Mundo Corporativo: Ricardo Neves diz que líderes tem de usar a comunicação para dar sentido aos negócios e exemplo às pessoas

Angela Merket foto: arquivo

“O líder é aquele que sabe conversar, o líder é aquele que sabe influenciar socialmente. A arte da liderança é a comunicação”

Ricardo Oliveira Neves, consultor

De Wilson Churchill a Angela Merkel. De Steve Jobs a Laurence Fink. Todos são líderes, cada um a seu jeito e ao seu tempo, que ajudam a entender o conceito que sustenta a nova ordem dentro das empresas: a da liderança por propósito ou a da criação de sentido e significado que possam ser valiosos para o indivíduo. Em entrevista ao programa Mundo Corporativo, Ricardo Oliveira Neves, consultor de estratégias, comunicação e marketing, falou de modelos de liderança essenciais para as empresas se adaptarem às transformações do século 21, em que vivemos uma complexidade exponencial. 

Autor do livro “Sensemaking: liderança por propósito”, Ricardo lembra que essa complexidade que gera incerteza e abala estruturas, não se resume a pandemia —- começa bem antes. Passa por uma série de outras mudanças que ocorrem há algum tempo como a do clima, as que têm colocado em xeque instituições democráticas e as que expressam ainda mais a  desigualdade social.

Ricardo diz que hoje existe uma caixa de ferramentas de comunicação que precisa ser aberta pelos líderes para que se afaste de vez o modelo de comando e controle, baseado na ‘Arte da Guerra’, que pautou as corporações por muitos anos:

“É preciso se libertar de uma mentalidade que é a do comando-controle, que ainda predomina nas grandes organizações, aquela do eu mando e você obedece. A diferença é que o líder agora passa a ser um facilitador de entendimento do que está acontecendo … tem de ajudar as pessoas a sair dessa zona de terror.”

Para ele a comunicação tem de ser baseada em quatro Cs: calma, coragem, conversa e colaboração. São elementos, por exemplo, que aparecem em Churchill que liderou os britânicos na Segunda Guerra Mundial. Que são encontrados no primeiro discurso dele à nação quando assumiu o cargo de primeiro-ministro, notabilizado pela frase: “eu só tenho a oferecer sangue, suor e lágrima”.  

De Merkel, primeira-ministra da Alemanha, onde Ricardo vive atualmente, o consultor destaca a condução que ela está tendo na crise provocada pelo coronavírus e lembra o discurso que fez às vésperas do Natal alertando às famílias para o risco de insistirem em se reunirem em confraternizações: teve coragem e clareza. A premier alemã também usa muito bem o que Ricardo chama de autocomunicação:

“Merkel é mestra disso. Lembra as pessoas de uma maneira sutil a usar máscara. Ela tem um ritual com a máscara, em público, que está sempre lembrando a todos desta necessidade”.

A autocomunicação também era praticada por Steve Jobs, de acordo com o consultor, o que explica o fato de a empresa ter, em lugar de clientes, fãs, porque se identificavam com o líder da Apple e seus produtos. Outro exemplo de comunicação eficiente e capaz de enfrentar a complexidade exponencial, segundo Ricardo, é a estratégia de Larry Flink, CEO da BlackRock, líder mundial em gestão de investimentos. Ele publica, todo ano, uma carta aberta aos clientes em que apresenta sua visão dos negócios de forma transparente. Flink é uma das principais vozes no mercado de capitais a defender o capitalismo consciente, mais preocupado com as questões sociais, ambientais e de governança.

“Propósito é uma coisa, sim, tangível que a liderança tem que aprender a falar, para quando ela vai conversar com seus pares e com a sociedade como um todo. Não existe mais a empresa que só por ter lucro tem licença para sobreviver”

Para Ricardo, o recado que todos precisam entender é que há necessidade de se encontrar propósitos individuais, e conscientes dessa mentalidade buscar nas empresas uma sintonia desses objetivos. O colaborador que acredita que ter segurança no emprego é vender a alma para o diabo vai se surpreender, porque em algum momento o diabo vai cobrar o preço que pediu na assinatura do contrato.

O Mundo Corporativo pode ser assistido, ao vivo, às quartas-feiras, 11 horas da manhã, no site da CBN e nas páginas da CBN no Facebook e no Youtube. Colaboram com o programa Juliana Prado, Bruno Teixeira, Rafael Furugen e Priscila Gubioti.

