Carlo Acutis: santo de jeans, tênis e rosário

Li hoje, no New York Times, a reportagem da jornalista Elisabetta Povoledo, que me levou até Assis sem que eu saísse da cadeira. Pela tela, entrei no santuário onde está o corpo de Carlo Acutis, um adolescente que morreu em 2006, aos 15 anos, e que, neste domingo, será canonizado no Vaticano pelo Papa Leão XIV.

Enquanto lia, parecia ouvir o murmúrio das orações que Povoledo descreve — em italiano, espanhol, inglês, português. Um coro de línguas diferentes diante de um jovem que será o primeiro santo millennial da Igreja Católica.

E confesso: mais do que os dados, foi a cena que me prendeu. O corpo repousa num túmulo parcialmente transparente. Jeans. Tênis. Jaqueta esportiva. Um rosário nas mãos. Não se vê um manto dourado, não há hábito de freira ou sandálias de frade. Ali está um santo com cara de quem poderia estar passando por nós na rua, mochila nas costas e celular no bolso.

A reportagem conta que um milhão de pessoas visitaram o túmulo de Carlo só no ano passado. A média de idade dos peregrinos caiu “algumas décadas”, disse o bispo de Assis. Jovens que haviam se afastado da Igreja agora se aproximam. Por quê?

Talvez porque Carlo seja deles. Jogava videogame, tinha amigos, ria, rezava, navegava na internet. Entendeu cedo o impacto da rede e decidiu usá-la para espalhar fé. Criou um site para catalogar milagres eucarísticos, antecipando o que muitos adultos ainda não sabem: a internet é só ferramenta; o sentido está no uso que fazemos dela.

A professora Kathleen Cummings, especialista em santos, disse ao Times:

“Num momento em que a sociedade e a Igreja estão preocupadas com o impacto corrosivo da tecnologia, Carlo mostra que é possível usar o digital como ponte, não como barreira.”

Talvez seja isso que atraia tanta gente: Carlo viveu na mesma frequência dos jovens que agora se aproximam dele.

Outro detalhe chama a atenção: a rapidez com que a devoção cresceu. Desde que o corpo de Carlo foi levado a Assis, em 2019, surgiram capelas, escolas e grupos nas redes sociais dedicados a ele. Há dezenas de páginas no Facebook, lembranças espalhadas por lojas e até souvenirs com a imagem do garoto de camisa polo vermelha e mochila.

Ele se tornou símbolo num tempo em que, paradoxalmente, a fé institucional parece perder espaço. Um estudo citado pela reportagem, feito pelo Instituto Giuseppe Toniolo, mostra que 30% dos jovens italianos não têm crença religiosa — o mesmo percentual dos que se declaram católicos praticantes. Carlo, dizem os especialistas, virou um ponto de convergência entre os que buscam espiritualidade e os que se afastaram da Igreja.

Uma peregrina entrevistada pelo Times, Nerea Rano, resumiu talvez o maior segredo da atração que Carlo exerce:

“É fácil rezar para ele porque ele é jovem. Ele fala com os jovens. É como olhar para um espelho.”

Um espelho, penso eu, que devolve a imagem de um santo real, de carne, osso e tênis, com gostos comuns e linguagem próxima. Carlo não fundou escolas, não abriu hospitais, não escreveu tratados de teologia. Vivia a fé no cotidiano. O Papa Francisco dizia que “a santidade está no próximo” e Carlo parecia acreditar nisso com naturalidade.

Neste domingo, na Praça de São Pedro, Carlo será declarado santo. Não sei o que isso mudará para a Igreja — talvez muito, talvez pouco. Mas, para quem lê a história, fica a sensação de que a santidade deixou o pedestal e sentou no banco ao nosso lado.

Santo de jeans, tênis e rosário. Um garoto que entendia de internet e, ainda assim, acreditava profundamente. Talvez por isso, mais do que um exemplo distante, Carlo Acutis pareça um convite próximo: ser santo pode caber na nossa rotina, no nosso feed, no nosso silêncio.

E, de algum jeito, isso me fez pensar que a fé, como a boa comunicação, acontece quando encontramos a linguagem certa.

PS: Se você estiver na cidade em São Paulo, uma das formas de conhecer de perto a história desse jovem é visitar a exposição com informações, imagens e pertences de Carlos Acuti, no Salão Paroquial da Paróquia de Santa Suzana,  na rua David Ben Gurion, 777.

