A praça e a evolução da espécie

 

Por Carlos Magno Gibrail 

Vinícius de Morais não deve andar nada satisfeito com o que estão fazendo na sua praça. Ronie Von também, pois  de alguma maneira sempre cantou e louvou genericamente a permanência: “o mesmo banco, a mesma praça”…

Nem mesmo Toquinho, pois especificamente a reinaugurou há sete anos, após agressiva ação promocional de recuperação feita pelo então BankBoston, investindo aproximadamente meio milhão de reais em valores da época.

A verdade é que estamos presenciando mais uma vez a repetição do agressor solto e o agredido preso. Ou, o raptado beneficiando o raptor.

Para defender os usuários da Praça Vinícius de Morais, situada em invejável paisagem no bairro do Morumbi, de frente ao jardim do Palácio dos Bandeirantes, a subprefeitura do Butantã está reformando o piso da Avenida Giovanni Gronchi mudando sua inclinação para permitir uma velocidade hoje ultrapassada pelos autos. Além disso, está também colocando “guardrail” de pista de corrida, objetivando proteger os pedestres que utilizam a praça, do perigo dos veículos que ali trafegam.

É o crescente princípio dos pedestres sem calçadas em favor dos automóveis, dos muros altos cobrindo as fachadas de casas e prédios, de isolados condomínios exclusivos, de ruas sendo fechadas impedindo  seus moradores do contato externo e mesmo interno, eliminando de vez a figura do vizinho.

Em suma, os carros livres, os bandidos soltos e os civilizados cidadãos presos em suas casas e praças.

Não podemos deixar de reagir nesta fase da síndrome de Estocolmo, quando cidadãos esclarecidos defendem o benefício dos agressores, pois a fase seguinte é um Darwinismo surpreendente. Os seres mais resistentes, entenda-se mais acomodados, se habituam às condições desfavoráveis, e surgem os novos seres. Adaptados às adversas condições de sobrevivência, submissos ao novo ambiente dominado pelos automóveis e poluição ambiental crescente.

Carlos Magno Gibrail é doutor em marketing de moda e escreve no Blog do Mílton Jung às quartas-feiras.

São Paulo sofre a Síndrome de Estocolmo

 

Por Carlos Magno Gibrail

Capa Folha SP

De “Uma terra mui sadia, fresca e de boas águas”, segundo os jesuítas, ao lema ufanista “São Paulo não pode parar”, da locomotiva que despontava antevendo a formação de uma das maiores metrópoles do mundo na década de 50, à atual acomodação da cidade, é um processo desconcertante e incoerente. Com a história e seus protagonistas.

O paulistano gasta 41 dias por ano dentro do engarrafamento de trânsito. É o resultado da pesquisa do IBOPE feita para o Movimento Nossa São Paulo. São 2h43min diários dentro de algum veículo.

Até aí nada de novo. A questão é que o homem que vive hoje em São Paulo, é mais acomodado com a situação caótica urbana do que os de Belo Horizonte, Rio e Porto Alegre. Pesquisa realizada pela fundação Dom Cabral do Núcleo de Estudo em Infra-estrutura e logística, constata que 61% dos paulistanos estão acomodados e conformados com a atual situação dos congestionamentos na cidade.

As soluções pouco lhe interessam. Um em cada dez usa transporte coletivo, cinco para um que dá carona, a quase totalidade abomina ferozmente a possibilidade do pedágio urbano e cinco para três que estão ficando em casa por causa dos congestionamentos.

É a síndrome de Estocolmo adaptada ao trânsito. O raptado passa para o lado do raptor. Pelo menos no sentido do encarceramento, do cerceamento da liberdade.

Dentro dos carros 30% escutam notícias, 27% ouvem músicas, 16% estudam, 11% trabalham e 10% olham o trânsito. Alguns até se formam.

Desconfio até que foi daí que a Marta Suplicy deve ter cunhado a famosa observação que aconselhou a “relaxar e gozar”. Se for para sublimar, que pelo menos haja satisfação sexual, mesmo que virtual.

E foi o que alguns dos pesquisados informaram, além do prazer estranho, mas explicável do isolamento social. O que para alguns psicólogos indica ruptura no tecido social.

A jornalista Samantha Lima na Folha de domingo, analisando a Pesquisa ressalta uma das falas de Paulo Resende, um dos autores: “Ouvi pessoas que se diziam satisfeitas ao constatarem que tinham no carro um tempo livre para fazerem outras coisas, enquanto estavam retidas. Elas não percebem”.
Civilidade falta de cidadania, alienação política, ignorância, miopia, egoísmo?