Conte Sua História de SP: fui a louca dos cursos

Jovanka de Genova

Ouvinte da CBN

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Resolvi fazer parte da população que aceita a ciência e aderi a quarentena. Foi fácil? Claro que não. Não tem romance nesse processo. Dias intermináveis, de luto — luto de uma vida que parece que nunca mais será igual. O jeito foi pensar em caminhos possíveis dentro de casa… construí minha carreira a partir de uma premissa: estudar é sempre a melhor opção e, nesse norte, fiz um direcionamento bem óbvio no meu caso: estudar seria minha boia salvadora nessa pandemia. E foi.

Sou profissional da área de comunicação empresarial e educação, meu mestrado, que encerrei em janeiro de 2020, tem como tema central: Afetividade na Educação a Distância. Muita gente duvida que isso seja possível. Criar relações? Construir vínculos? No digital? Eu também tinha dúvidas e preconceitos. 

Antes de seguir minha história: não vou dizer que foi um processos fácil e para todos, não. Infelizmente, foi para a minoria. A educação na pandemia ficou muito a desejar para a maior parte dos brasileiros.

No meu caso, foi a oportunidade de alinhar meu objeto de estudo com a prática, e entender como as emoções fazem diferença na educação, principalmente em 2020. Eu não escondo que fiquei mais carente; sozinha fisicamente; e abri meu coração para todo e qualquer tipo de apoio, mesmo digital.

Fui a louca dos cursos. Conclui ao menos cinco. O mais importa foi o da diversidade nas organizações — tema que junto à pandemia esteve no noticiário com casos de racismo, assédio sexual, moral e discriminação de gênero. Meu curso foi todo digital. Mais de 100 participantes. E criamos uma rede de apoio pelo WhatsApp que acolheu pessoas de todos o país que se sentem seguras para dividir angústias, desafios, tristezas, alegrias … todos os tipos de sentimentos e emoções. Nunca nos vimos, fomos unidos por uma causa, por uma postura responsável e o compromisso em tornar o ambiente corporativo em lugares melhores para receber diferentes raças, gêneros, orientação sexual e pessoas com deficiência. Praticamos a escuta e a troca, sem julgamentos e expectativas. Colocamos na prática a afetividade no mundo digital, com a criação de vínculos e o exercício do relacionamento saudável e construtivo.  

Também organizei o iEduque, um coletivo afetivo para a discussão, formação e acolhimento de profissionais de educação.Nasceu na pandemia com o propósito de colaborar com professores nesse período de exceção. Somos três profissionais que idealizamos um projeto todo através do digital. Experiência possíveis em uma cidade como São Paulo. Sei que falar de cidade, de um lugar físico, fica até meio sem sentido, mas, mesmo no digital, São Paulo une as pessoas e possibilita encontros incríveis e potentes.

E eu descobri que, sim, existe amor no mundo digital.

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Jovanka Mariana de Genova é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva o seu texto e envie para  contesuahitoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite agora o meu blog miltonjung.com.br e assine o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Bebida alcóolica não é terapia

Por Simone Domingues

@simonedominguespsicologa

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A pandemia de COVID-19 exigiu mudanças no padrão de hábitos e comportamentos apresentados em todas as esferas da vida cotidiana. Exemplos disso são as reuniões de trabalho que trocaram os escritórios pelas plataformas digitais; os shows que saíram das casas de espetáculo e foram para as redes sociais; e o consumo de bebidas alcoólicas, que aumentou significativamente e migrou dos espaços públicos para o ambiente doméstico.

Dados da indústria de bebidas alcoólicas indicam um aumento de 25,4% na venda de cervejas no terceiro trimestre de 2020. Esse aumento também foi identificado na comercialização de bebidas alcoólicas pela internet, cujos dados apontam um aumento de 195% nas vendas entre março e outubro de 2020 em relação ao mesmo período do ano anterior. 

Um estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) corrobora esses dados e indica que 18% dos participantes relataram um aumento no consumo de álcool durante a pandemia, relacionado especialmente às mudanças no estado de ânimo, como o aumento de sentimentos de tristeza. 

Apesar desse padrão observado mais recentemente, relatos apontam que o consumo de bebida alcoólica está presente desde tempos remotos, tanto em sociedades primitivas como industrializadas. 

As bebidas fermentadas se originaram na Índia, difundindo-se para o Oriente Médio, a Grécia e o Egito e, posteriormente, para a civilização mediterrânea, chegando ao Império Romano. Inicialmente a bebida limitava-se ao uso doméstico, porém, por exigências comerciais, passou a ser negociada em forma de troca. 