Avalanche Tricolor: o Grêmio está estranho — e isso é bom

Juventude 0x2 Grêmio
Brasileiro – Alfredo Jaconi, Caxias do Sul RS

Cristian Olivera fez o 2º gol. Foto: Lucas Uebel/GrêmioFBPA

Um domingo estranho para os padrões gremistas dos últimos meses. Uma vitória por dois gols de diferença não acontecia desde o início de abril; a última vez que ganhamos três partidas consecutivas foi em janeiro; e agora completamos quatro jogos sem tomar gols — somados os resultados do Brasileiro, Copa do Brasil e Sul-Americana.

A sorte também esteve ao nosso lado, o que não víamos há algum tempo. O pênalti infantil cometido pelo goleiro adversário, ainda nos primeiros minutos, tornou o caminho da vitória mais fácil — e contou com o auxílio do VAR. O mesmo VAR que evitou que fôssemos prejudicados com o pênalti assinalado contra nós, quando ainda vencíamos por apenas um a zero — e parecia que a história de não sabermos segurar o placar favorável se repetiria.

Alguém pode dizer que o recurso do VAR não é questão de sorte. É auxílio técnico usado para ajudar os árbitros em lances difíceis e polêmicos. Primeiro: se você, caro e cada vez mais raro leitor desta Avalanche, pensa assim, convido-o a puxar a “ficha corrida” dos lances de arbitragem em rodadas anteriores (com exceção do jogo contra o Bahia). Segundo: que um dos jogadores adversários estivesse em posição irregular no instante da jogada em que derrubamos o atacante deles na área é sorte, sim.

Ao falar de sorte, não estou reclamando. Fico bem feliz em saber quando ela decide trocar de lado. Porque, geralmente, quando isso acontece, é sinal de que o time começa a fazer por merecer. E hoje, fizemos.

Mesmo que o adversário estivesse fragilizado, é preciso considerar que continuava sendo uma fortaleza dentro do seu estádio. Mais do que isso, o Grêmio fez sua melhor partida dos tempos recentes, a começar por um sistema defensivo mais coeso. Houve intensidade na marcação, com a participação dos jogadores de ataque. Na maior parte do jogo, preferiu-se a troca de passes e, sempre que se chegava pelas alas, nossos atacantes foram atrevidos ao driblar. O meio de campo também participou ativamente, com destaques para Villasanti e Cristaldo.

Se o que assistimos foi circunstancial ou se estamos vendo o início de uma reação gremista, sob nova direção, teremos de esperar pela resposta que o tempo nos oferecerá. O Grêmio joga mais uma partida antes da longa parada para o Mundial de Clubes — tempo em que Mano poderá, se tudo correr bem, ganhar os reforços necessários e organizar melhor seu grupo. Com isso, quem sabe vitórias seguidas, defesa mais firme e boas arbitragens deixem de causar estranheza a este escrivinhador e torcedor.

Francisco, o papa que falava como a gente

“A beleza da vida nos pequenos gestos de amor.” Essas palavras encerraram, simbolicamente, a trajetória pública de Francisco. Estavam na mensagem de Páscoa escrita por ele, lida pelo cardeal Angelo Comastri, ao fim da missa celebrada neste domingo na Praça de São Pedro. Francisco, já enfraquecido, apareceu na sacada da Basílica, acenou para os fiéis, abençoou a multidão e disse com voz baixa, mas firme: “Caros irmãos e irmãs, Boa Páscoa”. Pediu então que um colaborador lesse o restante do discurso, no qual abordava temas centrais de seu papado: a defesa da paz, o combate à desigualdade, a liberdade de expressão e a solidariedade com os que sofrem.

Mesmo sem conseguir conduzir pessoalmente a celebração, o gesto de aparecer, cumprimentar e se mostrar presente foi, em si, um ato de comunicação — e coerência. Francisco sempre entendeu que a força de uma liderança está tanto na palavra quanto no silêncio; tanto no que se diz quanto no modo como se diz.

O papa que morreu nesta segunda-feira (21), aos 88 anos, não será lembrado apenas pelas reformas internas ou pelas viagens internacionais. Seu legado está profundamente vinculado à forma como se comunicava. Francisco não discursava do alto de um púlpito inatingível. Preferia a conversa direta, o tom acolhedor, a linguagem acessível. Não erguia muralhas com palavras. Construía pontes. Ligava o sagrado ao cotidiano, a doutrina à vida, o Vaticano ao povo.

