Falta de visão prejudica tecnologia limpa, no transporte

 

Executiva da Eletra avalia os investimentos no sistema de ônibus e aponta equívocos nas políticas públicas de transporte de passageiros em entrevista exclusiva ao “Ponto de Ônibus”

Trólebus Caio Millenium II - Mercedez Benz/Eletra

Por Adamo Bazani

O Brasil erra e erra feio quando o assunto é política de transportes. A opinião é da gerente geral da Eletra, Ieda Maria Alves de Oliveira, companhia nacional especializada em fabricação de ônibus com tecnologia limpa. Para ela, há uma visão imediatista num setor que necessita de soluções emergenciais, é verdade, mas também de planejamento para que o serviço alcance níveis de excelência, economia e velocidade, além de benefícios ambientais.

“Hoje houve uma mudança de comportamento da sociedade. A questão ambiental, antes esquecida, agora é uma cobrança e as autoridades devem corresponder a isso. Os gastos com poluição são enormes e a queda de qualidade de vida é notória. Assim, na hora de optar por um sistema convencional e de tecnologia limpa, não basta ver qual é o simplesmente mais barato, mas o mais vantajoso. O dinheiro que se gasta na adoção de um sistema de trólebus ou de ônibus híbrido, retorna através de gastos menores no sistema de saúde, economia operacional maior e vida útil mais longa dos veículos”

Ieda disse ter visto exemplos claros de como a aplicação em tecnologias poluentes tem impacto não apenas ambientais, mas na estrutura das economias locais, também.

“Um dos casos que mais me chamaram a atenção foi no corredor da Avenida Santo Amaro (zona Sul da Capital Paulista). Há alguns anos, foi retirada toda a rede de trólebus e as operações começaram a ser somente com veículos a diesel. Muitos estabelecimentos comerciais que mexiam com alimento, simplesmente fecharam suas portas. Com o número maior de veículos a diesel, as pessoas não suportavam se alimentar com tanta fumaça e calor no ar. Os comércios que vendiam roupas também foram prejudicados. Donos de lojas de roupas me disseram pessoalmente que não davam conta de limpar os produtos. Passava um pano, um espanador, uma hora depois estava empoeirado. Assim, tecnologia limpa em relação a transporte público, não é somente um papo de ambientalista. Representa qualidade de vida e melhoria econômica”

A gerente da empresa afirma, no entanto, que a questão ambiental é grave, mas não tem sido vista de maneira séria pelo poder público.

“Um veículo a diesel produz por litro de combustível consumido aproximadamente 2,7 kg de carbono que são jogados na atmosfera. Isso tudo vai para o pulmão das pessoas. E nesse caso, a poluição é democrática. Ela atinge tanto o rico, dentro de seu carro, proporcionalmente mais poluidor que o ônibus diesel, como o pobre. Agora, vamos fazer a conta, se um ônibus convencional urbano roda cerca de 6 mil quilômetros por mês, e o consumo de diesel é de cerca de 1,8 km por litro, imagine quanto carbono é lançado na atmosfera. Por isso, as medidas devem ser levadas a sério, o que não acontece.

A qualidade do diesel produzido no Brasil é um exemplo disso:

“Atualmente, os motores têm de seguir o Padrão Euro III, com menos emissões. Mas nosso diesel, em todo o País, não é de qualidade. O que adianta termos motores bons com combustível ruim. É só olhar para o escapamento de um ônibus novo. Perceba a fumaça que ele solta. Nunca que este veículo está seguindo os padrões mais modernos. O que acontece, no meio ambiente e no transporte, é que se pratica a política do faz de conta. Trazem à população uma informação, uma ilusão, mas a realidade da rua, de quem respira o ar das grandes cidades, é totalmente diferente”.