Derivada da cultura de arroz na Índia e da cevada no Egito, a cerveja foi a primeira bebida alcoólica produzida em grande escala

No Brasil, antes da colonização portuguesa, a bebida fermentada utilizada pelos indígenas era extraída da mandioca ou de suco de frutas, como caju ou milho, que eram mastigados, misturados, colocados para ferver em vasilhas cerâmicas e, em seguida, enterrados para fermentar por alguns dias. 

Com a colonização, foram instalados os engenhos de cana-de-açúcar no Nordeste, Rio de Janeiro e São Paulo, que serviam também para a produção de aguardente, possibilitando que os trabalhadores dos latifúndios se embriagassem. 

No cenário internacional, uma mudança significativa no consumo de bebidas alcoólicas ocorreu com a Revolução Industrial, uma vez que o aumento da produção reduziu os preços e aumentou a oferta, tornando-as mais acessíveis.

 Se por um lado o consumo de bebidas alcoólicas não é um fato novo, o aumento nesse consumo tem se tornado um dos maiores problemas de saúde pública da atualidade, com impactos econômicos e sociais, sendo responsável por 10 a 50% das admissões hospitalares, grande parcela de contribuição em acidentes automobilísticos, homicídios, agressão sexual, violência familiar, abuso infantil, problemas ocupacionais e educacionais.

Em baixas doses, o álcool pode promover relaxamento, porém, o uso durante a pandemia, como forma de reduzir a tensão e a tristeza, podem aumentar os sintomas de ansiedade e depressão, promovendo um círculo vicioso. Além disso, o uso frequente pode aumentar os riscos de desenvolvimento da dependência e de outros problemas de saúde, como o aumento da pressão arterial.

Outro fator que deve ser considerado em tempos de pandemia é o aumento do risco de contaminação, uma vez que a pessoa alcoolizada tende a diminuir as medidas de proteção recomendadas contra o vírus.

O álcool carrega em si essa característica paradoxal: por um lado traz relaxamento a curto prazo; por outro, está envolvido em situações de violência e agressão e em casos de doença, como o próprio alcoolismo e aumento do risco de contaminação pelo coronavírus.

Essa linha divisória entre o consumo moderado e os transtornos relacionados ao uso do álcool nem sempre é tão nítida.

Se o consumo da bebida alcoólica é percebido como uma válvula de escape e está associado a relaxar e esquecer os problemas, isso pode ser um enorme sinal de alerta. Nesse caso, o consumo exagerado deve ser avaliado não apenas pela quantidade e frequência, mas também pelos prejuízos que o álcool possa trazer para si e para quem está à sua volta.

Bebida alcoólica não é remédio. Bebida alcoólica não é terapia. Realizar atividades físicas e de lazer podem contribuir de maneira significativa para aliviar o estresse. Medidas de prevenção e tratamento em saúde mental são mais eficazes e duradouras aos efeitos psicológicos causados pela pandemia. 

Além disso, passado o efeito do álcool os problemas ainda existirão e, mais do que isso, o álcool pode potencializá-los. E, vamos combinar, de problemas e pandemia já estamos fartos! 

Saiba mais sobre saúde mental e comportamento no canal 10porcentomais

Simone Domingues é Psicóloga especialista em Neuropsicologia, tem Pós-Doutorado em Neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das autoras do perfil @dezporcentomais no Instagram. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung

Volta às aulas na pandemia: meu medo é o dia em que o gato fugir

Foto do site CBN de Denny Cesare / Código 19 / Agência O Globo

Ao longo da vida, em São Paulo, minha casa foi visitada duas vezes por assaltantes. Em uma a visita foi consumada e na outra, ficou apenas na tentativa. A experiência nos levou a adotar cuidados que não tomávamos. Os portões da frente agora são vazados —- há uma teoria de que bandidos sentem-se menos à vontade para trabalhar quando quem passa do lado de fora enxerga o que acontece dentro; a máquina do portão automático é mais veloz para reduzir o risco de surpresas quando se manobra o carro; os acessos à casa são redundantes —- ou seja, há necessidade de passar por ao menos duas barreiras antes de chegar onde querem; câmeras e alarmes estão instalados em posições estratégicas. Na busca por mais tranquilidade … ops, tranquilo nunca é … por mais segurança, certifica-se de quem bate à porta antes de abri-la, bate-papo na calçada nem pensar e é redobrada a atenção no entra e sai de pessoas —- momento de maior fragilidade diante de assaltantes de ocasião.