Ao contrário de seu antecessor, que simbolizava uma Igreja marcada por ostentação, lentidão, burocracia e subordinação, Francisco comunicava com o corpo o que pregava com a voz: simplicidade, agilidade, bom senso, liderança. A imagem de Bento XVI remetia à autoridade cerimonial. A de Francisco, à autoridade carismática. Um parecia paramentado pelo peso da tradição; o outro, leve — mesmo carregando nos ombros o peso do mundo.

Sua escolha de nome foi uma declaração de intenções. Ao adotar “Francisco”, evocou o santo de Assis: humilde, avesso a ostentações, comprometido com os pobres e com o diálogo. Era uma forma de dizer ao mundo: a Igreja precisava se reconectar com a essência da fé. E ele fez isso em gestos, mais do que em decretos. Recusou o trono dourado, escolheu viver na Casa Santa Marta, lavou os pés de presidiários, visitou refugiados e distribuiu doces para crianças — como fez, inclusive, poucos dias antes de morrer.

Em sua autobiografia, Esperança, publicada pouco antes da morte, Francisco revelou-se ainda mais transparente. Quis deixar, com as próprias palavras, um legado que não fosse um dogma, mas um testemunho. Falou de futebol e de fé, de chocolate e de política, de amor e de morte. Citou Borges, Bauman, Brecht e Baden Powell. Deu à palavra pontífice — aquele que constrói pontes — sua tradução mais literal.

Ao escrever sobre si mesmo, escreveu sobre todos. E nos lembrou que a autoridade espiritual não está em falar alto, mas em ser compreendido.

“O exercício da religião é fundamental nesse momento”

Com a devida autorização, reproduzo com destaque neste post, a mensagem, antes privada, enviada pelo Padre Manoel Corrêa Viana Neto, em resposta a texto que publiquei no dia 6 de abril:

Milton a paz! Enviei para ti um argumento plausível e concordo com aquilo que penso sobre a abertura das igrejas, defendida pelo Dr. Taiguara Fernandes de Souza. “Não existe sacramentos virtuais”!


Depois, a pandemia não atinge somente o corpo, mas a psique e a alma e o exercício da religião que não é apenas algo intimista, mas sobretudo comunitário é fundamental nesse momento.

Tenho atendido muitas pessoas que estão sofrendo sobremaneira na alma porque privadas da eucaristia e da participação na igreja.


Quando você fala que somos templos do Espírito Santo, invocando uma passagem de São Paulo aos Coríntios (6,19), não pode esquecer do contexto que esta passagem é citada: o problema da imoralidade e do contra testemunho de cristãos! Ou seja, com uma mentalidade mundana, é por isso que logo a seguir ao versículo por você citado, no 20, ele vai dizer que “fomos comprados por alto preço. Portanto, devemos glorificar a Deus com o nosso próprio corpo”. Isto é, pela fé autêntica e corajosa…


Você já imaginou se os cristãos dos primeiros séculos se intimidassem com a perseguição e se resignassem na sua fé, não celebrando e não se encontrando, mesmo à custa do martírio? Certamente não estaríamos aqui refletindo sobre essa situação…


Já dizia o provérbio latino: “Quot capita, tot sententiae” (quantas cabeças, tantas sentenças). O que me preocupa é o cerceamento de um direito constitucional e soberano: o da liberdade de religião, tanto no foro interno como externo.

Isto é o que eu gostaria de expressar a você no teu post.


Um abraço e que Deus te abençoe!

NB: duas outras mensagens deixadas na área de comentários do blog trazem outros argumentos contrários a minha opinião, exposta no post “É um pecado querer fiéis de joelho nas igrejas diante de um vírus que mata“. Convido-os a ler, refletir e, se entenderem pertinente, deixarem também os seus argumentos, com a mesma generosidade que fizeram aqueles que por lá passaram

É um pecado querer fiéis de joelho nas Igrejas diante de um vírus que mata

Foto Pexel

Sou católico. Praticante. De ir a missa no domingo (sábado à noite para ser mais preciso). De fazer o sinal da cruz. Rezar para fortalecer os pedidos de quem me pede. Ler a palavra. Ouvir a homilia. Não sou crente, não. O que não significa que seja descrente. Apenas que tenho dúvidas e tento resolvê-las na intimidade das conversas que tenho com minha consciência. A religião quase sempre esteve presente na minha vida. Fiz o passo a passo da cartilha, a começar pelo batismo, seguindo na primeira comunhão, crisma e casamento com véu, grinalda e aliança abençoada. Comecei estudando em colégio de freira e conclui no colégio dos irmãos maristas, em Porto Alegre.