Ieda Maria Alves de Oliviera ao lado do colega José Antônio do Nascimento, da Eletra

Nem a forma de concessão para explorar o serviço de transporte, escapa do olhar crítico de Ieda Maria Alves de Oliveira:

“A maioria dos contratos se dá de forma emergencial e é dado pouco prazo de concessão para o operador. Sem a certeza de que vai continuar em determinado mercado por um bom tempo, o dono de empresa de ônibus não vai investir num veículo como o trólebus, que pode durar até 30 anos, mas é mais caro. E se no final do contrato ele não consegue renovação? O que ele vai fazer com um veículo que ainda vai durar um bom tempo, mas não tem mercado de revenda? Assim, contratos por períodos curtos, de sete, dez anos, não dão estabilidade para investimentos maiores” .

Quanto ao financiamento sobre veículos de transporte coletivo, Ieda vê graves erros tanto na promoção de investimento em tecnologia, como na compra do veículo pronto:

“Tem muita empresa estrangeira que não precisa de recurso brasileiro, mas que recebe. Se tais empresas apresentassem recursos que não são desenvolvidos por aqui, tudo bem. Mas a indústria nacional tem capacidade e já desenvolveu muitas soluções. Se os estímulos fossem destinados a ela, estaríamos hoje como grandes referenciais no mundo em ônibus limpo”

Países desenvolvidos já se deram conta que quem detém tecnologia limpa, frente as demandas ambientais vai se destacar no mercado mundial. E segundo Ieda, alguns países investem pesado:

“O Brasil foi o primeiro país a operar comercialmente um ônibus elétrico híbrido (cuja tração se dá por eletricidade e a geração de energia por um motor de combustível convencional), em 1999. Mas o poder público, apesar de encomendar alguns protótipos, não investiu em escala de produção, o que poderia aperfeiçoar os estudos e baratear a produção e o custo unitário do veículo. Anos mais tarde, entre 2002 e 2003, o poder público de Nova Iorque encomendou 500 ônibus elétricos híbridos. Em número fomos vergonhosamente ultrapassados”.

No primeiro mundo, comenta, o poder público racionaliza suas arrecadações, suas receitas e se torna um dos maiores compradores de veículos de transporte público limpos. Ela cita um exemplo brasileiro, que simplesmente a frustrou.

“Fizemos um teste, no Aeroporto Internacional de São Paulo, com ônibus híbrido. Percorrendo pequenas distâncias, entre os aviões e o saguão, o ônibus se mostrou altamente eficiente. Em comparação ao ônibus convencional, o nível de consumo foi bem menor. Enquanto um ônibus híbrido fazia 1,92 km/l, o diesel convencional fazia 0.90 km/l. O consumo no aeroporto é mais alto, pois o ônibus fica muito tempo parado, ligado, e percorre curtas distâncias em baixa velocidade. A queda de emissão de poluentes também foi notável, na ordem de 90% e a durabilidade do ônibus híbrido era no mínimo duas vezes maior. Quando faltavam 15 dias para terminarem os testes, simplesmente a Infraero, que nunca teve frota de ônibus própria, abriu licitação para a compra de 120 ônibus. Todos a diesel, mesmo com as vantagens dos veículos menos poluentes”

O direcionamento dos recursos também é alvo de críticas da executiva, que acredita que deve haver melhor equacionamento na distribuição de verbas às universidades. Segundo ela, atualmente, as tecnologias tem sido desenvolvidas mais nas empresas do que nas universidades, pois a indústria tem um contato maior com a realidade do mercado, com que o empresário quer, e responde mais rapidamente a esta necessidade.

“Foi assim que nasceu o ônibus híbrido no Brasil. Um grupo de empresários do ABC Paulista, proprietário de rede de trólebus, quis um veículo limpo, mais flexível e que fosse alternativa ao trólebus de rede aérea. O engenheiro Antônio Vicente, um dos brasileiros mais visionários no setor, falou sobre o ônibus híbrido, o que despertou interesse nos empresários. Eles logo perguntaram ao engenheiro: – Como podemos comprar esses ônibus no exterior? – O engenheiro respondeu que não era necessário importar essa tecnologia, dava para fabricar aqui. Então, ele viu de perto as necessidades destes empresários e desenvolveu um híbrido de acordo com a realidade brasileira. O empresário não consulta e não expõe os seus problemas para as universidades, ele quer solução dos fabricantes”.