Essa situação só não é mais preocupante quanto ainda tivermos a natureza enviando 45 dias ininterruptos de chuva. Fato que de alguma maneira poderá contribuir, embora tardiamente, para estimular a reação dos cidadãos paulistanos contemporâneos. Tal qual a situação que a revista Veja bem lembrou, que alguns historiadores sustentam que não fosse um rigoroso inverno na França de 1789 e Maria Antonieta não teria sido decapitada.

A guilhotina contemporânea é o direito adquirido através dela inclusive. É o voto. Sem a síndrome de Estocolmo.

Carlos Magno Gibrail é doutor em marketing de moda e pelo que escreve às quartas no Blog do Mílton Jung não está nada acomodado

Ônibus a etanol, o Brasil não faz a lição de casa

 

Na Região Metropolitana de São Paulo apenas dois ônibus a etanol rodam em caráter de teste, enquanto na Europa os passageiros já são transportados há muitos anos com álcool produzido no Brasil.

CORREDOR ABD

Adamo Bazani

Ninguém tem dúvida: o Brasil é dos maiores produtores mundiais de álcool combustível, o etanol. Nem por isso as cidades brasileiras são beneficiadas pelo uso de ônibus com motores movidos a combustível mais limpo. A afirmação é de especialistas do projeto Best (BioEthanol for Sustainable Transport).

O Best é responsável pelos estudos de operação de ônibus a etanol em diversas regiões do mundo. É ideia da União Europeia e coordenado pela prefeitura de Estocolmo na Suécia. Aqui no Brasil, está a frente dos estudos Centro Natural de Referência em Biomassa – Cenbio.

O coordenador do projeto no Brasil, José Roberto Moreira, acompanha os testes de dois ônibus urbanos a etanol que rodam na Região Metropolitana de São Paulo, incluindo a capital. Um modelo opera desde 2007 no corredor Metropolitano ABD, que liga São Mateus, zona leste, a Jabaquara, zona sul, e passa pelas cidades de Santo André, Diadema, São Bernardo do Campo, com extensão para Mauá. É um Marcopolo Viale Scania. O outro ônibus é um Caio Millenium II Scania, que opera apenas na capital desde novembro de 2009.

Os veículos reduzem em até 80% o nível de poluição em relação aos ônibus a diesel. Para chegar a esta conclusão, foram colocados atrás dos ônibus a etanol dois ônibus “sombra” a diesel. Assim é possível fazer a comparação simultânea tendo as mesmas condições climáticas, que interferem na qualidade do ar.

Apesar de os testes indicarem menor poluição e bom comportamento dos ônibus em operação, José Roberto Moreira disse em diversas entrevistas que faltam incentivos do governo brasileiro para o desenvolvimento de mais pesquisas e, principalmente, para tornar mais barata a produção de veículos a etanol.

O “Ponto de Ônibus” entrou em contato com a Metra, empresa que opera o corredor ABD, e funcionários da empresa, desde engenheiros a motoristas, declaram que o comportamento do ônibus a etanol no corredor é muito bom: “não fica atrás dos veículos a diesel convencionais”. No corredor também operam trólebus, ônibus híbridos e um a hidrogênio, ainda em testes na garagem.

Uma verdade que não surpreende, por exemplo, Estocolmo, na Suécia, onde a Scania, empresa com sede mundial no país, apresentou recentemente a terceira geração de ônibus a álcool – 80% do produto, ironicamente, fabricados no Brasil.

Scania lança 3a geração na Suécia

Na opinião dos técnicos, o Brasil tem tecnologia para a produção destes ônibus, modernos centros de pesquisa e combustível em abundância. Mas enquanto aqui rodam apenas dois ônibus – em teste – na capital sueca são cerca de 600.

O etanol é mais caro que o diesel – basta conferir na bomba de combustível mais próxima da sua casa -, porém o ganho ambiental faz valer a pena o investimento maior. Sem contar que o diesel é consumido mais rapidamente nos motores, ou seja, rende menos quilômetros por litro.

Para os técnicos do Projeto Best que acompanham a situação dos transportes no país e o impacto que este tem no meio ambiente, o Brasil tem o material didático (etanol, veículos modernos e centros de pesquisa), mas não faz a lição de casa.

