Em comemoração aos 456 anos da cidade de São Paulo, o Ponto de Ônibus do repórter Ádamo Bazani terá uma edição especial com reportagens diárias sobre a história do transporte público na capital paulista. Na primeira parte você acompanhará a migração dos passageiros de bonde para os ônibus.
Por Adamo Bazani
Quando se fala na cidade de São Paulo, se fala em ônibus. E isso não é papo de busólogo. Os números e a história de como se deu o desenvolvimento urbano da Capital mostram essa realidade. E nada melhor do que na época em que a cidade faz 456 anos, relembrar a fase que esse modal de transporte se consolidou na cidade, entre 1940 e 1950.
A SPTrans, responsável por gerenciar o transporte coletivo na cidade de São Paulo, as catracas dos ônibus foram rodadas 2 bilhões, 627 milhões, 234 mil e 312 vezes. Só de ônibus municipais, são 14 mil 935 veículos, que prestam serviços em 1.346 linhas. Os dados são de janeiro a novembro de 2009 e mostra por que São Paulo também é a maior capital da América Latina quando o assunto é ônibus.
Esta história começou nos anos 20, quando pequenos empreendedores e desbravadores urbanos entenderam que a cidade haveria de se transformar em metrópole. A maneira como a capital se desenvolveu e a crise de energia elétrica tornaram os ônibus o meio de transporte coletivo mais importante. Até então, os bondes é que transportavam passageiros.
A primeira linha de bonde elétrico que se tem registro na cidade de São Paulo é de 7 de maio de 1900, inaugurada pela Companhia Viação Paulista. Um ano depois, a empresa que ligava Barra Funda ao Largo São Bento faliu e a Light & Power Co. assumiu o posto. A cidade tinha 240 mil habitantes e a população estava em pleno crescimento devido ao perfil industrial que atraia muitos trabalhadores
Inicialmente, as indústrias eram construídas na região atendida pela linha de trem da São Paulo Railway, que ligava Santos a Jundiaí, passando pelo ABC Paulista e capital. Idealizada por Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, e engenheiros ingleses, a linha de trem foi inaugurada em 16 de fevereiro de 1867. Tornou-se o principal meio de escoamento da produção agrícola para Santos.
Com a São Paulo Railway, a cidade se tornava interessante para a indústria. Com a indústria, a cidade se tornava interessante para migrantes. E com a população maior, a cidade se tornava interessante para outros meios de transporte.
Os terrenos próximos do parque industrial ficavam mais caros e os bairros com características urbanas se afastaram das margens das estações de trem e do centro da cidade, tornando necessária a ligação por transporte coletivo entre as zonas residências e o local de trabalho. Nas duas primeiras décadas do século 20, os bondes davam conta da demanda, mas os trilhos tiveram de alcançar áreas cada vez mais distantes. A cidade crescia de forma desorganizada e em velocidade que superava a capacidade de implantação de mais trilhos. Eram locais distantes e, muitas vezes, om relevo que dificultavam a passagem dos bondes.
Ganharam espaço, assim, os auto-ônibus, modalidade mais flexível, que apesar de enfrentarem ruas estreitas e de terra tinham capacidade para chegar onde os trens não alcançavam. Além disso, era mais barato colocar um ônibus a circular do que abrir caminho para os bondes.
Foi nesta época que o serviço de auto-ônibus se consolidou em São Paulo, mas este já existia antes dos anos 20. Em 1910, a indústria de carruagens Irmãos Grassi construiu para a Hospedaria dos Imigrantes uma carroceria de auto-ônibus sobre um chassi francês Dion Bouton, que levava os imigrantes recém chegados ao Brasil das estações de trem até a Hospedaria. Em 1911, foi inaugurada a primeira empresa de ônibus registrada na cidade de São Paulo que se tem conhecimento: a Companhia Transportes Auto Paulista que tinha um veículo de carroceria de madeira com mecânica Saurer. O pequeno ônibus transportava até 25 passageiros, sem itinerário e horário fixos. No mesmo ano, há o registro de um serviço de auto-ônibus que pela manhã transportava passageiros que utilizavam a Estação do Brás e, à tarde, realizava viagens para o Parque Antártica e Avenida Paulista. Havia apenas dois mil carros na cidade.
A maior parte das experiências de transporte por auto-ônibus antes dos anos 20 era tímida: as linhas curtas, os veículos bem primitivos e os serviços duravam pouco tempo.