Em relação ao produto final, ela também vê falhas nas formas de financiamento. Segundo Ieda, o empresário que quer investir em um ônibus menos poluente e mais moderno é tratado pelos bancos da mesma forma que o empresário que vai comprar um ônibus convencional, que emite poluentes em maior número. Mais uma vez, segundo ela, os ganhos operacionais e ambientais são deixados de lado e o empresário que poderia investir em algo melhor para o meio ambiente e para seus negócios é desestimulado. “Existe até uma linha de financiamento no BNDES para quem compra ônibus a gás natural ou elétrico, mas este dinheiro não é repassado pelos bancos”.

Adamo Bazani é busólogo e escreve às terças-feiras no Blog do Mílton Jung

11 comentários sobre “Falta de visão prejudica tecnologia limpa, no transporte

  1. Cidades do primeiro mundo fazem tudo para evoluirem, proporcionar qualidade de vida, conforto, reduzir poluição sonora, ambiental, aumentando a frota de onibus eletricos no lugar dos movidos a diesel.
    Em quanto isso aqui no quarto mundo, cidade de São paulo, BraZil, tecnocratas buRRocratas & lobbys fazem de tudo para aumentarem a frota de onibus movidos a diesel.
    Paradoxo heim Adamo!
    E até hoje ninguem me explicou com cobnvicção técnicca sobre o proque retiraram os eletricos do corredor nove de julho, entre outras explicações que estão no ar e ninguem vai explicar, ou ter coragem de explicar, como por exemplo a notória redução de onibus na cidade.
    Sei muito bem deste fato porquê sou usuário do transporte publico e ando muito de buzão por ai e tem horas que irrita ter que ficar um bom tempo agauardando o coletivo passar, principalmente a noite e em dias de chuva
    Nos finais de semana então nem se fala
    Os onibus somem!

  2. Precisamos abrir a discussão sobre transporte elétrico no Brasil e este site é uma excelente oportunidade, porém quero ressaltar que a abertura da matéria expressa uma conclusão do jornalista, do qual eu sou fã, e não uma frase de minha autoria…. Tudo que está entre “aspas” fez parte do nosso bate-papo, os demais comentários são de um grande jornalista e conhecer dos problemas estruturais e de difícil solução que envolvem o transporte urbano no Brasil…..

  3. ADENDO NA MATÉRIA:
    Na abertura da matéria, a frase: O Brasil erra e erra feito quando o assunto é política de transportes, o grifo é nosso, e não se trata de uma fala expliícita da gerente geral da Eletra, senhora Ieda Maria Alves de Oliveira. Tanto é que a frase não aparece ente as aspas, o que não significa ser um pronunciamento da entrevistada.

  4. Excelente reportagem e que analisa muito bem o sistema trólebus no que diz respeito as suas vantagens, bem como as dificuldades de sua implantação no Brasil, dificuldades essas muito mais políticas do que técnicas ou financeiras, como bem aponta o texto (destaque para o financiamento do BNDES – dessa eu nunca tinha ouvido falar). Sobre o ônibus híbrido, ele é interessante para substituir os veículos a diesel, nunca trólebus (ao contrário do que foi [mal]feito em São Paulo). Essa tecnologia, infelizmente, ainda está longe de ser perfeita e precisa de investimentos para ser aprimorada. Já o trólebus está aí, sendo usado há 60 anos e com tecnologia 100% brasileira, com veículos de qualidade comparável – e, às vezes, melhor – que a dos estrangeiros. Falta um incentivo mais forte do governo, das prefeituras, para estimular seu uso, pois interesse em sua operação por parte dos empreendedores é que não falta.