De frequentador assíduo na missa da Igreja do Menino Deus, lá no fim da Getúlio Vargas, à presença frequente na capela da Imaculada Conceição, na esquina aqui de casa, tive longos momentos de ausência. Confesso. Só voltei a genuflectir diante do altar quando deparei com o desespero da vida. Dúvidas sobre minha existência. Busca de respostas para meu comportamento. Medo do que seria capaz de fazer com minha vida — não se assuste, nunca pensei em dar um ponto final, apenas não sabia o que viria depois das reticências. 

A pandemia me afastou da igreja. Jamais da reza. Ao contrário. Nunca me apoiei tanto na palavra de Deus como nesses tempos de incerteza

Está aqui na tela do computador, a reprodução de um dos trechos do Livro de Salmos:

Eu olho sempre para o Senhor

pois ele me livra do perigo

Livra o meu coração

de todas as aflições”

E se peço que Ele me salve —- assim como a todos que estão em meu entorno e em meu coração —-, faço a minha parte. Em respeito ao que prezo na religião, que é a fortaleza pela vida, nunca mais voltei às missas presenciais. E assim me manterei forte até encontrarmos uma solução para essa desgraça que vivemos.

Foi com alegria que ouvi a voz do Arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, no Domingo de Páscoa:

“… a nossa recomendação de celebrar sem a presença do povo nas igrejas não veio de uma proibição: nossa posição vem da preocupação pela situação da pandemia, que está muito grave, com muitos doentes e mortos”

Lamentei que suas palavras não ecoaram de absides à gárgulas de capelas, igrejas, catedrais e abadias. Em muitos locais o que se ouviu foram falas pedindo pela ocupação das naves; e indignação aos limites que governos e autoridades políticas impuseram; foram padres e asseclas reclamando da ausência de fiéis, comparando nosso esforço em nos mantermos em confinamento a cristãos sepultados em catacumbas. Lamentável!

Em uma das missas online que assisti, no Domingo de Páscoa, o padre, jocoso em sua analogia, questionou a proibição às missa e cultos. Perguntou a si mesmo se o vírus, por católico que fosse, só conspiraria contra os fiéis. E renunciaria à contaminação dos passageiros que são transportados aos montes em trens e ônibus. Antes fosse essa uma verdade. Pois bastaria impedir de vez a presença de pessoas nas igrejas e deixá-las circular livremente pelas cidades no transporte público para contermos o assassinato em massa que estamos assistindo no Brasil.

É claro que qualquer um de nós, obrigados a embarcar em um ônibus ou trem lotado, corremos sério risco de contaminação. Infelizmente, como parar por completo a dinâmica de uma cidade parece ser impossível, interromper o transporte público é inconcebível. Mas temos medidas que podem salvar vidas. Impedir aglomerações, rogar para que empresas aceitem a ideia de ter trabalhadores remotos e incentivar o confinamento àqueles que têm essa alternativa, são algumas medidas que estão a nosso alcance.  

Proibir reuniões religiosas —- assim como políticas, sociais e esportivas, apenas como exemplo —- é saudável neste momento em que vivemos. Nossos compromissos com Deus podem ser cumpridos à distância. Nossa presença em uma edificação santa é simbólica, necessária quando possível, mas não é essencial. Basta lembrar, meu amigo padre, Coríntios 3:16:

“Acaso não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo e esse templo sois vós”

Estado laico, #SQN

 

Marcia Gabriela Cabral
Advogada, especialista em Direito Constitucional e Político.
Integrante do Adote um Vereador.

 

Como sou constitucionalista, em regra inicío meus textos pela Constituição Federal (CF), pois ela está no topo do ordenamento jurídico, e diante do tema ora tratado, não poderia ser diferente. Desta vez, iniciarei não citando um artigo da Constituição, mas seu preâmbulo, que se encontra antes mesmo do texto legal, propriamente dito. Há controvérsias sobre a normatividade deste dispositivo da CF, mas isto não é relevante para o momento, fato é que no corpo do preâmbulo, há uma menção religiosa.

 

Segue o preâmbulo:

 

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (grifo nosso)

 

A CF brasileira de 1824 estabelecia como religião do Império, o catolicismo, portanto a religião católica era a oficial do Estado. Contudo, a CF de 1988, que ainda está em vigor – embora não pareça – não estabelece qualquer religião como a oficial do Estado brasileiro.

