Conte Sua História de SP: pequenos medos na grande cidade

 

No Conte Sua História de São Paulo, pequenas histórias de grandes lembranças dos nossos ouvintes-internautas:

 

 

A história de Rinaldo em São Paulo se iniciou em 1971, embarcando e desembarcando na rodoviária, ao lado da Estação da Luz. Ele conta que tinha muito medo, na época, não da cidade, mas da escada rolante. Aos 14 anos, começou sua vida profissional, no trigésimo-primeiro andar do Edifício Zarzur, no Vale do Anhangabau. E aí sim, lá do alto do Mirante do Vale, diante da vista maravilhosa da cidade, Rinaldo sentiu medo de enfrentar aquela selva. Os medos ficaram para trás, e, hoje, totalmente inserido, vê São Paulo, com sua imponência durante o dia e as luzes da noite, acolhendo e encantando a todos que chegam.

 

A segunda lembrança é de Maria Antonia Araújo. De Piracicaba, no interior, chegou há cerca de quatro anos e com ela trouxe o medo de dirigir na Capital. Com uma vizinha expôs a preocupação que sentia por ter de um dia guiar um automóvel pelas avenidas. “Não se preocupe – disse a conselheira – em São Paulo você vai andar tão devagar que não tem como ter problema”. Mesmo assim, Maria Antonia, ainda prefere o metrô.

 

Maria Antonia e Rinaldo são personagens do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte mais um capítulo da nossa cidade, mande seu texto para milton@cbn.com.br. Ou agende uma entrevista em aúdio e vídeo no Museu da Pessoa pelo e-mail contesuahistoria@museudapessoa.net. Ouça e leia outras histórias de São Paulo aqui no Blog do Mílton Jung.

De câncer social

 

Por Maria Lucia Solla

 

 

No meu tempo de criança a gente não dizia a palavra câncer. Tinha uma amiga dos meus pais, muito frágil, que visivelmente sofria e definhava mesmo aos olhos de uma criança, mas eu ouvia dizer que ela tinha ‘aquilo’ ou ‘aquela doença’. Fui ouvir o nome da doença pronunciada com todas as letras, muito tempo depois. E fui ligar os pontos, ainda mais tarde. Para se referir a ela, levavam uma das mãos à boca e baixavam o tom da voz. Ainda era comum franzir a testa, inclinar a cabeça para um lado, erguer o ombro correspondente e olhar com cumplicidade mórbida, dando uma fungada profunda, longa e ritmada em sinal de lamento.

 

O que se passava no íntimo dessas pessoas, e o significado de tantos gestos simbólicos, se traduz numa palavra: preconceito. E é o mesmo preconceito que nos acompanha em tudo, desde sempre e ainda hoje. Inconformismo frente às curvas da vida, preconceito, medo, birra infantil fora de época, sofrimento frente ao novo, desconfiança do desconhecido, medo, preconceito. E mesmo querendo evoluir, andamos na direção oposta fortalecendo o medo, que é solo fértil para o caos estéril.

 

Branco tem preconceito de negro, negro tem preconceito de branco, e os cínicos têm preconceito da palavra negro e da palavra branco. Nos Estados Unidos, durante o julgamento de um branco que matou um negro – George Zimmerman X Trayvon Martin – só o que se ouvia, para se referir a ‘negro’, era ‘the N-word’, ou seja: a palavra que começa com ‘n’. Uma apresentadora de tevê acabou profissionalmente destroçada por ter usado a palavra ‘negro’, no ar. Ela explicou que cresceu usando e ouvindo as palavras negro, branco e índio – quando as palavras e nós éramos mais livres – durante toda sua vida, e que às vezes deslizava. Eu também deslizo.

 

pobre tem preconceito de rico
inculto de culto
medo

 

vice
versa
medo

 

quem acorda cedo
de quem abre os olhos
tarde
medo

 

o agressivo
de quem
é suave
o que não sua
do que sua

 

e onde fica o
cada um na sua
?

 

Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.

 

Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung

Ainda sobre o Medo

 

Por Julio Tannus

 

Já falei aqui sobre o medo na pós-modernidade. Citei vários autores e não poderia deixar de citar nossos poetas.