Adamo Bazani é repórter da CBN, busólogo, escreve às terças no Blog do Mílton Jung e preza seus pulmões.

Marta, das embaixadas à Embaixadora na Suécia

Coisas de Estocolmo*


A brasileira é “figurinha carimbada” nas páginas de jornais como o Expressen

Falar inglês não é segredo para os motoristas de táxis, em Estocolmo. Alguns aprenderam até o espanhol. Assim, as viagens são sempre acompanhadas de um longo bate-papo. A conversa não difere muito daquela que temos com nossos taxistas no Brasil: a meteorologia, o trânsito, a segurança e o futebol. Sim, eles adoram falar em futebol quando descobrem que o passageiro é brasileiro.

Não para lembrar do passado glorioso da seleção que conquistou o Mundial de 58. Nosso craque por aqui atende pelo nome de Marta. Todos a conhecem, sabem da sua história, perguntam se já conversei com ela e se mostram impressionados com o que a jogadora brasileira é capaz de fazer em campo. “Adoro vê-la fazendo embaixadinhas”, disse-me um dos taxistas.

Surpreendente esta reação para quem, em viagens ao exterior , sempre encontra fãs do futebol de Ronaldinho e Kaká, principalmente. Só não tive oportunidade de entrar em lojas de material esportivo para verificar se camisetas de futebol com o nome dela estão à venda. A imagem dela, sim, aparece nos portais de notícias e jornais esportivos com frequência.

Os suecos estão satisfeitos com a decisão de Marta que resolveu ficar no Uema, time da terra, em vez de atender ao chamado dos americanos.

O futebol feminino brasileiro é sucesso, a lamentar a distância com que este sucesso se concretiza.

*Nesta semana, aproveito para compartilhar com você algumas percepções da viagem a Estocolmo, feita a convite do Governo da Suécia

Bairro sustentável enfrenta preguiça do cidadão

Coisas de Estocolmo

Nestes dias, contarei aqui algumas das histórias ouvidas e aprendidas na viagem feita a convite do governo da Suécia, semana passada.


Hammarby consegue reduzir em 25% o consumo de água

Erik Freudenthal tem cabelos grisalhos e curtos (arriscaria dizer que usa máquina três, apesar de o especialista no assunto ser meu colega de rádio, o Barbeiro). A combinação com a camisa rosa desconcertada, calça jeans azul e sapatênis preto lhe dá um ar mais jovem do que os 60 anos que tem. A boa impressão deve ser efeito, também, do trabalho que realiza com entusiasmo e simpatia no centro de informações do bairro de Hammarby.

No área sul de Estocolmo, antes dos anos 90, havia indústrias que contaminaram o solo e uma região portuária em torno do lago que leva o nome que batizou o bairro. Foi lá que os organizadores da candidatura da cidade aos Jogos Olímpicos de 2004 imaginaram construir a vila que receberia atletas de todas as delegações. Queriam conquistar os olhos dos conselheiros do Comitê Olímpico Internacional e desenharam projeto que tinha como base o respeito ao meio ambiente.

A frustração pela disputa perdida para Atenas não levou a interrupção das idéias – ao contrário do que aconteceu em São Paulo quando derrotada pela concorrência interna do Rio de Janeiro. E o desenho se transformou em um conjunto de prédios cercado por água, muita área verde e tecnologia ambiental. Estrutura que integra cerca de 9 mil moradores acostumados a receberem a visita de estrangeiros curiosos, como eu e o grupo de jornalistas que estiveram por lá semana passada. Foram mais de 10 mil desde que inaugurada.

Recebidos por Erik, fomos levados até o topo do prédio da central de informações para vermos a plantação que cobre todos os telhados, e coleta a água da chuva para um encanamento que permitirá o abastecimento de cada um dos apartamentos. Água aquecida por sistema de coletor solar.

Lá de cima, pode-se ver os canais a céu aberto que tornam o solo mais permeável, aumentando a capacidade de reaproveitamento da água. Nosso anfitrião, que nos convida a experimentar o sabor de algumas das espécies plantadas no telhado (tarefa que preferi deixar para a turma menos cética), explica que a redução do impacto negativo ao meio ambiente iniciou-se na escolha do material para construção. Opção que aumentou de 2 a 4% o custo total da obra, valor recuperado com a economia no consumo de água e energia, por exemplo.