 

Assim, estabeleceu em seu art. 19, I:

 

“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”

 

Deste dispositivo é que se baseia a característica do Estado brasileiro como um Estado laico. Portanto, questiona-se por qual motivo constou no preâmbulo da Constituição a frase “sob a proteção de Deus”. Seria um contrassenso.

 

Destacarei algumas curiosidades que ocorrem nas Instituições brasileiras, compostas pelos Poderes da República, que demostrará que esta norma não é respeitada.

 

Na esfera do Legislativo, já assistiram à alguma sessão legislativa? O presidente da Casa a inicia com a seguinte frase: “Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos”. Isto ocorre na esmagadora maioria dos Parlamentos brasileiros. Contudo, esta menção acima não é atoa, a título de exemplo – muito embora o Brasil seja laico – consta no Regimento Interno da Câmara Municipal de São Paulo, que data 1991 (portanto, posterior a CF/88), em seu art. 138 a seguinte norma:

 

“Declarada aberta a sessão, o Presidente proferirá as seguintes palavras: “Sob a proteção de Deus, iniciamos o nosso trabalho”.

 

E continua em seu parágrafo único:

 

A Bíblia Sagrada deverá ficar, durante todo o tempo da sessão, sobre a Mesa, à disposição de quem dela quiser fazer uso”.

 

No Congresso Nacional temos a bancada “BBB”, da “bala” que representa os
militares/policiais e as indústrias do armamento; do “boi” que é do agronegócio e da “bíblia” que são dos religiosos (evangélicos). Este grupo vem dominando o Congresso brasileiro com pautas conservadoras.

 

Mas o que me despertou a escrever sobre o tema, foi o fato de que recentemente
estive na Assembleia Legislativa do meu estado e me deparei com um enorme crucifixo em um dos espaços do Palácio 9 de Julho, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP).

 

Primeiramente, me questionei, o motivo daquele símbolo estar ali e posteriormente, o porquê do tamanho exagerado do mesmo. Realmente me assustei ao ver a cena. Repare o local, na foto. Parece uma igreja/templo religioso, não é mesmo? Mas trata-se da ALESP,sede do Poder Legislativo paulista, uma Instituição do Estado brasileiro.

 

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Assembleia Legislativa de São Paulo

 

Ainda, me indaguei: estou na Assembleia de Deus ou na Assembleia Legislativa? Ah, a Assembleia de Deus, não reconhece o crucifixo, por ser um símbolo católico. Fiz apenas uma correlação com a palavra “assembleia”.

 

Outro absurdo praticado no âmbito do Poder Legislativo brasileiro se dá na
Assembleia Legislativa do Ceará, onde há no plenário um crucifixo entre a bandeira do Brasil e a bandeira do Estado do Ceará, como vemos na foto.

 

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Assembleia Legislativa do Ceará

 

No plenário da Câmara dos Deputados, local onde a Constituição Federal foi
promulgada, também há a presença do símbolo religioso. Notem que de maneira bem discreta, mas ele está lá ao centro do plenário, conforme destaca a imagem a seguir.

 

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Câmara dos Deputados

 

Interessante observarmos, que embora a “Constituição cidadã”, estabeleça que o
Estado brasileiro seja laico, no local onde a mesma foi promulgada – plenário da Câmara Federal – faz-se presente ao fundo da foto do Ulysses Guimarães erguendo a Constituição de 1988, o tal crucifixo. Algo totalmente incoerente, uma vez que se a partir daquele momento o Brasil já seria laico, porque o símbolo de determinada religião estava presente na “festa da democracia”.

 

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Ulysses Guimarães e a Constituição Cidadã

 

Como se não bastasse o Poder Legislativo desrespeitar a Constituição, outro Poder também comete o mesmo equívoco.

 

O Poder Executivo também faz uso do símbolo maior da religião católica. Na
sede de diversas prefeituras, de vários Estados, os chefes do Executivo mantém em seus gabinetes o símbolo da igreja, em desconformidade com a norma constitucional.

 

Até no Executivo Federal, há no gabinete da Presidência da República, um crucifixo anexado na parede.

 

Pelo que determina o texto constitucional, cabe ao Poder Judiciário fazer com que a lei seja cumprida. Mas o que esperar, quando quem deveria fazer respeitar não respeita?

 

Pasmem! O próprio “guardião” da Constituição da República Federativa do
Brasil, o famigerado Supremo Tribunal Federal (STF), aquele que deveria fazer respeitar as normas nela contida, também possui o crucifixo afixado na parede de seu plenário.