 

Você diz que ama a chuva, mas você abre seu guarda-chuva quando chove.
Você diz que ama o sol, mas você procura um ponto de sombra quando o sol brilha.
Você diz que ama o vento, mas você fecha as janelas quando o vento sopra.
É por isso que eu tenho medo.
Você também diz que me ama.
William Shakespeare

 

As alegrias do amor são sempre proporcionais ao medo de as perdermos.
Stendhal

 

Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo – quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação.
Clarice Lispector

 

Que medo alegre, o de te esperar.
Clarice Lispector

 

Porque há para nós um problema sério, tão sério que nos leva às vezes a procurar meio afoitamente uma ‘solução’; a buscar uma regra de conduta, custe o que custar. Este problema é o do medo…
Antonio Candido

 

Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios vadeamos.
Refugiamo-nos no amor, este célebre sentimento, e o amor faltou: chovia, ventava, fazia frio em São Paulo.

Carlos Drummond de Andrade

 

Um homem tem sempre medo de uma mulher que o ame muito, porque tem medo de perdê-la.

 


Julio Tannus é consultor em Estudos e Pesquisa Aplicada e co-autor do livro “Teoria e Prática da Pesquisa Aplicada” (Editora Elsevier). Às terças-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung

O medo nos mata atrás das grades

 

Segurança por fora

 

A morte de um senhor de 76 anos, em incêndio na Vila Formosa, zona Leste de São Paulo, na sexta-feira passada, ganhou detalhes ainda mais dramáticos no depoimento de um vizinho que tentou salvar a vítima, ouvido pela reportagem da rádio CBN. O homem contou que ao chegar na casa que pegava fogo tentou, desesperadamente, arrancar as grades das janelas. O máximo que conseguiu foi pedir para que o idoso se deitasse no chão e esperasse a ajuda que não chegou. O senhor morreu ali mesmo, deitado, impedido de escapar pelo fogo que consumia a casa de um lado e pelas grades de proteção do outro. O medo da violência urbana nos leva a colocar grades nas janelas e portas na ilusão de que estaremos protegidos. O pavor de termos a casa invadida é tanto que nos cega para outros riscos como a de tornar intransponível as rotas de fuga em caso de emergência como a vivida pela família da pequena e sem saída rua Horácio de Matos.

 

Minha casa não tem grades, mas muros enormes e com portões que impedem a visão para a rua. Descobri que havia construído uma armadilha quando tive a residência invadida por um bando que agiu tranquilamente sem ser importunado por nenhum vizinho que, por ventura, tivesse passado na minha calçada. Ninguém seria capaz de desconfiar o que acontecia lá dentro. Um especialista em segurança me contou que pesquisa feita com presos, condenados por assalto à residência, revelou que eles se sentem protegidos quando entram em casas com muros grandes.

 

Semana passada, Ethevaldo Siqueira divulgou no Jornal da CBN estratégia sugerida pelo SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência para facilitar a busca de parentes de vítimas. Os técnicos pedem para que se coloque no celular o nome AAEmergência e o telefone para o qual gostaríamos que ligassem em caso de acidente. Imediatamente, recebi mensagens de pessoas entendendo que a medida seria um risco à segurança, pois em caso de sequestro relâmpago ou roubo do telefone, os bandidos saberiam para quem ligar. Outros disseram que a medida não teria sucesso pois os celulares têm códigos para impedir o acesso de terceiros.

 

Bloquear celulares, não registrar número de emergência, gradear as janelas e elevar ao máximo os muros de nossas casas são todos sintomas da mesma paranoia que nos leva a proibir os filhos de brincar na rua, deixar de sair à noite, esconder-se em condomínios fechados e dos vizinhos, aceitarmos vivermos em um BBB caseiro, com câmeras vistas pela internet, controlada à distância por estranhos, e GPS pessoal. Resultado do medo que nos cerca e da desconfiança que alimentamos do outro, que consome relações. Precisamos repensar alguns desses hábitos e avaliarmos se vale a pena seguirmos em frente restringindo cada vez mais nossas liberdades e morrendo, aos poucos, atrás de grades.