Telhado verde é solução para captar água da chuva

Antes de chegar a sala de conferência passei pelo banheiro – afinal, ninguém é de ferro. Um adesivo agradece pela energia que você ajuda a produzir em Hammarby. Em outro um recado de gosto duvidoso: “From toilet till omelet”. São para lembrar que os dejetos produzidos pelos moradores e visitantes vão ser transformados em biogás na estação que fica muito próximo dali.

Calcula-se que uma pessoa solteira é capaz de produzir dejetos e resíduos orgânicos suficientes para garantir as refeições preparadas no fogão durante o mês.

O material que gera biogás também é proveniente dos coletores espalhados para atender a população, em um sistema de avançada tecnologia, sobre o qual falaremos nos próximos dias.

Sorridente, Erik apresenta a maquete que se encontra no andar térreo do centro de informações: vocês estão aqui, comeram neste lugar, passaram por estas avenidas, as áreas verdes são estas outras. Indicações que interrompo para perguntar onde está o apartamento dele. Não está, ainda, responde rápido. Será na próxima área que começa a ser construída seguindo o mesmo padrão de todo o bairro. Por enquanto, ele mora a uma distância que lhe permite chegar de bicicleta, todos os dias.

Aliás, o deslocamento dentro do bairro em 75% das oportunidades é feito a pé, de bicicleta ou com transporte público. Opções que não substituem o uso do carro quando o trajeto vai pouco além das “fronteiras” de Hammarby. Segundo Erik, o uso do automóvel para ir ao trabalho foi reduzido em 10%, muito longe dos 50% imaginados no início do projeto. Para este dado que frustrou a minha expectativa, o futuro morador da área tem uma resposta que deve servir de motivo para reflexão de todos nós: preguiça.

Cidade sustentável: Um suspiro por São Paulo

De Estocolmo


Conheça o relatório completo clicando na imagem

Um largo sorriso, um suspiro longo, o olhar arregalado, e a voz de um jornalista de Saint-Petersburg ao fundo assoprando um “big cities, big problems” antecederam a resposta do representante do Ministério do Meio Ambiente da Suécia sobre como adaptar a idéia de cidade sustentável a uma megalópole como São Paulo. Ola Görasson acabara de explicar as ações desenvolvidas no país dele e as metas traçadas até 2010.

Mesmo conhecendo o tamanho do problema, o responsável pelo desenvolvimento urbano sustentável não se deu por vencido. Disse que não se pode tentar resolver estas dificuldades em toda a cidade, sem antes iniciar ações locais. É buscando soluções para os quarteirões e bairros próximos de onde você vive que se abrirá caminho para melhoria do ambiente e da qualidade de vida.

Os suecos, através do seu parlamento, o Riksdag, definiram 16 objetivos para se transformar em um país com qualidade ambiental, em 2002. Do meio ambiente livre de radiação a diversidade de plantas e vida animal, da limpeza do ar a proteção da camada de ozônio, cada uma das metas é avaliada anualmente por um conselho que integra pessoas ligadas as agências governamentais, aos dirigentes locais, as empresas privadas e as organizações não-governamentais. Eles verificam se os esforços que têm sido adotados estão dentro do prazo pré-estabelecido e, em seguida, divulgam este estudo com o intuito de tornar o processo transparente à sociedade.

Consciente de que o empenho para alcançar melhor qualidade ambiental na Suécia depende, também, da ação de outros paises, o conselho decidiu impor como foco principal, neste ano, a relação entre os objetivos suecos e os esforços internacionais para salvaguardar o meio ambiente.

De volta a São Paulo, próxima de mais um ano eleitoral, caberia a definição de suas prioridades para a próxima administração, determinando metas e datas a serem alcançadas, com avaliação freqüente da sociedade, e cobrança pontual dos itens em que os esforços administrativos não tenham atendido o desejo da sociedade.

Ou seja, o próximo prefeito saberia o que o paulistano imagina para a sua cidade e, durante a campanha eleitoral, apresentaria sugestões e medidas para alcançar estes objetivos, tendo de assumir o compromisso de que, se vencer o pleito, irá cumprir este programa. Ao eleitor caberia o papel de avaliar qual plano estaria mais próximo da realidade municipal em vez de apenas escolher o candidato por seus lindos olhos azuis – ou, simplesmente, pelo preconceito.

São Paulo deixaria de provocar expressões de espanto e quase desesperança quando, ingenuamente, um jornalista decidisse perguntar qual a solução para uma cidade com 11 milhões de moradores melhorar a qualidade do ambiente urbano.