 

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Supremo Tribunal Federal

 

Como bem observado pelo Procurador de Justiça do Estado de São Paulo, Clilton
Guimarães dos Santos, “estamos perdendo o Estado laico”. Ainda, podemos dizer popularmente que esta norma “não pegou”.

 

O que fazer quando o próprio STF, órgão máximo, resolve violar a legislação
pátria? Pois não é somente em relação ao laicismo, que a Suprema Corte vem tendo
comportamentos e decisões ora tendenciosas, ora inconstitucionais, ora questionáveis.

 

Como bem analisa o advogado Ricardo Vita Porto, “O Guardião se tornou o
violentador”. Quem poderá nos defender? Pois os Estados democráticos são Estados laicos.

 

Mas o Brasil ultimamente…

 

Deixo claro, que não defendo o Estado ateu, o que é diferente de Estado laico, pois no primeiro seria privilegiar esta não crença em detrimento das diversas religiões, o que também afronta a Constituição.

 

Analisando mais profundamente, poderíamos dizer que o Estado brasileiro, como
denomina alguns estudiosos da matéria, seria um Estado plurireligioso, pois aceita várias religiões, apenas não privilegia qualquer uma delas nem discrimina a falta de crença religiosa.

 

Diante dos fatos, concluímos que o Estado brasileiro talvez seja laico (na teoria), mas as Instituições estatais, não o são. Prova que a política e a religião se misturam e dominam.

 

Por enquanto, a religião dominante é a católica, mas a marcha evangélica está em curso.

Minha devoção pelo Padre Reus

 

Por Milton Ferretti Jung

 

Tenho muita pena de quem se confessa ateu. A recíproca é verdadeira: aceito, sem reclamar, que um ateu, que porventura esteja lendo esta coluna, me espinafre por ser um crente. Os meus raros e caros leitores, como costuma salientar o meu filho nos seus textos, neste blog, talvez estejam estranhando o meu assunto nesta quinta-feira. Explico:o Mílton, em uma de nossas conversas telefônicas nas quais o futebol sempre faz parte da pauta, sabedor que sou devoto do Servo de Deus João Batista Reus, sugeriu-me que escrevesse sobre o alvo da minha devoção. Afinal, o santinho, com a imagem do Padre, me acompanha quando sento à frente do televisor para assistir a um jogo do Grêmio, que é o time da nossa família, com uma honrosa exceção, o meu cunhado Luiz Carlos, colorado de quatro costados. O Servo de Deus apenas não fica comigo quando me disponho a “secar” alguma equipe. Seria exigir demasiado dele que me prestasse ajuda em algo, reconheço, não muito ou nada cristão.

 

Padre Reus esteve presente, agarrado com força por minhas mãos e beijado com insistência, na Batalha dos Aflitos, quase de minuto a minuto. Na hora do pênalti, chorei ao ver a defesa maravilhosa do goleiro Rodrigo José Gallato, e por pouco não estraguei o santinho ao o agradecer pela sua preciosa ajuda. Essa foi a tarefa mais difícil, imagino, cumprida pelo meu caríssimo Padroeiro. Houve outras, muitas outras, em que rezei convicto de que Padre Reus não nos abandonaria na pior. Nem mesmo naqueles jogos em que não me brindou com o seu socorro, deixo de lhe agradecer. Ora essa, não se pode ganhar sempre. Às vezes, os disparates cometidos pelos jogadores e técnicos são tão grandes que eu olho para o santinho e sou obrigado a concordar com ele.

 

Padre Reus nasceu na Alemanha, na cidade de Pottenstein, na região da Baviera, no dia 10 de julho de 1868. Lá, entrou na Companhia de Jesus e foi enviado para o Brasil, radicando-se no Rio Grande do Sul. Por muitos anos foi professor de teologia no Colégio Cristo Rei, de São Leopoldo. Como ex-estudante do Colégio Anchieta, em Porto Alegre, ouvia frequentemente histórias sobre o Padre Reus, contadas pelos meus professores, padres jesuítas. Reus foi um homem místico, que recebia visões quando celebrava missas. Escreveu inúmeros livros em português, espanhol, alemão e italiano. Hoje, o Santuário Sagrado Coração de Jesus, no cemitério do qual descansa o seu corpo, é um dos principais pontos turísticos de São Leopoldo. Em Porto Alegre, seu nome foi dado a uma das principais vias da Zona Sul, que atravessa três bairros: Tristeza, Camaquã e Cavalhada.