 

O Medo na Pós-Modernidade

 

Por Julio Tannus

 

Por que vivemos em condomínios fechados? De carros com vidros escurecidos? De carros blindados? Dentro de shopping centers? Com medo de perder o emprego? Temos medo da violência urbana, do terrorismo, da exclusão social, de ficarmos para trás. Sentimo-nos sós e desprotegidos. Vários pensadores tem se debruçado no assunto, buscando entender o porquê desse medo que nos assola cotidianamente.

 

A modernidade veio com a promessa de vida melhor, mais segura, e nós apostamos nela, que traria desenvolvimento da ciência, a vida seria pautada pela racionalidade humana que é o lugar de certeza, segurança. Teríamos uma vida organizada e civilizada, com a ciência e a tecnologia bem desenvolvidas, a tal ponto que finalmente viveríamos sem o medo contínuo. Mas as esperanças se frustraram e, hoje, alguns séculos depois, novamente vivemos uma era de temores. A vida que os teóricos do Iluminismo avistaram para os indivíduos da era da modernidade é bem diferente da que temos hoje.

 

Esperava-se que os medos pudessem ser contidos; no entanto, como o sociólogo polonês Zygmunt Bauman explica, no ambiente que vivemos hoje, a luta contra o medo é uma tarefa para toda a vida.

 

Como nos conta Carlos Henrique Aguiar Serra e Flávia Mendes Ferreira em seu texto “Medos e Pathos: o indivíduo na (pós)-modernidade”:

 

Uma possibilidade interpretativa que consideramos no nosso trabalho é a formulada por Fredric Jameson no texto “Pós-modernidade: a lógica cultural do capitalismo tardio”. Este autor parte da premissa de que na pós-modernidade há uma inexorável fragmentação do sujeito. Assim, o que se coloca, portanto, nos dias atuais, contexto de pós-modernidade, é uma crise identitária, mais, uma fragmentação da identidade.

 

Para Bauman, o Estado não pode mais cumprir sua promessa de proteção neste tempo de globalização e mercados extraterritoriais. Assim, o que mais amedronta são os perigos que podem vir de qualquer lugar e o número de perigos aumenta cada dia mais. Sabemos que as ameaças são muitas (das pessoas nas ruas, de alguma coisa acontecer ao nosso lar, de uma catástrofe natural, de perder o emprego, etc.), mas o que se tenta é administrar o medo, ou seja, tornar a vida com medo algo tolerável.

 

Os perigos são percebidos como administráveis, mas são também percebidos como companhias permanentes, pois nunca iremos nos sentir livres de todas e qualquer ameaça, em estado de paz completa, mas ao contrário, sempre haverá algo a nos atormentar, ou mesmo que não seja uma ameaça real, em nosso imaginário sempre há algo a nos ameaçar. A vida dos indivíduos da sociedade atual está longe de ser livre das ameaças, ao contrário se tornou uma longa luta contra os perigos genuínos ou supostos que nos traz medo, uma luta impossível de ser vencida.

 

Chamamos a atenção também para outro aspecto que sinaliza para um desencontro e distanciamento entre modernidade e pós-modernidade: a perda da historicidade na pós-modernidade. Entendemos que esta perda de historicidade se coaduna com a tese central de Jameson acerca da “fragmentação do sujeito”. Na pós-modernidade nada tem lugar definido e mais, que a “primeira vítima do período pós-moderno, sua ausência misteriosa, é a ‘história modernista’” (JAMESON, 1996).

 

Assim sendo, numa tentativa de conclusão, os indivíduos vivenciaram e vivenciam, ainda hoje, na modernidade e pós-modernidade, medos, crises e particularmente, no que se constitui como o principal sintoma presente tanto na modernidade como na pós-modernidade: o pathos.

 

Pathos é uma palavra grega que significa paixão, excesso, catástrofe, passagem, passividade, sofrimento e assujeitamento.

 

Berlinck afirma que quando o pathos acontece, “algo da ordem do excesso, da desmesura se põe em marcha sem que o eu possa se assenhorear desse acontecimento, a não ser como paciente, como ator“ (BERLINCK, 2OO0).

 

Por fim, identificamos que os medos, e o pathos humano, assumem no atual estágio do capitalismo tardio, na pós-modernidade, uma dimensão considerável. Na verdade, se potencializaram e muito, e uma das possibilidades de superá-los é enfrentá-los, administrá-los e quem sabe, que os indivíduos sejam capazes de produzir fantasias catárticas, libertárias e prazerosas.

