Grêmio 3 x 1 Passo Fundo
(São Luiz 2 x 2 Grêmio)
Campeonato Gaúcho

Escrevo antes mesmo de a partida deste domingo ter se iniciado, pois, convenhamos, se é para falar de jogo jogado, o que nos interessa, nesta maratona que encaramos, é a quinta-feira, dia 13 de março, quando teremos o New’s Old Boys como adversário, na Arena Grêmio. Independentemente dos resultados desses últimos jogos, inclusive o de sexta-feira, sobre o qual sequer dediquei uma Avalanche – apesar de todo o meu respeito aos jogadores que estiveram em campo – , temos é que repetir o desempenho que entusiasmou o torcedor, na próxima rodada da Libertadores. O Campeonato Gaúcho, por enquanto, está bem resolvido com nossa presença garantida na fase eliminatória. Antecipo-me na escrita mesmo porque o assunto ao qual quero me dedicar pouco tem a ver com a bola rolando e muito mais com que nós somos ou queremos ser.
Hoje cedo, na missa dominical, na paróquia da Imaculada Conceição, próxima de casa, encontrei o Pe. Jose Bertoloni, meu conterrâneo e torcedor do Grêmio. E posso lhe garantir que frequentar as missas de um padre gaúcho e gremista, aqui em São Paulo, não passa de coincidência (eu juro que é uma coincidência). Ele acabara de celebrar a cerimônia e, como sempre fazemos, trocamos algumas rápidas palavras de despedida. Ao contrário das vezes anteriores, porém, o recado do Pe Bertoloni não tinha o tom otimista que sempre emprega quando se refere ao nosso Grêmio. Ele me chamou atenção para a tristeza que sentia desde que soube, pela rádio CBN, do incidente racista que havia ocorrido em Bento Gonçalves, cidade em que nasceu e onde alguns dos seus parentes ainda moram. Imagino que você tenha ouvido falar dos insultos proferidos contra o árbitro Márcio Chagas da Silva por torcedores do Esportivo, durante partida contra o Veranópolis, no estádio Montanha dos Vinhedos, pelo Campeonato Gaúcho, quarta-feira à noite. Além de chamá-lo de macaco, alguns estúpidos sujaram com bananas o carro do árbitro que estava estacionado do lado de fora do estádio. O acontecimento se deu um dia antes de torcedores do Mogi Mirim usarem as mesmas palavras ofensivas contra Arouca, do Santos, no interior paulista.
É bem provável que os dois casos que mancharam a semana futebolística avancem pouco, quando muito serão publicados alguns artigos reprovando a atitude dessas pessoas, proferidas palavras de apoio às vítimas e, na melhor das hipóteses, alguma punição sem consequência será anunciada. Sem precisar muito esforço, vamos nos lembrar do que aconteceu com Tinga, do Atlético Mineiro, alvo de ofensas racistas, em partida contra o Real Garcilaso, no Peru, pela Libertadores. Faz pouco mais de um mês e até agora os torcedores e o clube não sofreram nenhuma sanção. Independentemente do que vier ocorrer, porém, é fundamental que esses casos nos ajudem a refletir sobre estes atos inaceitáveis. É preciso entender que isto não é parte apenas do futebol, pois não se leva para a arquibancada comportamento diferente daquele que cultivamos no nosso cotidiano. Acreditar que existe uma conduta no estádio e outra na rua é querer esconder um desvio grave da nossa sociedade que pode ser percebido no mercado de trabalho e na sala de aula, apenas para ficar com dois exemplos mais conhecidos.
Como o futebol, porém, é um componente importante na formação do caráter da sociedade brasileira, e não apenas consequência deste, se poderia usar o esporte para corrigir este comportamento, assim como Nelson Mandela fez com o rugby para reduzir diferenças profundas que persistiam na África do Sul pós-apartheid. Nos discursos oficiais, há uma tentativa de transformar a Copa do Mundo no Brasil em um grito contra o racismo, mas será preciso muito mais do que isso. Os clubes poderiam começar a educar seus torcedores sobre o papel primordial dos negros na nossa história. Lá mesmo em Bento Gonçalves, cenário de cenas racistas na quarta-feira, no início do século passado, surgia o primeiro clube genuinamente negro a excursionar pelo interior gaúcho, batizado, aliás, com o nome da cidade. Como gremista me orgulho de saber que a estrela dourada que faz parte de nossa bandeira oficial é homenagem ao lateral Everaldo, tricampeão mundial pelo Brasil, assim como o hino que cantamos foi escrito por Lupicínio Rodrigues – dois ícones negros em suas artes.
A tristeza do Pe. Bertoloni deve ser compartilhada por todos nós que acreditamos na igualdade e no respeito ao próximo, mas tem de ser seguida por atitudes afirmativas. É preciso estarmos convencidos da ideia de que, sim, somos brancos, somos pretos, e, no caso dos gremistas, também somos azuis.