As medidas que tomamos aumentaram a segurança, sem eliminar o perigo — esse nos ronda a todo momento quando vivemos em sociedade. O problema é que no cotidiano, há outras coisas a se pensar e as medidas preventivas acabam sendo deixadas em segundo plano se não entrarem na rotina residencial. Dia desses levei um puxão de orelha do meu filho mais novo. E o problema não era nem o perigo que poderia vir de fora, mas os gatos que podiam fugir de dentro. Como estava sendo realizado trabalho de manutenção na minha casa, e insistíamos em deixar a porta da cozinha aberta, ele lembrou que um dos nossos gatos —- mais serelepe e curioso com a vida —- poderia sair para a parte externa e escapar para a rua. Diante do descaso, ele mesmo fez dois cartazes com o anúncio: “deixar esta porta fechada sempre”. Colou do lado de dentro e do lado de fora. A medida nos ajudou a ficarmos atentos. Nas duas primeiras semanas. Hoje mesmo, fui até a cozinha, saí, voltei e deixei a porta aberta, apesar de o cartaz estar à mostra de todos. O gato já estava na garagem.

Perdo-e se preenchi dois parágrafos para contar coisas caseiras, da minha intimidade familiar, talvez de pouca importância para você, caro e raro leitor deste blog. Se as conto, porém, é por um bom motivo. E interesse público. É para ilustrar o que penso sobre os riscos aos quais estamos submetidos neste momento em que há quem aposte que não virá uma segunda onda da pandemia da Covid-19, mas uma segunda epidemia com um variante do que um dia chamamos de ‘novo coronavírus’. Tenho dúvidas se hoje, quando mais de 231 mil pessoas morreram no Brasil e voltamos a marca de ao menos mil mortos por dia, mantemos metade da rotina que criamos no início desta jornada. Lembra que lá atrás, havia uma série de regras para impedir que qualquer coisa que entrasse na nossa casa —- a começar por pessoas —- nos colocasse em contato com o vírus? Comida lavada com álcool-gel, pacotes tocados com luvas, tapete antibacteriano, sapato e roupas deixadas em um saco plástico … No comércio, o moço na entrada apontava uma pistola para medir sua temperatura, a cada passo havia um frasco para limpar a mão e o controle de acesso era rígido. O frasco agora está vazio, a máquina de vaporizar não tem manutenção e a pistola —- que parece não servia para nada mesmo — está abandonada no escaninho de algum gerente da loja. 

O risco de baixarmos a guarda assim como muitos baixam a máscara para o queixo aumenta no momento em que assistimos ao retorno das aulas nas escolas. Permita-me não entrar na discussão se o momento da volta é esse ou não —- se você quiser análise mais bem argumentada no assunto leia gente como a professora Cláudia Costin e o jornalista Antônio Gois. Nesses dias em que tudo é novidade, após tantos meses distantes dos colegas e professores, toda medida possível é adotada. Os avisos de atenção estão pendurados pelos cantos da escola, as marcas pintadas no piso para evitar aglomeração, as classes separadas para respeitar o distanciamento, proteção de acrílico impede o contato dos mais distraídos e os protocolos de comportamento são lembrados a todo momento. Tem mais álcool-gel na garrafinha do que água nos banheiros. Cada aluno leva o seu. E as recomendações dos pais são acompanhadas com atenção pelos filhos. Meu foco não é com o que vai acontecer agora, mas daqui duas, três, quatros semanas. Quando estar na sala de aula não será mais novidade, os protocolos terem entrado para o rol das coisas corriqueiras e as distrações do cotidiano se sobrepuserem as preocupações. 

Meu medo, confesso, é com o dia em que o gato fugir. 

Conte Sua História de SP: os últimos dias de minha mãe

Ione Correa

Ouvinte da CBN

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Sou a filha mais nova de uma família de seis irmãos, nascida e criada no bairro do Parque São Lucas, na Zona Leste, que faz limite com a região do ABC. Quando me casei, mudei-me para Barueri, mas, todos os sábados me voltava ao bairro de minha infância, onde ainda residia a minha mãe, Dona Ana, acompanhada de duas irmãs e um sobrinho. 

O sábado era um dia totalmente dedicado à minha mãe, e, embora eu não tivesse nenhuma habilidade para manicure e pedicure, sou advogada, cuidava das unhas dela, e de outros trabalhos estéticos. Aos 83 anos, Dona Ana era muito vaidosa e cuidava com esmero de sua saúde e higiene. Passávamos o dia conversando. Ela muito mais do que eu, pois, pense numa pessoa faladeira!

