O pioneiro do trólebus

Manoel Vieira Filho tem sua história contada a bordo dos ônibus e trólebus de São Paulo. Encontrado pelo jornalista Adamo Bazani, se transformou em personagem de mais este capítulo da série sobre os 60 anos do trólebus no Brasil. A relação de Manoel e o pai dele com o transporte de passageiro será apresentada em duas partes. Hoje, Adamo fala de como se iniciou esta paixão da família Vieira e a influência do sistema de ônibus e trólebus no desenvolvimento de alguns bairros da capital. Semana que vem, você vai saber detalhes do dia em que Manoel Vieira Filho substituiu o Governador Adhemar de Barros.

O motorista do trólebus

Era tarde de sábado, 24 de abril de 2009. Trólebus antigos e novos estavam estacionados no Parque da Independência, no bairro do Ipiranga. Uma homenagem aos 60 anos deste modelo de transporte na cidade de São Paulo. Este repórter de profissão e amante de ônibus, jamais imaginara que poderia se emocionar ao ver tanto amor ao ramo no relato de um homem: Manoel Vieira Filho, 60 anos, dos quais 34 dedicados ao transporte urbano na capital paulista.

Os trólebus que ali estavam expostos ao sol de outuno pareciam interagir com Manoel, enquanto ele contava a história dele e do pai. Lágrimas e sorriso marcaram a entrevista. Do entrevistado e do entrevistador. A medida que Manoel Vieira Filho fazia seu relato, este repórter dava uma espiadinha para trás, onde estavam os carros mais antigos. A sensação era de que aquelas máquinas elétricas mudavam de expressão de acordo com o fato descrito. Sorriam enquanto Manoel lembrava das alegrias que viveu; choravam enquanto o velho profissional recordava suas emoções.

“Tudo que sou hoje, devo a eles. Minha casa, meu carro, o sustento de minha família e até meus caráter”, descrevia Manoel Vieira que começou a trabalhar como office-boy na Viação Nações Unidades, em 1964, na zona norte, que, segundo ele, era uma área pouco habitada e de difícil acesso.

Esta paixão pelo trólebus veio da família. Veio do grande ídolol, o pai, Seu Manoel Vieira, que começou a trabalhar em 2 de dezembro de 1941, na Auto Ônibus Santana.  Vieira Filho começou a frequentar as garagens com o pai quando tinha apenas 5 anos, mais do que suficiente para perceber que nascia uma paixão.

O pai, falecido, fez parte do nascimento da CMTC – Companhia Municipal de Transportes Coletivos. A empresa em que ele trabalhava foi encampada pela companhia municipal. A garagem da Auto Ônibus Santana, na rua Alfredo Pujol, 1197, abrigava toda a frota da empresa, pouco mais de 30 ônibus.

A  criação da CMTC foi autorizada pelo prefeito Abrahão Ribeiro, através do Decreto-Lei Municipal número 365 de 10 de outubro de 1946.  Em 12 de março, a prefeitura transfere o patrimônio da São Paulo Tramway Light and Power Company Limited referente a transportes coletivos para a CMTC. Em 14 de março, é constituída a primeira diretoria da Companhia: Aldo Maria Azevedo, presidente; Guilherme Winter, vice; Lúcio Miranha, tesoureiro; Eurico Sodré, secretário.  Em 18 de junho, a CMTC é autorizada a funcionar pelo Decreto-Lei 987 do prefeito Christiano Stokler das Neves. Em 1º de julho, o patrimônio da São Paulo Tramway Light and Power Company Limited é oficialmente transferido para a CMTC que inicia as operações. Várias empresas de ônibus foram encampadas pela Companhia Municipal e com a Auto Ônibus Santana, onde trabalhava Manoel Vieira, não foi diferente. Os funcionários foram levados para uma garagem na Rua Garibaldi, 61, antigo prédio da Shell.

A partir da municipalização surgia uma nova concepção nos transportes da cidade. Com investimento do poder público, linhas e mais linhas eram criadas. Na zona norte em menos de um década, o número de linhas passou de cinco para mais de 30.

O setor, nessa época era carente de mão de obra. Vieira Filho diz que muitas famílias não queriam ver os parentes trabalhando com ônibus. Era um negócio meio primitivo ainda, para aventureiros e muitos não queriam se arriscar. Além disso, apesar do pioneirismo, nem todo mundo tinha condições de trabalhar dirigindo estes veículos. Muitos motoristas de carros de praça (os atuais táxis) e de caminhão se frustravam.
Até o fim dos anos 50, a maior parte dos ônibus era de mecânica importada, diferente de veículos mais simples nacionais. “Como subinspetor e depois inspetor, meu pai recebia treinamento da CMTC quando comprava os ônibus importados e depois treinava os motoristas de linha”.

