Caso Battisti: Carta aos Brasileiros

A decisão do governo brasileiro de impedir a extradição de Cesare Battisti tem provocado uma série de reações na Itália e uma troca de cartas há muito não vista. Os escrivinhadores não poupam tinta para demonstrar a indignação italiana com as justificativas do ministro da Justiça Tarso Genro. Mensagens já foram enviadas ao presidente Lula e ao Congresso Nacional.

Nesta sexta-feira 23, conversei com o presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falconi Walter Maierovitch que tem acompanhado esta perrenha e, como poucos, tem conhecimento do processo que levou à condenação de Battisti, na Itália. Maierovitch acabara de escrever texto sobre o tema no qual incluio a “Carta aos brasileiros”, escrita pelo magistrado Armando Spataro.

Publico aqui trecho do texto de Maierovitch com alguns comentários seus no qual destaca mais esta missiva gerada pelo entendimento de Tarso Genro de que Cesare Battisti é um perseguido político e não assassinado, como entendeu a corte italiana:

“No Brasil, o assassinato ao bom Direito e as distorções dos fatos levaram o magistrado Armando Spataro, responsável pela Coordenação do Departamento de Repressão ao Terrorismo, enviar uma nota aos cidadãos brasileiros, que passo a reproduzir (tradução livre) e a endosso:–1. “É difícil para os italianos, efetivamente, compreender como a um tal  assassino desse quilate (Cesare Battisti) possa-se conceder abrigo político. É oportuno partir dos fatos para desmentir argumentos frequentemente utilizados por Battisti e pelos seus “amigos”.–2. “Battisti não é um extremista (revolucionário) perseguido na Itália pelas suas idéias políticas. Ele é um criminoso comum que cometia roubos para o fim de obter lucro pessoal.Battisti se politizou no cárcere. Assim, ingressou numa organização terrorista que cometeu crimes de assassinatos e lesões corporais

Battisti foi preso em junho de 1979, junto com vários cúmplices, numa célula terrorista de Milão, onde foram apreendidas metralhadoras, pistolas, fuzis e documentos falsos”.

–3. “Battisti foi condenado à prisão perpétua ( Nota do blog: o prazo de cumprimento da pena na Itália, como no Brasil, não pode ultrapassar 30 anos) “ por crimes graves, entre eles quatro homicídios.

Em dois dos homicídios ( do cabo Antonio Santoro em Udine, 6/6/1978 e do policial Andréa Campagna (Milão, em 19/4/ 1979), Battisti disparou contra as vítimas (executor matreial dos crimes).

No terceiro homicídio (Lino Sabbadin, açougueiro, morto na cidade de Mestre, em 16/2/1979) teve o papel de ficar vigiando e dando cobertura, em auxílio dos executores materiais.

O quarto assasssinato, de Pierluigi Torregiani, joalheiro em Milão e consumado em 16/2/1979, Battisti participou da decisão de matá-lo e foi o organizador da expedição assassina.

Gostaria de solicitar e saber do ministro brasileiro da Justiça quais motivações políticas ele vê nos homicídios de um joalheiro e de um açougueiro, ambos “justiçados” por terem reagido (reagiram ao assalto que eles tinham sofrido). Também perguntar ao mesmo com relação ao policial e ao cabo (Nota do blog: cabo carabineiro = a membro da nossa policia militar).

–4. Não é verdade que Battisti tenha sido condenado apenas por acusações do colaborador de Justiça (arrependido) Pietro Mutti.

Afirmar isso  significa ofender a seriedade da Justiça italiana.

As confissões de Mutti, efetivamente, foram confirmadas por muitas testemunhas e pela prova emprestada (Nota do blog: dadas em processos outros), diante de sucessivas colaborações e relatos de diversos terroristas.

A verdade, frise-se, está escrita nas sentenças, que estão à disposição de qualquer pessoa que tenha a paciência de ler e cujos argumentos para condenar estão firmados em alicerces  graníticos.

–5. Não é verdade que para Battisti tenha sido negada a possibilidade de se defender, enquanto esteve ausente (fuga) durante o curso dos processos.