 

Se querem saber a razão de eu ter escolhido o Padre Reus para proteger o Grêmio, digo que se deveu a um técnico de futebol, o Capitão Carlos Benevenuto Froner. O primeiro time a ser treinado por ele foi o Grêmio Esportivo Leopoldense, coincidentemente ou não, na cidade em que o Padre Reus se estabeleceu e viveu até falecer. Froner era devoto do Servo de Deus João Batista Reus. Tanto falava nele que me levou a acompanhá-lo na devoção pelo Padre Reus.
Enfim,acho que este tipo de crença, que me perdoem os incréus, nos ampara nos momentos difíceis que todos precisamos enfrentar. Acreditar é preciso e só faz bem.

 


Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)

Vereador vai buscar voto na Igreja

 

Candidato na missa de domingo é sinal claro de que a campanha eleitoral começou. Sentado na primeira fila da enorme Igreja de São Paulo Fourier, na Super Quadra do Morumbi, sempre cheia e frequentada por gente humilde da região, estava o vereador e candidato Antonio Carlos Rodrigues (PR), que tem a área traçada como seu reduto eleitoral. A missa rezada pelo Bispo Dom Emílio Pignoli, da Diocese de Campo Limpo, costuma ter um bom número de fiéis e a presença deles nesse domingo de chuva e frio não decepcionou. Jamais havia visto o vereador na Igreja, o que não significa que este não seja seu hábito aos domingos. Pode ser apenas uma coincidência. O que não consegui entender é porque antes da benção final, quando são feitos os convites para participação em eventos religiosos e oferecidos alguns produtos à venda na livraria da Igreja, o comentarista da missa fez questão de citar a presença do vereador, desejar-lhe sucesso na campanha e pedir uma salva de palmas. Por mais que saiba que transformar o altar em palanque é prática comum no Brasil, esta mistura ainda me incomoda muito. E me senti assistindo, ao vivo, à uma cena de ‘O Bem Amado’.

Cruz credo, más notícias

 

Por Milton Ferretti Jung

 

Das múltiplas informações que me chegam pela mídia,pelo meu PC e por tantos outros meios ao alcance das pessoas, hoje em dia, existem algumas que me irritaram profundamente, outras que me estarreceram. Vou citar três para não extrapolar o espaço que o Mílton, bom filho que é, me reserva em seu blog nas quintas-feiras. Em férias, não enviei textos nas duas últimas. Sei que ele, porque avisado por mim, se deu conta de que eu não compareceria.Se mais alguém notou minha breve ausência, agradeço.

 

Vou enumerá-las em ordem inversa. Ouvi, na manhã de hoje, ao acompanhar, como faço sempre, as notícias locais do Jornal da CBN, além é claro, das do restante do Brasil e do Mundo,apresentadas pelo meu filho, que foram 19 as vítimas fatais de acidentes de trânsito registrados apenas nesse fim de semana aqui no Rio Grande do Sul. Este número é maior do que as ocorrências deste tipo que se verificaram durante o prolongado feriado do carnaval. Não pretendo ser injusto com as Polícias Federal e Estadual às quais está afeta a segurança das rodovias gaúchas. Creio que a redução do número de acidentes nos feriados mais longos se deve ao aumento dos efetivos das duas polícias, o que facilita a fiscalização, seja a feita com radares, seja as que preveem, em determinados locais, a vistoria de veículos. Estamos todos cansados de saber que, com o crescimento estupendo do número de carros, muitos saem para as estradas sem as melhores condições e, outos tantos, dirigidos por neófitos, com experiência zero em rodovias. Seria interessante que o policiamento nas estradas federais e estaduais fosse, pelo menos nos fins de semana, parecido com o que é programado cuidadosamente para os feriados prolongado.s Não reparem se não uso o termo feriadões, que acho um aumentativo horroroso, pura mania de grandeza de quem se serve deles.

 

Embora eu seja velho e digite debaixo do peso de meus 76 anos, revolta-me saber que todos os aviões que transitarem nos céus deste país deverão oferecer, a cada voo, dois assentos gratuitos para velhos com mais de 65 anos e renda de até dois salários mínimos. Isso se for aprovado o demagógico projeto do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB). O projeto prevê outras asneiras. O pior dele é que, se entrar em vigor, ”jovens de 15 a 29 anos” (agora um cara com 29 anos é jovem. Se fosse profissional de futebol seria considerado semiveterano). Esta é a tal de “bolsa-avião”, como se já nas bastasse as demais criadas pelos último governos.

