Por Marcel Crespin
Ouvinte-internauta
Ouça este texto que foi sonorizado pelo Cláudio Antonio
Hoje a cidade acordou preguiçosa
Hoje, dois de janeiro de dois mil e treze, a cidade acordou preguiçosa. Nem o sol ousou levantar. O céu cinzento, desde cedo, anunciava um dia lento em São Paulo. Acostumada ao trânsito que consome horas do cotidiano paulistano, a cidade estava lenta, o trânsito não. Quase não havia carros na rua. O trajeto que levo, em média, mais de uma hora para percorrer, não levou sequer 20 minutos para ser percorrido.
Quem dera fosse esse o ritmo da cidade. Não o da produção das indústrias ou o da intelectual, não o dos espetáculos culturais, nem o do comércio pungente, não o da educação ou o das feiras livres, nem tampouco o dos anunciantes ou o das agências de propaganda, mas da vida, que muitas vezes deixamos de saborear como deveria ser feito, por conta da correria insana do dia a dia.
A lassidão do primeiro dia útil do ano podia ser notada em tudo o que se via por aí. As poucas pessoas que andavam a passos lentos pelas ruas, bocejavam preguiçosamente e se espreguiçavam como quem acaba de levantar da cama. As faixas de pedestres surpreendentemente vazias das ruas e avenidas mais movimentadas da cidade, ilustravam que de útil o dia só tinha o nome. Ou quase isso.
Ao entrar na garagem, as inúmeras vagas disponíveis antecipavam o movimento praticamente inexistente de pessoas no luxuoso edifício da marginal Pinheiros. Subi sozinho no elevador que me conduziu ao térreo, onde fiz a baldeação para o outro elevador que me levaria até meu destino final.
Normalmente coalhado de pessoas indo e vindo, o andar térreo do edifício dessa vez estava completamente vazio. Nem mesmo o balcão da recepção tinha todas as moças que tradicionalmente atendem as intermináveis filas de visitantes. Ao invés de várias, apenas uma estava lá, lixando entediada e cuidadosamente as unhas. Passei pela catraca estranhamente sem fazer fila e lá estavam todos os elevadores me esperando para um confortável passeio até o décimo segundo andar.
Ao ter as portas do elevador fechadas, notei que uma televisão dava notícias exclusivamente para mim. Aquela televisão, presença cada vez mais comum nos elevadores, que via de regra traz as últimas notícias e anuncia de forma masoquista a quilometragem caótica do trânsito paulistano, hoje trazia as primeiras notícias do ano e anunciava os inacreditáveis oito quilômetros de congestionamento em toda a cidade.
Ao ver as portas do elevador se abrindo novamente, sem fazer sequer uma escala em outro andar, pude ver muito pouco. O corredor do décimo segundo andar era todo meu. Nem uma pessoa dividia aquele espaço comigo. Pude ouvir meus passos me conduzindo, apenas intercalados pelo som da minha própria respiração. Pelo caminho, as luzes apagadas dos escritórios vizinhos, tradicionalmente acesas até tarde da noite, manchavam de escuro o piso claro do corredor que iluminava nada, nem ninguém.
Ao chegar, me senti aliviado por encontrar vida alheia. Poucas, bem poucas, mas lá estavam alguns heróis da resistência.
Como sempre faço ao chegar de manhã, fui à minha sala, me ajeitei na cadeira e abri meu computador para checar meus emails. Apenas para desencargo de consciência, uma vez que já havia checado inúmeras vezes antes de sair de casa e pelo caminho, dessa vez percorrido muito rapidamente, se comparado a um dia normal.
Com a preguiça de um domingo de manhã, minha caixa de entrada me ajudou a perceber logo que a letargia das ruas não havia invadido apenas esse edifício da marginal Pinheiros, mas muito provavelmente tantos outros dessa cidade, que em plena quarta-feira nos dava a nítida certeza de que o mundo não havia acabado, conforme anunciado, mas que também o ano ainda não havia começado.
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