Crise energética, oportunidade para os ônibus
Os anos de 1923 e 1924 foram marcados por uma enorme seca que comprometeu a geração de energia nas usinas hidrelétricas . Falta energia para mover os bones e a solução foi incentivar o uso do auto-ônibus. São Paulo tinha cerca de 700 mil moradores, o triplo da população registrada dez anos antes.
A Light & Power Co., que mantinha os bondes, aderiu aos ônibus para complementar o serviço por trilhos que estava prejudicado. Entre 1926 e 1932, a empresa importou e operou 50 ônibus do modelo e marca Yellow Coach. Por causa da cor cinza esverdeada, os ônibus foram apelidados de “Jacaré” pela população paulistana. Na época, a Ligth propôs à Prefeitura de São Paulo um plano integrado de transportes de diferentes modais a longo prazo, incluindo uma rede metroviária. A proposta foi negada e o metrô só seria implantado nos anos 70, em São Paulo.
Aproveitando a crise energética e o crescimento urbano além do alcance dos trilhos, os donos de ônibus, que tinham um ou dois veículos, adotaram uma postura empresarial. Companhias de transporte surgiram nos anos 20 e 30, algums conquistando espaço a partir de acordos com setor imobiliário. Os bairros eram loteados e antes mesmo que viesse um número substancial de moradores, os donos de ônibus eram contratados pelos proprietários dos lotes à venda. A presença dos ônibus era atrativo para novos moradores. Outras empresas ganharam espaço pelo simples demanda de passageiros em algumas regiões.
Lembro aqui de algumas que ganharam destaque na época. Em 1927, o empresário Luis Gatti fundou a Viação Gato Preto, ainda em operação e das mais tradicionais da cidade de São Paulo. Em 1928, mesmo com a linha de trens São Paulo Railway, um serviço de ônibus foi inaugurado entre São Paulo e Santos. Veículos da marca Saurer faziam três viagens por dia, entre ida e volta até o litoral. Em 1933, a própria São Paulo Railway entrou no negócio e criou a Companhia Geral de Transportes levando passageiros de São Paulo a Santos com carros da marca Thornycroft encarroçados pela Grassi, a primeira indústria nacional de carroceria de ônibus. Tudo isso, bem antes da existência da Rodovia Anchieta, que foi inaugurada somente em 1947.
A região metropolitana dava ares de que seria uma realidade nos anos 30. Por causa da industrialização ao longo da linha da São Paulo Railway, não só a capital crescia, as cidades vizinhas também. Apareceram, então, as ligações entre a capital e os municípios da Grande São Paulo. Em 1931, a EAOSA – Empresa Auto ônibus Santo André – ligou o centro e os bairros paulistanos com a cidade de Santo André, no ABC.
Foi também no início dos anos 30 que o trânsito começou a ser problema em São Paulo, já a caminho de se tornar metrópole. Foi daí que o prefeito Prestes Maia criou o Plano de Avenidas que remodelou o centro da capital e desapropriou uma enorme quantidade de famílias. Esta população seguiu em direção aos bairros para dar espaço aos novos traçados das vias que começaram a ser ocupadas pelo comércio e indústria. Mais oportunidade para os ônibus que chegam em pontos mais distantes que os bondes.
Em 1932, São Paulo tinha mais de 400 ônibus. No dia oito de julho daquele ano foi fundada a Auto Ônibus Jabaquara, por Arthur Brandi e a família Havelange. A empresa ligava o centro ao recém loteado bairro do Jabaquara. A empresa foi responsável em parte pelo adensamento populacional da região distante do centro. Os loteadores usaram o ônibus como propaganda para atrair novos moradores. A Auto Viação Jabaquara se tornou, em 1949, na Viação Cometa, após a aquisição de uma linha de São Paulo a Santos. A Viação Cometa é uma das empresas de ônibus mais tradicionais do País.
Em 1933, São Paulo já contava com seu primeiro milhão de habitantes.
Em 1934, surgiu mais uma empresa de grande porte, a Paulista de Ônibus Mooca, fundada em 17 de janeiro, por Caetano Fiorese, Vitor Prugis e João Fernandes. Também naquele ano, a Vila Guilherme, na zona norte, ganhou sua primeira linha de ônibus, a jardineira do Senhor Alípio, que saía do bairro e tinha ponto final na Praça do Correio. Anos depois, a linha foi assumida pela Empresa Auto Ônibus Parada Inglesa que se transformou em uma das grandes da capital. Nesta linha do tempo, o destaque de 1935 ficou para os ônibus que tranportavam passageiros do centro ao Bom Retiro.