 

Prometi tratar de três notícias que, para mim, foram, no mínimo, desagradáveis. Esta eu li no dia 22 de fevereiro, por infeliz coincidência quarta-feira de cinzas, o início da quaresma. Prédios da Justiça do Rio Grande do Sul não poderão mais ostentar crucifixos nas suas paredes, uma decisão do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça. Tenho ganas de escrever “justiça”. O TJ atendeu solicitação da Liga Brasileira de Lésbicas e de grupos de defesa dos direitos dos homossexuais. Foi chutada, escorraçada a botinadas, uma das mais puras tradições do nosso estado. A quem faz mal, num tribunal, olhar para um crucifixo? Nunca a presença de um emblema como este causou qualquer espécie de constrangimento a não ser para quem possui, para tal, razões que fogem ao meu envelhecido e revoltado alcance. A desculpa absurda é que respeita a diversidade de religiões. E li isso de um jesuíta. Deus me livre de precisar entrar num tribunal gaúcho. A militância anticristã está em festa, escreveu o advogado e jornalista Cleber Benvegnú,na Zero Hora do dia 8 do corrente. E eu concordo.

 


Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)

De bom e mau

 

Por Maria Lucia Solla

 


Ouça “De bom e mau” sonorizado e na voz da autora

 

 

Olá,

 

pisquei, e a segunda virou quinta. Os dias correm como nós, e num desses dias voadores liguei a televisão e ouvi que o número de assaltos a residência e estabelecimento segue crescendo. Confirmei também que a civilidade segue diminuindo e que a fúria do invasor atinge nível de dar náusea. Se sequestra e se mata por tudo e por nada também. Humano tortura humano, legal e ilegalmente; se degrada, dissolve, mingua.

 

Tem muito ódio, muita raiva, muita amargura nos corações. Campeia a traição, o abuso e o descaso pelo outro. A sociedade do eu primeiro vem fortalecendo alguns músculos, mas vem deixando definhar o próprio coração. Se sobressai no índice do dinheiro, do consumo, e se retrai na educação, no respeito, na consciência do real direito de cada um.

 

Mas tem o outro lado onde pipocam projetos sociais; gente que troca o dia-a-dia, o conhecido, o conforto, pelo inverso da medalha. Gente que se arrisca no universo da diferença, do carência, da doença, do desengano, onde acaba encontrando – dizem os que se entregam – um presente da vida.

 

De um lado o invasor, do outro o libertador. É o que vemos desde criança no desenho animado. Bom contra mau. Falávamos disso, meu filho e eu, no domingo passado. Sobre repressão, criminalidade e atividade das polícias. E eu pergunto o que mais vai ser preciso proibir, quantas vezes mais vai ser preciso remendar a Constituição, para podermos saciar a boca faminta da justiça, do suborno, e das polícias, num desbotado filme de bandido e mocinho.

 

Enquanto o bom continuar a se entrincheirar e se armar para combater o mau, será só um arremedo de bom. Será um mau presunçoso a se considerar do bom lado da cerca. Só isso. E o mau, acreditando ser mau porque é isso que lhe dizem desde que entendeu a primeira palavra, o primeiro olhar, se arma para resistir, lutar e atacar o bom.

 

Não tenho a solução, nem na palavra nem no pensamento, mas sinto no coração que ela existe e que é possível; e tenho certeza de que você também sente. É preciso, no entanto, que a galera do bloco bom não se pavoneie, sentando nos próprios pés na ilusão de que não percebam seu medo e sua vergonha, e que não continue apontando, de bico erguido, o erro do vizinho. Em qualquer área, em todo nível social, cultural, no bloco civil, no bloco militar, penso em gente, não em casta.

 

As maiores e mais fratricidas guerras foram guerras religiosas; e continuam sendo. O religioso rotulado, que se considera bom, fica cada dia mais agressivo e arregimentador. É só olhar em volta, para os que rezam estirados no chão para falar com Deus, e os que se ajoelham para fazer a mesma coisa. Para os que aceitam os santos, e os que não aceitam. Para os que consideram Jesus o Messias, e aqueles que não. É guerra que, como todas as outras, é feia, dissimulada, discriminatória e preconceituosa, disfarçada de divina, correndo solta, acelerando o tempo que se esgota para que a consciência se instale como programa de tecnologia de ponta.

 

Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.

 


Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung