Por Carlos Magno Gibrail
A Câmara Municipal de São Paulo aprova projeto que regulariza o fechamento de ruas, consolidando projetos anteriores e possivelmente contribuindo para resolver os mais de 200 casos que o Ministério Público interpôs questionamentos. Entretanto acrescenta o “traffic calm” que é uma proposta para impedir que volume pesado de trânsito adentre a áreas residenciais não preparadas para absorver tal impacto.
Assunto indigesto, pois adiciona à questão do fechamento de ruas, que por si só aglutina aspecto urbanístico, social e comportamental, o tema do trânsito onde mais uma vez o destaque é o automóvel. Tirano absoluto diante da demagogia escancarada de Prefeito e Governador, submissos à seu reinado com medo de perder votos, de uma população refém da própria desinformação. Desconhecem que para uma população de 11 milhões de pessoas, há 6 milhões de carros, além de terem esquecido a lei de Lavoisier, que previne: “Dois corpos não ocupam simultaneamente o mesmo lugar no espaço”
Do caos de hoje vamos ao que a história da cidade conta há 107 anos , quando uma empresa inglesa decidiu efetuar uma experiência pioneira no mundo e simultaneamente em duas cidades, Londres e São Paulo :
“Em 1912, instalava-se na capital paulista com o nome de City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company Ltda. A “Cia. City”, como a empresa ficou conhecida, iniciou suas operações comprando milhares de metros quadrados de terras que hoje estão entre os melhores bairros da cidade, tais como Jardim América, Pacaembu, Alto de Pinheiros e Alto da Lapa.A visão de futuro da empresa não se revelou apenas na escolha dos terrenos. Desde o início, sua atividade comercial foi associada ao desenvolvimento urbano de São Paulo. Nas áreas que urbanizava a Cia. City implantava todas as benfeitorias indispensáveis à qualidade de vida do morador: pavimentação das ruas, arborização das áreas comuns, implantação de sistema de água e esgoto, gás encanado, bem como fartos espaços públicos, praças e parques para promover a convivência entre os moradores. Assim a Cia City abraçava responsabilidades muito além de seus projetos privados. Além dessas ações, como parte de sua estratégia de urbanização, a empresa promovia junto ao poder público o fornecimento de serviços complementares essenciais: iluminação e transporte. Quem não ouviu falar na “Light” dos velhos tempos e dos bondes circulando pela elegante Rua Colômbia?
Com isto, a empresa estabeleceu critérios urbanísticos que influenciaram não só a ocupação de seus terrenos como também os padrões que no futuro vieram reger as Leis de Zoneamento Urbano.
Além disso, a Cia. City contratou os arquitetos ingleses Barry Parker e Raymond Unwin. O objetivo era construir em São Paulo o Jardim América, primeiro bairro a seguir os moldes da cidade-jardim, conceito urbanístico que se opunha à cidade caótica e desregrada e que começava a ser implementado na Inglaterra.Em sub-centros, harmonizando os diversos usos, trabalhando de maneira suave a transição entre o urbano e o rural. Desta forma, a cidade-jardim rompia com os modelos propostos durante as revoluções industriais, caracterizados por um único centro ao redor do qual iam se agregando bairros periféricos, com traçados de ruas estanques e sujeitos a todo tipo de descaracterização, principalmente as advindas do adensamento populacional”.
Ou seja, a Cia. City mostrou ao mundo há 107 anos que Londres e São Paulo propunham um novo urbanismo para áreas residenciais, onde moradores, flora e carros viveriam prazerosamente. As ruas sinuosas eram essenciais para não prevalecer o tráfico de veículos e não descaracterizar a convivência urbana de casas em ruas abertas, jamais fechadas.
O cluster é o bairro e não a rua.
O processo gradativo e anômalo de fechamento e isolamento a título de premissas apressadas, como segurança, segmentação e estilo de vida, que nada mais é do que uma demonstração de autoritarismo e egoísmo refletido escandalosamente nas Câmaras, Assembléias, Congresso Nacional, poderes Executivo e Legislativo.
Tal qual no Senado das medidas secretas, iremos fechar ruas, que irão beneficiar uns poucos ao mesmo tempo em que se contrabandeia para a mesma pauta legislativa a “traffic calm” que irá beneficiar todo um bairro .
Lembremos que o direito de ir e vir é como pedestre, não de automóvel, e o direito de dormir é como morador. Fato consumado, não há necessidade de fechamento de rua, além de evitar a criação de um cidadão que não mais respeitará o que estiver fora de seu cluster.
Carlos Magno Gibrail é doutor em marketing de moda, escreve às quartas no Blog do Milton Jung e quer garantir o direito de andar na cidade.