O certo é que Battisti não quis enfrentar a Justiça, fugindo, em 1981, do cárcere onde estava preso.

Não foi por mero acaso que a Corte Européia de Direitos Humanos de Estrasburgo (França) rejeitou o recurso de Battisti que reclamava em razão da extradição concedida pela França. Entendeu-se “manifestamente infundado” o recurso e afirmou a Corte que, em todos os processos, Battisti esteve sempre assistido pelos seus advogados de confiança.

Será que também a Corte de Estrasburgo perseguiu Battisti ?

–6. É falso afirmar que a Itália e o seu sistema judiciário não estavam em condições de garantir direitos às pessoas acusadas de terrorismo no que se convencionou chamar de “anos de chumbo”. É uma afirmação que nos ofende (magistrados).

Foram tantos os juízes, advogados,homens de instituições e policiais, que foram covardemente assassinados por pessoas como Battisti apenas porque aplicavam a lei.

A Itália não criou Tribunal de exceção e nem militar, nem trilhou caminhos antidemocráticos na luta contra o terrorismo.

Sobre o acontecido naqueles anos, recordou o nosso presidente da República, Sandro Pertini (partido socialista), que a Itália podia honrar-se de ter brecado o terrorismo nas salas de audiências da Justiça, com respeito à lei e à Constitição, numa alusão feita aos métodos legais em vigor (. . .)

–7. Não creio que o refúgio político conferido a Battisti tenha sido imaginado pelos “elaboradores das nossas democracias” para garantir impunidade às pessoas como Battisti, que foi um dos assassinos mais impiedosos e  determido que o terrorismo italiano conheceu (. . .)

–8. Autoridades brasileiras devem repensar a decisão.

Não porque a Justiça queira vingança, mas porque ela é a sede de afirmação das regras do Estado de Direito: e quem a viola, –ainda mais quando uma pessoa mata o seu semelhante–, deve pagar. Sem isso as democracias se desmentem a si próprias.”

ARMANDO SPATARO,

Magistrado da coordenação do Departamento Antiterrorismo.”

Leia mais no site do IBGF

2 comentários sobre “Caso Battisti: Carta aos Brasileiros

  1. Ao Sr. Carlos Magno Gibrail, responde a caneta-falante Concetta Rompe-coglione.

    1.No caso dos atletas boxeadores, o ministro afirma que eles saíram voluntariamente do país.
    Há quem acredite em papai-Noel, o que se pode fazer.

    2.Quanto ao Battisti, ao fundamentar a concessão do refúgio político na presunção de que corria risco de morrer na hipótese de ingressar na Itália, confundiu a nação peninsular ou com Darfus (Sudão) ou com a sede da Mancha Verde.

    Sobre os factóides que Genro criou, tomo a liberdade de anexar o artigo publicado na Carta Capital e recomendo, no Portal do Terra (terra magazine-blog Sem Fronteiras do Wálter Fanganiello Maierovitch) o comentário ao texto do semanário inglês The Economist, onde se fala, no caso Battisti, da posição anacrônica do presidente Lula.

    Atenciosamente.

    Concetta Rompe-coglioni.
    …………………………………..
    O FARDO DA DECISÃO DE GENRO.

    Terra de Antonio Gramsci, pensador, jornalista, um dos fundadores do Partido Comunista Italiano e encarcerado pelo regime fascista que por 20 anos dominou a Itália, de Enrico Berlinguer, um dos artífices do eurocomunismo de oposição ao modelo soviético, por pregar o pluralismo político com respeito à democracia ocidental, e de Giorgio Napolitano, do comunismo histórico e atual presidente da República, a Itália recebeu com júbilo a eleição de Lula.

    Tanta e justa admiração começou a ser tisnada. Isso em face de o ministro da Justiça, Tarso Genro, haver lançado decisão de outorga de status de refugiado a Cesare Battisti de forma ofensiva à Itália e sem visos de juridicidade. A arte de Procusto empregada por Genro reduziu o prestígio de Lula e causou indesejada queda-de-braço entre o Brasil e a Itália: Lula vs. Napolitano.