Com a pandemia, minhas visitas tiveram de parar. Nos falávamos por videochamada. Era muito engraçado, porque minha mãe movimentava o celular o tempo todo. Ríamos da inabilidade tecnológica dela. Demorou pouco para dominar o uso do aparelho, algo surreal para uma mulher, que, não conseguiu ser alfabetizada por ter que trabalhar na roça desde criança. 

No Dia das Mães, eu e minha irmão enviamos uma cesta de café da manhã. Assim que o presente foi entregue, mais uma vez o momento foi compartilhado pela tela do celular.

Em junho uma notícia nos abalou: minha irmã que trabalha em hospital foi contaminada pela Covid-19. Em seguida, minha mãe passou a ter sintomas da doença e teve de ser internada. As visitas eram proibidas. Nos restava esperar os relatos médicos. Foram dias terríveis, nos quais o suspense de saber como teria sido a noite dela, nos consumia. Um alívio neste tempo de internação foi quando a psicóloga do hospital a colocou em contato com a família por videochamada. Nosso coração se aqueceu! Ela ainda estava abatida, mas, forte, e perguntou de todos, e disse que estava bem.

O aniversário de Dona Ana, 24 de junho, foi comemorado dentro do hospital. A equipe médica e de enfermagem cantou ‘parabéns a você’ e assistimos a tudo pelo celular. Ela estava muito feliz! Super animada! Cinco dias depois foi para o quarto e pudemos estar com ela. Como as condições pulmonar e cardíaca ainda estavma comprometidas, acabou voltando para a UTI — antes de deixar o quarto, minha irmã fez uma videochamada e ela pode conversar com todos os seus filhos. Foi nosso último contato com a mamãe. Ela morreu no dia três de Julho.  

A tecnologia jamais substituirá o contato físico, mas imagino o como teria sido mais difícil esses dias se não fossem esses recursos que estão disponíveis. Talvez o sentimento de frustração fosse muito maior. Foi a tecnologia que permitiu a mim e aos meus irmãos de estarem junto com minha mãe em seu derradeiro momento, e que nos traz algum alento, como tenho certeza que igualmente acalmou o coração dessa mulher intrépida, que felizmente, pude chamar de mãe. 

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Ione Correa é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é de Cláudio Antonio. Escreva seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, viste meu blog miltonjung.com.br e assine o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Festa de Lira é uma metáfora do Brasil

Reprodução Twitter

Covidão Parlamentar, Covidfesta ou o Regabofe dos Desmascarados. Deem o nome que quiserem para o evento que comemorou, na madrugada de terça, em Brasília, a vitória de Arthur Lira para a presidência da Câmara dos Deputados —- deputado-réu por peculato e lavagem de dinheiro e investigado por sonegação fiscal —-, promovida na casa do empresário Marcelo Perboni, acusado de fraude tributária por ter se apropriado indevidamente de R$ 3,8 milhões. Com mais de 300 convidados, amigos e inimigos políticos rebolando no mesmo palco, ao som de forró (a música não tem culpa de nada), e desfilando sorrisos sem máscara, todos foram protagonista de uma festa que se transformou em metáfora do Brasil. Para onde você olhar, vamos enxergar um pouquinho do que é o país em que vivemos.

Com quase 227 mil mortos por Covid-19, parcela dessas pessoas vítima, direta ou indireta, do descaso com a doença; do desrespeito a regras sanitárias; de gente que nega a pandemia. Uma gente que não usa máscara e está pouco se lixando para as aglomerações —- lá estavam os 300, representando os brasileiros que assim agem.

Eram 300, coincidência, os picaretas que Lula, em 1993, acusou existirem no Congresso Nacional. O mesmo Lula que agora é defendido com unhas e dentes pelo líder do Governo Bolsonaro, Ricardo Barros —- como ouvimos, ontem, no Jornal da CBN. Sim, o líder de Bolsonaro fala como advogado de defesa de Lula. Vá entender !?! Eu entendo. Acho que você, também. Estão todos na mesma festa.

A festa ainda nos remete a ideia de que caiu a máscara do Governo Bolsonaro e seus defensores, que chafurdaram no lodo político — e comemoraram  — ao negociar emendas parlamentares, abertamente, para comprar aquilo que o ex-governador Antonio Britto chamou de “seguro-mandato” — em entrevista também no Jornal da CBN. Diga-se: negociação que não é privilégio deste governo; é da “velha política” que pauta este governo.