 

Julio Tannus é consultor em estudos e pesquisa aplicada e escreve, às terças-feiras, no Blog do Mílton Jung

De beijo redentor

 

Por Maria Lucia Solla

De beijo redentor

Ouça “De beijo redentor” na voz e sonorizado pela autora

Como é que a gente faz para não ser babaca, não ir atrás do lero-lero, acreditando no diz-que-diz, fofocando em ritmo de bolero, perdendo tempo de ser feliz?

Quero saber quem foi que começou tudo isso que é feio, triste, sujo, que esconde o bom e alardeia o ruim, do qual eu fujo.

quero saber porque acreditamos
que ser feliz é pecado
que quem ri é palhaço
quem tem dinheiro é que é ricaço
e eu no meio disso tudo
o que é que eu faço

Peço aos deuses de todos os credos que assoprem no meu ouvido, que me façam acreditar de novo naquilo de que hoje duvido; que levem de mim o condicionamento de acreditar em tudo que é racionamento, em vez de acreditar no poder do riso, que é exatamente do que preciso.

vade retro medo
inimigo maior que bandido
que me boicota, que de mim faz chacota
que me transforma num bicho
acuado encolhido

Me coloco à mercê de um anjo para que me use, faça de mim o que for preciso para que possamos todos receber o beijo redentor que cure a nossa dor e reacenda em nós a chama da esperança e do amor. Para que minha mente e meu coração finalmente se aliem, e que a força então gerada possa de mim redimir o pecado, e eu daqui para frente possa assumir o samba e deixar para trás o choroso fado.

Deuses, se é que existem, e se existem, se é que me ouvem, e se disso tudo que eu peço algo ainda estiver sobrando, mandem pra mim um pouco.

não que eu mereça
mas antes que eu enlouqueça

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de comunicação e expressão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung

Dirigir em São Paulo dá medo

 

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Trânsito congestionado, motorista violento e ameça de assalto tem provocado o aumento no número de pessoas com medo de dirigir na cidade de São Paulo. Algumas dessitem de guiar, outras temem entrar em um carro até mesmo para andar de carona. Esta a constatação da psicóloga Cecilia Bellina que em suas clínicas tem atendido cerca de 900 pessoas que sofrem desta fobia, mais do que o dobro de pacientes que tinha há cinco anos.

A psicóloga chama atenção, também, para o fato de a preparação dos motoristas ser ineficiente para as condições enfrentadas nos grandes centros urbanos, devido ao ensinamento oferecido pelas auto-escolas.

Ouça a entrevista da psicóloga Cecilia Bellina, ao CBN SP

De aniversário


Por Maria Lucia Solla

Olá!

Quando era pequena, achava que a cada aniversário eu seria outra marialúcia, depois de partir o bolo e apagar a velinha. Sentia medo e curiosidade. Não queria ser diferente, mas queria ir em frente. Tinha medo de perder o chão, mas vivia nas nuvens; e ainda sou assim.

Com o passar dos anos, o medo foi diminuindo, e a curiosidade ganhou espaço e tomou o quanto pode. Quero mais. Quero muito mais. Hoje sei que todas as marialúcias, de todos os dias e de todos os anos, moram aqui mesmo. Dentro de mim. Tem vezes que entram num conflito danado, mas acabam fazendo as pazes e unem as forças, em prol de todas.

Em mim, mora a menina que busca mão forte, proteção e direção, e também mora a adolescente que abomina a idéia tanto de proteção quanto de direção. Aquela que clama por liberdade sem limite. O tempero quem dá é a mulher que mora em mim, a mulher que quer usar a liberdade conquistada para testar os próprios limites. Que anseia pela mão forte que também esteja em busca de proteção e que saiba negociar a direção a seguir. Essa mulher quer que a mão forte roce a sua, por pura traquinagem, antecipando o momento de se perderem em meio a todos os seus eus. De ontem, de hoje, de amanhã.

E você, conhece quem mora em você?

Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.

Ouça este texto na voz e sonorizado pela autora:

Maria Lucia Solla é terapeuta e professora de língua estrangeira; escreveu o livro “De Bem Com a Vida Mesmo que Doa”, publicado pela Libratrês; e recentemente comemorou o nascimento de mais uma marialúcia