(Amanhã: o crescimento de São Paulo obrigou o setor de transporte a se reorganizar)
Adamo Bazani é repórter da CBN e busólogo. Ele mora em Santo André, mas tem São Paulo no coração.


Vcs. sabiam que temos um museu a céu aberto de ônibus? É só passar em frente da garagem da SPTrans, na av. Guido Caloi. Uma quantidade imensa de ônibus antigos, se deteriorando. Não seria possível dar um fim mais digno para os mesmos? Fala-se tanto em não deixarmos água parada para evitar a proliferação de mosquitos mas aquele monte de ônibus parados, alguns com “teto solar”, não seriam um bom local de reprodução dos insetos?
Amigos Adamo e Milton,
O nível cultural de um povo também é medido pela conservação, preservação de sua memória. As informações aqui constantes da história dos transportes em ônibus, são os alicerces do amanhã. O Primeiro Clube do Ônibus Antigo Brasileiro, do qual sou o presidente, que anualmente realiza a Expo “Viver, Ver e Rever, A Evolução”, dos transportes em ônibus, tem por objetivo, além da confraternização entre todos os apaixonados pelo tema ônibus, a construção do Museu do Ônibus, conforme manifesto lançado em maio de 2004, quando da realização de sua primeira exposição de ônibus antigos.
Toda essa informação que vocês nos proporcionam durante esses dias, são elementos essenciais nesse projeto.
Vocês estão de parabéns.
Antonio C. Kaio Castro – Presidente
Primeiro Clube do Ônibus Antigo Brasileiro
Caríssimo Adamo.
Parabéns pela série de artigos sobre a história dos transportes.
São milhares de informações e eu posso imaginar a grande dificuldade de se compilar tantos dados.
Permita-me, por favor, fazer uma pequena ressalva em uma informação sobre os bondes: A primeira linha de bondes elétricos da cidade, mencionada no quarto parágrafo, foi inaugurada pela LIGHT, em 7 de Maio de 1900 e não pela Companhia de Viação Paulista. Este foi o inicio do império da Light.
Um grande abraço.
Jorge Françozo
ola
li ligeiramente o blog
mas achei uma parte interessante
porque cechou a CMTC ?
resposta
porque o poder publico é e sempre será um pessimo
administrador .
aqui em porto alegre tinhamos o DATC , que era um verdadeiro cabide de emprego
quando em 1989 o PT de olivio dutra assumiu a prefeitura
a primeira coisa que fez foi intervir nas empresas
foi uma gritaria dos empresarios .
ficaram quase dois anos em intervençaõ
resultado : entregaram as empresas em estado de
deterioração .
e por si a justiça decretou que a prefeitura tem que
indenizar os empresarios ., em 110 milhões de reais
isto mesmo 110 milhões de reais que até hoje em
novas administrações não foi paga .
e continuo dizendo
o poder publico é pessimo administrador
salomão
Salomão,
Obrigado pela passagem no blog, espero tê-lo em outras oportunidades. Quanto ao transporte em Porto Alegre, conheço em parte pois é minha cidade natal, e tenho uma boa impressão da qualidade do serviço prestado.
Adamo,
Faltou você mencionar a Empresa de Ônibus Alto da Mooca, fundada pelos irmãos Ortali, e que foi muito atuante na região da Mooca.
Esse artigo está muito bom! Parabéns!
Roberto Zulkiewicz
Na realidade gostaria de fazer uma pergunta…tenho uma página na Internet que fala sobre o Bairro do Jaçanã na zona norte de São Paulo. A página publica fotos atuais e antigas. Li recentemente que no Jaçanã apareceu um ônibus JARDINEIRA que fazia Santana-Jaçanã-Vila Galvão e que começou a correr a partiur de 1927 mesmo já havendo nessa época o Trenzinho da Cantareira. Essa jardineira era uma alternativa para ir até Santana e de lá pegar outra para a Praça do Correio. Minha pergunta é: “Você teria alguma foto dessa Jardineira que fazia Jaçanã-Santana em 1927”?….se tiver por favor enviar por e-mail, agradeço muito! Adorei a matéria de vocês!!
Sou um saudosista, e amei a matéria. Motorista de ônibus de 1979 a 2002, trabalhei com esse tipo de transporte, tanto municipal, intermunicipal, quanto interestadual e turismo.
Parabéns, vocês são feras!