    Battisti, ex-terrorista, encontra-se definitivamente condenado como mandante e co-executor de quatro assassinatos. A Justiça da França entendeu ser caso de extradição e Battisti de lá fugiu. Genro, para beneficiar Battisti, presumiu correr ele risco de perder a vida na Itália.

    O presidente Napolitano não engoliu o desaforo. Na carta enviada a Lula destaca dois pontos: 1. “O Estado republicano italiano contrastou o terrorismo sempre agindo no plano democrático e do Estado de Direito, sem conceder à eversão o reconhecimento político de contrapoder que as suas organizações pretendiam. Passamos por uma prova árdua, terrivelmente dolorosa e que ainda não se concluiu”, numa referência clara à impunidade que o Brasil está conferindo a Battisti. 2. “No nosso Estado democrático, os sistemas penal e penitenciário mostraram-se generosos (…) e quem acertou contas com a Justiça teve o direito à reinserção social, mas com discrição e sem que nunca deixassem de saber das suas responsabilidades ético-morais, embora liquidadas as criminais-penais.” A propósito, na Itália, o cumprimento da pena não pode passar de 30 anos e o ergastolo (pena perpétua) é apenas nominal.

    Como recordou o jornal Corriere della Sera, Napolitano sempre foi muito sensível às vítimas dos chamados “delitos de sangue” perpetrados por organizações terroristas. Entre civilizados, não se considera crime político o assassinato em democracias. Por isso, Battisti recebeu condenações por crimes comuns.

    Em 1973, quando a CIA comandou por interpostos generais o golpe no Chile e se incomodava com o crescimento do Partido Comunista Italiano (PCI), vários líderes antifascistas, entre eles Berlinguer, Napolitano e Aldo Moro, firmaram o célebre “Compromisso Histórico Italiano”, de “prevenção contra as tentações extremistas”. Os extremistas quebraram o pacto.

    O terror começou em dezembro de 1969, com explosão de bomba na Piazza Fontana (Milão), responsável por 17 mortes e centenas de feridos. Até dezembro de 1977, foram 2 mil atentados. O Parlamento elaborou, observada a Constituição e o devido processo legislativo, leis de emergência, e não de exceção.

    A agremiação de maior prejuízo pela estação terrorista foi o PCI. O minúsculo Proletários Armados para o Comunismo (PAC), de Battisti, almejava derrubar o Estado democrático pelas armas e não pelo voto. Battisti era um presidiário que se interessou por política no cárcere. Ingressou no PAC e, para não deixar barato, fez do seu antigo carcereiro uma das vítimas.

    No curso do processo, Battisti fugiu da cadeia e o ministro Genro insiste ter sido ele julgado à revelia, sem defesa. No Brasil, teria ocorrido o mesmo, pois o citado para o processo que foge pode ser julgado à revelia. A propósito, Salvatore Cacciola acabou condenado à revelia, pois quando fugiu já havia sido citado.

    A França e a Corte de Direitos Humanos da União Europeia não aceitaram os argumentos de Battisti, que sempre teve a permanente assistência de advogados contratados, da sua livre escolha.

    Genro não leu a nossa Constituição antes de se queixar de a Itália haver negado extraditar o ex-banqueiro Cacciola. Aqui, como na Itália, os nacionais não podem ser extraditados. Da mesma maneira, Fernandinho Beira-Mar, caso a Itália se interessasse, não seria extraditado. Genro confundiu a Itália com a Colômbia, que admite a extradição de nacionais.

    No Brasil, como na Itália, vale o princípio da livre convicção do juiz desde 1941, antes de Genro nascer. Genro, ao sustentar que o testemunho de um delator não vale, contraria o referido princípio da livre convicção e ingressa, indevidamente, na avaliação do mérito da decisão da Justiça italiana. Ainda mais, no Brasil, admite-se o instituto da delação premiada.

    Pano rápido: Lula carrega o fardo da decisão de Genro. E deve estar preparado, pois o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, poderá convencer os seus pares a conceder a extradição e desconsiderar a decisão do ministro como impeditiva. Aí, Lula ficará entre a definição de Genro e a da Corte Suprema.

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