Os bairros cresciam com os ônibus

Uma família no trólebus

Manoel Vieira Filho lembra do pai contando que muitos donos de ônibus e motoristas levavam enxadas nas mãos e com os próprios braços abriam caminhos em pequenos bairros, que depois se tornariam grandes aglomerações residenciais e comerciais, em São Paulo.
“As imobiliárias pediam para os ônibus chegarem a determinados locais para formarem bairros e a CMTC conseguia responder muito rapidamente isso. Um fato que não vou esquecer foi no bairro Santa Inês, onde diziam que numa igrejinha, uma santa chorava, lá pelos anos 50, 60. O dono dos loteamentos próximos pediu para a CMTC uma linha de ônibus e, em poucos meses, o local se tornou populoso.”

Pai e filhos assistiram e ajudaram a nascer outros bairros na capital:

São Miguel Paulista – Até os anos 50, o local ainda era vazio, com vastas áreas de vegetação e poucas edificações. Manoel Vieira Filho lembra que a CMTC tinha apenas seis ônibus para servir a região, principalmente por causa da indústria Nitroquímica. Mas com a oferta de transportes na região, o bairro se tornou atraente principalmente para quem não tinha condições de morar no centro da Capital. Hoje a região é de alta densidade populacional.

Itaim Paulista – O bairro era antigo, mas pouco populoso e com difíceis ligações para a região central e outras regiões da capital. A área compreendida hoje pela Avenida Marechal Tito era ocupada pela Estrada Velha São Paulo – Rio. Empresas de ônibus particulares e principalmente a CMTC começaram a intensificar os transportes na região que se tornou atraente. Com mais transportes, mais gente, e com mais gente era necessário mais transporte. Um movimento de mão dupla.

Ipiranga – Ainda nos anos 40, as margens do Rio Ipiranga, onde foi proclamada a Independência do Brasil, não eram tão poluídas e tão populosas. No fim da década, a criação da CMTC foi fundamental para a região. No local, a empresa instalou o IAPETEC, que era o centro de atendimento médico da empresa. “Quantas vezes fui com meus pais para consulta no IAPETEC”, recorda-se Vieira Filho. Uma das primeiras linhas de trólebus ligava a região a Praça João Mendes, o que transformou o Ipiranga e o entorno numa área mais atrativa para investimento imobiliário.

Vila Formosa – Vieira Filho e o pai viram a região crescer com a criação da primeira linha de trólebus na zona Leste de São Paulo. Em 1958 foi criada a linha 302, que ia pela Regente Feijó até a Praça Sampaio Vidal. Logo em seguida, com o desenvolvimento dos bairros, a linha foi prolongada para a Vila Formosa.

Jardim São Roberto – Num passado não muito distante, em 1981, Vieira Filho, com os ônibus da CMTC, diz que participou da “Inauguração” do Jardim São Roberto. O local, cercado pelo Parque Santa Madalena e Jardim Elba, tinha pouca infraestrutura. “Era um buraco sem condição nenhuma. A medida que a CMTC aumentava a frota pra lá, aumentava a população”

Tucuruvi e Santana –  Caminhos de terra, aclives e declives acentuados, lamaçais eram comuns nas ruas residenciais da região norte da Capital Paulista entre os anos 30 e 50. “Meu pai tinha um colega, que também era inspetor, apelidado de Sorocaba, que tinha de levar enxada e pés de cabra dentro do ônibu por causa das vias. O José Pepe, que trabalhou comigo e hoje é dono de uma empresa de ônibus de turismo chamada Corcovado teve de tampar muito buraco na zona Norte. O sr. Garcia, na época dono da Viação Nações Unidas, desbravou corajosamente a zona norte, que até os anos 50 tinha só três linhas. Hoje há mais de 40 na região. O sr. Belarmino de Ascenção Marta, atualmente um dos maiores empresários de São Paulo, dono do Grupo Sambaíba, da Capital, da Osastur, de Osasco, da VB – Viação Bonavita, da região de Campinas, entre outras, lavava os ônibus e a garagem da Viação Brasil Luxo, sujos de barro da região. Foram grandes exemplos”

Adamo Bazani é jornalista da CBN e busólogo, toda terça-feira conta mais um capítulo da história do transporte de passageiros, em São Paulo.

10 comentários sobre “O pioneiro do trólebus

  1. gostaria de pedir o Milton, para entrar em contato com nosso querido vereador Alan Neto, e perguntar para ele, por que eles nao fazem nada para o bairro parque continental, tem um terreno enorme da prefeitura, pedimos a eles para fazerem um posto de saude para populaçao do bairro e dizeram que nao tem verba para isto, sera que com uma folha em torno de R$ 2.000,000.00 gasto com eles todos meses, nao sobra nada para fazerem esta obra. ainda fala em colocar mais 20 estagiarios, alem dos 20 funcionarios que trabalham para cada um vereador , e fale que o quadro esta defasado, sera que a saude da populaçao nao merece um pouco mais de consideraçao por parte deles, ja que somos nos que colocamos eles la.

