Por Carlos Magno Gibrail

Saúde, educação e habitação, trinômio básico para o bem estar de qualquer população. A acrescentar apenas mais três necessidades urbanas contemporâneas: segurança, transporte e previdência social. Temas adequados ao momento nacional, véspera de eleições estaduais e federais.
As variações climáticas extremas ocorridas recentemente, tal qual no passado, quando antecederam e aceleraram rupturas, como a Revolução Francesa, ressaltaram o problema habitacional brasileiro com o alastramento das favelas, extensa e intensamente.
Em 1897, Prudente de Moraes decidiu exterminar Canudos e seu líder Antonio Conselheiro arrasando a “Cidadela” para mostrar ao mundo que o Brasil tinha reconquistado o território do “incompreensível e bárbaro inimigo” como descreveu Euclides da Cunha. A desinformação governamental existente ficou evidenciada na duração da batalha de junho a outubro daquele ano, travada contra a população instalada em morros, entre eles o Morro da Favela, batizado com o nome da planta que o cobria, favela.
De volta ao Rio, sem o soldo prometido, os combatentes se instalaram no Morro da Providência e levaram a alcunha de favela trazida de Canudos. Com a Lei Áurea de 1888, e as reformas urbanas de Pereira Passos em 1902, o Rio iniciou a era das favelas. Ex-combatentes, ex-escravos e ex-moradores do centro da cidade passaram a ser favelados.
De lá até cá, somos a 8ª economia do mundo, mas dos 200 milhões de brasileiros 50 milhões vivem em favelas. Do Rio a São Paulo, que viu no processo de industrialização e urbanização a partir de 1950 o início do problema das favelas, a questão é efetivamente considerada como algo negativo a ser resolvido, embora visto de diferentes ângulos. De origem e de tratamento.
Os que consideram os favelados migrantes se integrando ao meio urbano e criando lugar que possa lembrar o campo, sugerem que é preciso treiná-los e reurbanizar o espaço, fazendo com que gradativamente passem a se incorporar ao mercado de trabalho e à cidade.
Outros visualizam as favelas como local onde se obtém votos, e neste aspecto visitam-nas constantemente, fazendo promessas e interferindo na vida da comunidade, agindo com acentuada demagogia, colocando o interesse eleitoreiro em primeiro lugar.
Há quem veja as favelas apenas como território de marginais e defende a total destruição, tipo Canudos.
Alguns mais criativos e românticos se inspiraram e compuseram sucessos musicais. Dorival Caymmi: “Eu não tenho onde morar. É por isso que eu moro na areia. Eu nasci pequenininho como todo mundo nasceu. Todo mundo mora direito. Quem mora torto sou eu.” (ouça aqui)
Jota júnior e Oldemar Magalhães: “Favela amarela. Ironia da vida. Pintem a favela. Façam aquarela. Da miséria colorida.”
Adoniran Barbosa: “ …O dono mando derrubá.Peguemo tudo a nossas coisa.E fumo pro meio da rua…” (ouça aqui)
Os mais técnicos como o economista Sérgio Besserman, em recente entrevista a Veja, tendo em vista a tragédia carioca, sugere que em casos de risco de terrenos contaminados ou íngremes, inevitavelmente a remoção é a saída correta. Em casos como as grandes favelas, tipo a da Rocinha no Rio, onde há uma enorme população é prudente reurbanizar. Quando não há este empecilho defende categoricamente a remoção: “Em contradição com a opinião dominante, acho que há muitos casos em que a remoção se justifica. Encarando uma questão de fundo econômico que é central: as áreas favelizadas provocam uma acentuada degradação da paisagem da cidade, um ativo cujo valor é incalculável. Portanto quando uma análise de custo-benefício revelar que a realocação de uma favela trará retorno financeiro e social elevados, por que não cogitar sua remoção?”
Besserman ressalta, todavia a fundamental questão da autoridade do Estado e do ordenamento jurídico no âmbito das favelas: “É preciso fazer primeiro o básico do básico: o Estado deve recuperar o monopólio da força nos territórios hoje dominados pelos bandidos. As favelas são lugares em que milhões de pessoas vivem sob outras leis que não a do estado de direito democrático. Na prática elas não estão sob a órbita da Constituição Brasileira.”
Considerando que o Brasil estará sendo observado dentro em breve em função da Copa e das Olimpíadas, e ainda este ano em eleições, é imprescindível absorver a lição de Canudos. É preciso discernir no uso das armas adequadas. Os canhões para os bandidos, a técnica para a estratégia e honestidade acima de tudo para o país e para a nação.
Carlos Magno Gibrail é doutor em marketing de moda e escreve às quartas no Blog do Mílton Jung