A inexistência de máscaras também é simbólica quando se percebe que a turma Anti-Lavajista circula no parlamento e no noticiário falando descaradamente contra o combate à corrupção. Um pessoal que diante dos descalabros e falcatruas, cochicha nos gabinetes e planeja conchavos para se proteger. E fala grosso contra quem investiga —- ouça a entrevista de ontem. Registre-se, motivos não faltam para reclamações de abusos e erros cometidos durante os processos, mas nada que esteja a altura do roubo coletivo que o Brasil foi vítima nos últimos anos. 

(Não acredita no que eu disse no parágrafo acima? Leia o livro A Organização, de Malu Gaspar. É muito rico).

No balanço das cadeiras, com rebolados sem jeito nem constrangimento, a festa de Lira, por fim, teve cenas de hipocrisia explícita. O celebrado havia encerrado, horas antes, seu discurso da vitória no parlamento, de máscara — porque em público — e chamando a atenção do Brasil para o momento mais devastador da nossa história provocado pelo vírus da Covid-19 e alertando: “temos que vacinar, vacinar, vacinar o nosso povo”.

O momento é realmente devastador — na política, inclusive.

Mundo Corporativo: André Machado, da AsQ, explica como deixar líderes longe da empresa ajuda na criatividade

“… ele tem de ter uma gestão muito mais participativa, trazer os objetivos, discutir com a equipe, usar a tecnologia que está super a favor da gente para coletar as ideias” —- André Machado, AsQ

Profissionais com facilidade de adaptação, resilientes diante dos desafios que tendem a surgir com maior frequência e que saibam proteger sua vida pessoal para que não seja impactada pela profissional —- a medida que ambas passam a dividir o mesmo espaço com o sistema de home office. Essas são algumas das características de colaboradores que têm se destacado ao longo desta pandemia, na opinião de  André Machado, CEO da AsQ, em entrevista ao programa Mundo Corporativo da CBN.

Especializada em gestão de saúde privada, a AsQ foi lançada em agosto do ano passado, no auge da pandemia, após gestores e executivos perceberem a oportunidade de negócio que havia naquele momento crucial para operadoras de planos de saúde, empresas e seus beneficiários. Além de desenhar seus escritórios para a nova realidade e manter muitos funcionários trabalhando à distância, André conta que a partir da troca de experiências da equipe, criou-se um sistema que passou a ser chamado de “ócio criativo”:

“A gente criou uma tarde, uma manhã,  um turno do dia da semana, em que o gerente não está disponível para o trabalho, mas terá de fazer algo que estimule a oxigenação, a criatividade … ele não está disponível para a gente, para as pessoas da empresa”

Segundo André, a estratégia atende a dois aspectos: a formação de novos líderes, pois o gerente é obrigado a delegar autoridade a pessoas de sua equipe; e a busca de soluções que surgem a partir do instante em que o gestor é estimulado a desestressar.

Além de equipes bem preparadas, o CEO da AsQ cita o fato de que a empresa está baseada na tecnologia, com pessoal dedicado a inovação e aberto a troca de informação com os parceiros de negócio. Uma das novidades que estão sendo trabalhadas, a partir do compartilhamento de conhecimento, é a de tecnologia vestível que propiciará uma experiência melhor para as pessoas, diz André.

“Tem pouquíssimas pessoas que querem voltar para o escritório e como eu presto serviço de saúde, tenho de trabalhar muito para dentro de casa, então eu mantenho o apoio ao colaborador para que ele tenha uma sustentação psicológica e de saúde para se manter nesta lógica do trabalho”.

Quanto ao papel dos líderes, André Machado identifica a necessidade deles encontrarem novas formas de administrar suas equipes:

“… o gestor tem de estar muito envolvido nisso, em querer servir; e esse trabalho à distancia, eu acho, deixou isso muito mais forte; ele tem de estar muito mais disposto a isso”

O Mundo Corporativo é gravado às quartas-feiras, 11 horas, e pode ser assistido ao vivo no canal da CBN no Youtube, no Facebook e no site cbn.com.br. O programa vai ao ar aos sábados no Jornal da CBN, aos domingos, às dez da noite, em horário alternativo ou pode ser ouvido a qualquer momento em podcast. Colaboram com o Mundo Corporativo: Juliana Prado, Bruno Teixeira, Rafael Furugen e Débora Gonçalves.

