda precisaremos reagir para nos recuperarmos do legado de 2020. Lembra do saldo de 43.570 vagas abertas que falamos antes? Está distante ainda das 72.885 vagas de aprendiz que foram fechadas desde abril do ano passado, quando começaram os efeitos da pandemia. 

Elvis Cesar Bonassa, diretor da Kairós, lamenta que “não houve nenhuma medida do governo para proteger esse grupo (de jovens), nem responsabilidade social das empresas para manter as vagas”.

Já Marcelo Gallo, superintendente Nacional de Operações do CIEE, prefere destacar a perspectiva de que haverá um crescimento gradual do número de vagas ao longo do ano — o que pode ser um alento para quem já viu o mês de maio se iniciar e até agora não encontrou o seu espaço no mercado de trabalho. 

Entre número e estatísticas, diagnóstico e prognósticos, nós, pais, temos a responsabilidade, assumida diante da sociedade quando aceitamos a ideia da paternidade, de mostrarmos a todos esses jovens —- em especial aos nossos jovens filhos, que ainda estão sob nosso campo de observação — que  toda e qualquer saída para esse cenário está pautada na ideia de oferecemos a eles um ambiente eticamente saudável. Porque nos cabe, independentemente da dimensão das crises que enfrentamos —- humanitária, sanitária e econômica — a missão de oferecermos aos nossos filhos a educação —- e não apenas o ensino — que permita que eles façam as melhores escolhas diante dos problemas que têm de administrar o tempo todo no relacionamento com os amigos e com a família, no emprego ou na falta dele, na escola ou na vida.