  5. O sistema trolebus de São Paulo tem que ser discutida com seriedade com especialistas do nivel do Jaime Waisman, Adriano Murgel Branco, Gabriel Branco, Jorge Françoso de Morais a própria Ieda e o Secretário Eduardo Jorge que é muito sensível à causa.

    Infelizmente dentro da SPTrans não está havendo a seriedade que merece o assunto, é necessario que órgaõs de imprensa que informam e representam a vontade da sociedade, faça pressão para que o próprio Prefeito Gilberto Kassab saiba o que realmente está acontecendo visto pelo ângulo dos especialistas, já que a SPTrans na minha modesta opinião não tem credibilidade o suficiente para falar sobre o Sistema Trolebus.

    Mais uma vez parabéns ao competitíssimo âncora Sr. Milton Jung pela abordagem do assunto que está sendo levado pelo seu programa e pela CBN com a devida seriedade.
    Parabéns ao competitissimo repórter Adamo Bazani, que vc logo se reestabeleça, pois nós precisamos muito do seu entusiasmo e de suas excelentes reportagens.

  6. Muitas vezes a própria população é imediatista, apoiando a retirada dos elétricos na rua onde moram, por simplesmente achar que atrapalham o trânsito, ou por constantes falhas no sistema, atribuindo isso ao veículo.

    Este espaço é ótimo justamente para que conscientizem as pessoas da importância dos elétricos, híbridos e outros modais limpos.

    Parabéns a CBN e a Ieda pelas palavras…

    Abraços

    Renato Lobo

  7. Parabéns ao Blog e a todos que entendem e fazem a tecnologia trólebus ainda estar presente no Brasil.
    Sou do Recife e infelizmente a tecnologia e o sistema foram jogados fora, carros antigos que poderiam estar num museu nem pra isso quiseram guardar, quiseram apagar que por 41 anos tivemos trólebus. Sabemos que isso é atitude de políticos e de empresários. Aqui se planeja corredores elevados, estações tudo, tudo planejado por Jaime Lener o que deu um bom rumo ao transpote de Curitiba, porém, tenho certeza do equívoco que será em usar ônibus diesel no lugar de trólebus ou VLT. E já há prova do grande mal feito que fizeram ao tirar os trólebus recifenses. Não deixem esse mal que acometeu várias cidades deste país acontecer a última cidade ondem sobrevivem! Recife-PE-Brasil

  8. Olá Milton,novamente quero lhe dar os parabens pela excelente matéria sobre o sistema de TRANSPORTE LIMPO SEM NENHUM TIPO DE EMISSÃO DE POLUENTES,
    Em SP infelizmente existe a falta de vontade politica,para ampliação do sistema Trolebus na cidade,e tambem são 3 problemas que não trabalhando como deveriam,esses 3 problemas são: SPTRANS-Gerenciadora do transporte da capital paulista,,ELETROPAULO-Responsável pela manutenção e fornecimento de energia na rede de Trolebus, e HIMALAIA,empresa responsável pela manutenção e renovação da frota de Trolebus(no qual está super atrasada)
    E enquanto isso a frota de Trolebus continua sendo reduzida sem os carros para substituilos.

  9. Este veículo 7401 se estiver 100% com essa nova tração, será uns dos melhores veículos, se não o melhor novo trólebus que entrará em operação. Precisamos esperar o Ibrava/Iluminatti.

    Mas a Eletra tem prestígio e qualidade, gostaria de ver uns carros desses rodando em SP. O meio ambiente e a população agredecem.

  10. seria bom se a visão de um admnistrador fosse mais ampla mas infelismente o que manda são interesse de poucos sobre a maioria mas infelismente está ultima não tem o calibre ou força para mudar…o troleibus é solução de economia e de energia limpa que no atual decorrer do aquecimento Global seria bem vinda…mas com descoberta do préSal temos
    um futuro sombril…Tanto para os Tróleibus como para o futuro ou se não o presente pois muitas catastrofes estão acontecendo agora….obrigado

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