Com vacina e paciência, surge a esperança

Simone Domingues

@simonedominguespsicologa

Esperança: o “ato de esperar o que se deseja;

expectativa;

fé em conseguir o que se deseja”.

Dicionário Aurélio

Na terceira temporada da série The Crown, a mãe do príncipe Philip de Edimburgo, a princesa Alice de Battenberg, se muda para o Palácio de Buckingham e numa conversa com seu filho lhe faz a seguinte pergunta: “como está a sua fé?”. O príncipe responde que sua fé está dormente e, diante disso, a princesa diz que lhe dará um único conselho, como um presente que uma mãe dá para um filho e sugere: “encontre uma fé para você”

Longe dos registros palacianos ou de cenas de ficção, o momento presente talvez reforce a necessidade de tal conselho.  Encontre uma fé. Não falo da fé vinculada apenas com religiosidade. Falo da fé como sinônimo de esperança.

E não foi isso que experimentamos na última semana?

Depois de tantos meses de sofrimento imposto pela pandemia, um sentimento coletivo tomou conta de nós. O início da vacinação foi um alento. Um sopro de esperança de que num futuro próximo muitos leitos de hospitais serão desocupados, o número de mortes por COVID-19 será reduzida significativamente e a retomada da vida cotidiana com mais segurança, dentro de abraços apertados e de momentos festejados, se tornará novamente uma realidade possível.

Se por um lado esse sentimento de esperança foi coletivo, infelizmente algumas atitudes adotadas evidenciaram uma sobreposição de motivos individualistas para burlar as regras de vacinação. Com quantidade escassa de doses de vacina para a população brasileira, em diversas localidades do Brasil foram relatados casos de “fura-fila” — termo usado para pessoas que não estão no grupo prioritário do plano de imunização.

Quais os efeitos que uma pandemia pode ter sobre nós?

 Fiz essa mesma pergunta em 19 de março de 2020. Naquele momento, diante das dúvidas que surgiam com o início da pandemia, havia uma certa tendência a comportamentos de estocagem de produtos de higiene e de alimentos, como recurso ilusório de que isso garantiria a sobrevivência, numa busca frenética por salvar a si mesmo. Se há algo que aprendemos durante a pandemia – ou deveríamos ter aprendido — é que atitudes individualistas, seja estocar papel higiênico, não usar a máscara ou furar a fila da vacinação, amparadas no coro do “eu mereço”, trazem consequências desastrosas ao coletivo.

Todos desejamos e temos direito à vacina, à vida. Todos. 

A vacina nos renovou a esperança. Renovemos também a paciência. Paciência pela nossa vez. Esperança de que em breve alcançaremos o que tanto desejamos. 

No início da pandemia descobrimos que a ação de cada um afeta a todos, descobrimos que precisamos uns dos outros. Ainda precisamos. Será no respeito mútuo, na espera confiante, no uso das máscaras, nas medidas de distanciamento, no apoio que damos uns aos outros que conseguiremos vencer.

Ainda em The Crown, o Príncipe Philip menciona a coragem da princesa Alice para superar as torturas sofridas em sua vida. Ela diz: “eu não superei sozinha. Não teria conseguido. Eu tive ajuda a cada passo do caminho”. 

Não conseguiremos sozinhos. Como numa série, nessa temporada, a última coisa que precisamos é de manifestações egoístas. Falta pouco para o término… Mas, infelizmente, ainda temos alguns episódios pela frente. Com fé em um final feliz! 

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Simone Domingues é Psicóloga especialista em Neuropsicologia, tem Pós-Doutorado em Neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das autoras do perfil @dezporcentomais no Instagram. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung

Conte Sua História de SP 467: o direito de ser dançarina

Cida Serafim

Ouvinte da CBN

Estou com 33 anos. E recuperei o direito de dizer que sou dançarina contemporânea. Eu explico. Atuei nos palcos por dez anos. Nos últimos quatro, não dançava mais nem praticava qualquer atividade física. Depressão, lesões, autocrítica exacerbada e a certeza de que a arte aqui estava fadada ao desmonte.

Eu não tinha forças para qualquer luta coletiva ou mesmo segurança para expor o que eu acreditava ser minha expressão. Minha voz estava muda. Dores simbólicas e concretas me assombravam há muito tempo. Ao entrar 2020, após quatro anos trabalhando com produção de eventos e sofrer uma estafa gigantesca, decidi que só trabalharia no ramo de alimentação: restaurantes, cafés. Tinha alguma experiência e bastante jogo de cintura. Era o plano perfeito. Mas lá no fundo uma tristeza gigante me consumia.