  2. Ádamo,

    Mais uma vez parabéns pela pesquisa, pela matéria. Assim como algumas empresas preservam o passado dos transportes restaurando veículos que nos trazem gratas recordações, você, com suas pesquisas, nos passa “um filme”.

    Trazer-nos o amigo Manoel Vieira Filho nessas páginas, e sabemos ser ele uma “jóia” desse acervo, é saber recuperar nossa memória, é construir nossa história.

    Continue nos brindando e contribuindo para com nossa cidadania brasileira, melhorando assim nossa auto estima.

    Kaio
    Primeiro Clube do Ônibus Antigo Brasileiro

  3. Nos anos 80, conheci Manoel Vieira Filho, Roberto Gomes Martins, Sandoval Dias de Carvalho, Valdemar do Nascimento Borges, Ezequiel Aranha (tinga), Douglas ( pres. do clube CMTC) e muitos outros antigos colegas de empresa.
    Quando ouvi na CBN que o Mané tinha sido entrevistado pelo Adamo, não sosseguei até ler a reportagem. A chapeuzada de bico da CMTC que na condiçao de advogado sindical ainta tenho varios contatos, ficarão emocionados.

    Abraços.

  4. O erro de ter acabado com o trolebus, é o mesmo de ter acabado com a malha feroviária Brasileira.
    Em nome do moderno e do desenvolvimento a qualquer custo, vamos morrendo no trãnsito, e inalando Diesel venenoso.

    Jesulino.

  5. Se oa nossa prefeitura, ambientalistas, ONGs, governos querem a todo custo diminuir a poluição, porque esta matando gente a bessa, o diesel é pessimo etc.
    Porque tiraram os onibus eletricos de circulação principalmente os que circulavem, confortaveis, silenciosos na avenida santo amaro?
    Cada contradição heim!
    Alguem pode responder-me por favor?
    Grato
    Armando Italo

  6. Parabéns pela sua matéria.
    É uma pena que a Prefeitura de São Paulo não valoriza o sistema de Trólebus da Cidade. Enquanto em muitas cidades da Europa está expandindo o sistema, aqui ele está se degradando. Veja o que fizeram com os Elétricos da Zona Norte, Santo Amaro e o que estão fazendo com as linhas em circulação. Uma péssima manutenção da Rede ocasionando uma série de transtornos para o trânsito e usuários. Gostaria muito que você pudesse através da mídia cobrar melhorias para o nosso Trólebus, principalmente na modernização da rede aérea, inclusive conscientizando a população da importância desse meio de transporte, que é um dos símbolos da Capital. Mais uma vez Parabéns. Abraço.

  7. Prezado Manoel,
    Parabéns mais uma vez!!!! seria inimaginável no ano que comemoramos os 60 anos do trólebus não contar com sua indispensável e inestimável contribuição que só vem a enriqueçer a nossa memória do ônibus em São Paulo.Sua história de vida é um verdadeiro patrimônio de nossa cidade.Sinto-me orgulhoso de tê-lo como meu amigo e aproveito o ensejo para pedir que por gentileza entre em contato comigo para conversarmos,também agradeçendo imensamente o comentário postado na matéria a meu respeito,e reforço ainda que tenho tentado entrar em contato,sem sucesso.Um forte abraçoe parabéns!! Waldemar,w.70freitas@gmail.com xx11 9615 1720

  8. Obrigado meus amigos pela gentileza e as palavras de carinho e sinceridade.
    Meu grande amigo Daniel fico feliz em saber que você hoje é um homem de profissão liberal quero falar com você, vou deixar meu Cel. para vocês, 11 – 73457983.
    Obrigado meu amigo Kaio grande parte deste estimulo eu devo meu amigo, com fé em Deus vamos continuar resgatando as histórias dos nossos queridos Ônibus e dos Tróleibus hoje é o ideal para o efeito estufa.
    Meu Amigo Waldemar já lhe passei meu contato via e:mail, espero vocês e mais amigos dias 21 e 22 de Novenbro no Memorial América Latina no Metrô Barra Funda (Entrada Franca) no 1º Clube do Ônibus Antigo.
    Um abraço a todos.
    Manoel ou Mané

  9. trabalhei na cmtc e depois na viação cidade tiradentes,ainda quando se chamava fioravante,lembro-me de manoel vieira,cara muito gente boa,manoel voce não vai se lembrar de mim aqui dessa forma,mas fico feliz que voce ainda esta por aqui com sua historia,ja me aposentei do transporte coletivo,abraços manoel,voce e realmente uma lenda no nosso ramo,fique com Deus!!!

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