Com a pandemia e o isolamento, tive um crise de dores na coluna que me deixou na cama. Um mês isolada e quase imóvel; tempo que levei para reunir forças e pedir ajuda. Um WhatsApp aqui. Uma ligação ali. E numa dessas um amigo me indicou o trabalho de um fisioterapeuta que fazia teleatendimento com artistas do corpo. Teleatendimento em fisio?  Sim!

Semana a semana, ideias equivocadas sobre o corpo, reabilitação, dores crônicas e lesões persistentes foram desconstruídas. Perdi os 10 quilos que acumulei no isolamento. Ganhei confiança. Tomei coragem. Gravei vídeos no Instagram. Retomei contato com as parceiras de dança. E meu corpo respondeu tão bem aos estímulos, ao apoio e a generosidade de Leandro Fukusawa, o fisioterapeuta, que decidi voltar à dança.

De modo quase inexplicável, a vida mostrou meios e caminhos para que isso fosse possível. Hoje, tiro do papel e do campo das ideias, um projeto que vai justamente olhar para essa história de superação através do movimento.

Nunca imaginei que a tecnologia abriria a porta para minha reabilitação, que eu voltaria a dançar e contaria essa história para não ter dúvida de que mesmo em meio ao caos e à falta de esperança, a vida ainda pulsa. E dança. 

Cida Serafim é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Envie o seu texto para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br e assine o podcast do Conte Sua História de São Paulo

Conte Sua História de SP 467: passei de ano com meu Arthur

Por Odnides Pereira 

Ouvinte da CBN

Nasci na Zona Norte da Capital em 21 de abril de 1959. E por aqui sempre morei. Quando estudante, frequentava a escola pública. Você haverá de saber que naquela época não existiam email, Facebook, WhatsApp, Twitter … nem mesmo computador.  Imagine o que foi se adaptar a essa nova escola. Meu neto,  Arthur, hoje com sete anos, mora comigo e minha esposa desde os dois anos de idade. Está no segundo ano fundamental do colégio Palavra Viva, aqui na Zona Norte.

Em 23 de março de 2020, ao levá-lo na escola, como faço todos os dias —- ou fazia —-, fomos avisados que as aulas estavam suspensas devido à pandemia. E o que acontecerá agora? Ninguém sabia dizer ainda.

As respostas a essa dúvida começaram a chegar no WhatsApp. 

Uma semana depois a mensagem recebida dizia que as atividades seriam virtuais e deveríamos esperar mais um ou dois dias pois ainda estavam concluindo o cadastramento dos alunos no Google Meet — Sala de Aula. 

Foi pelo WhatsApp também que fomos chamados na escola para buscarmos livros e cadernos a partir de um sistema de drive-thru organizado pela escola. Chegamos de carro, baixamos o vidro, um funcionário com máscara entregou uma caixa com todo o material do meu neto dentro e voltamos para dentro de casa.

Confesso, em um primeiro momento ficamos todos perdidos tal a transformação tecnológica em nosso entorno. Chegamos a ficar atrasados com as aulas por um semana —- algumas coisas que deveríamos fazer, nós perdemos. Os professores foram compreensivos e o conteúdo que havíamos deixado para trás foi recuperado.

Em casa nos adaptamos, também. Separamos uma mesa para todos os cadernos, livros e os demais materiais a serem usados na escola. Nas provas, Arthur dizia: — “Vô, vó, por favor, saiam daqui de perto, hoje tenho prova pra fazer.”. A gente obedecia.

As aulas virtuais foram de vento em popa. E nós começamos a aprender algumas coisas. Desde os primeiros dias observei o quanto os professores são pacientes e perseverantes. Nessa pandemia, eles estavam dentro da minha casa, viraram nossos parentes. Até sabíamos quando eles tinham algum problema familiar. E aproveitávamos para conversar pelo WhatsApp ou pelo próprio Google Meet nos intervalos de lanche.

Pela tecnologia e o esforço dos professores, foi possível ao meu neto ter recebido todo o conteúdo do ano, da mesma forma que se estivesse na escola. E, felizmente, encerramos o ano letivo. Meu neto Arthur, a vó dele e eu passamos de ano.

Odnides Pereira é personagem do Conte Sua História de São Paulo em homenagem aos 467 anos da nossa cidade. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva o seu texto para contesuahistoria@cbn.com.br e curta outros capítulos da nossa cidade no meu blog miltonjung.com.br ou no podcast do Conte Sua História de São Paulo