Pelo fim do quociente eleitoral

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

A cada pleito, o fato se reproduz. Este ano não foi diferente.

Luciana Genro (PSOL) no Rio Grande do Sul. Sílvio Torres (PSDB), Walter Feldman (PSDB) e Régis de Oliveira (PSC) em São Paulo. Ricardo Gomyde (PCdoB) no Paraná. Bonifácio Andrada (PSDB) em Minas Gerais. Serys Slhessarenko (PT) pelo Mato Grosso. Estes parlamentares formam uma bancada suprapartidária: a dos que embora bem votados, não foram eleitos em razão de que seus partidos não atingiram o quociente eleitoral, ou seja, um determinado número de votos para viabilizar o alcance de uma primeira cadeira e daí por diante. É a democracia sendo solapada pela aritmética inconstitucional.

Isto, a par de incompreensível para o eleitorado, é algo nefasto. Nenhuma Casa Legislativa, das Câmaras Municipais ao Congresso Nacional, pode prescindir de parlamentares que se distinguem positivamente. Aquele que reúne experiência, atuação e produtividade deve ser valorizado e não depreciado de forma genérica como um “político profissional”, rótulo que muitas vezes traduz “injusta coloração pejorativa”, conforme o TSE.

Ser profissional não é pecado. Nem mesmo na política. Acumular mandatos também não. Se o reeleito é digno, respeitável e tem credibilidade, onde está o problema em mantê-lo com mandato? Renovação não é sinônimo de qualificação, em hipótese alguma. Criticar por criticar não resolve.

Adiante, surgem duas figuras anacrônicas: o “quociente eleitoral” e as coligações. É o momento de abolir ambos para que sejam eleitos ou reeleitos os mais votados que os partidos apresentarem. Não se justifica manter a possibilidade de coligação quando justamente o STF e o TSE, através de várias e conhecidas decisões, valorizaram os partidos políticos ao extremo na questão da Fidelidade Partidária a ponto de excluir da legitimidade os suplentes da coligação que não forem do partido.

Visando aperfeiçoamento, tramita no Senado Federal a Proposta de Emenda Constitucional Nº 54/2007, de autoria do Senador Francisco Dornelles (RJ). Esta PEC, oportuna e realista, altera o art. 45 da Constituição Federal para estabelecer o sistema majoritário na eleição de Deputados Federais, Estaduais e Vereadores ao dispor que “Estarão eleitos os candidatos mais votados na circunscrição eleitoral, na ordem de votação nominal que cada um tenha recebido, até o número de lugares a preencher”.

O parecer do relator enfatiza que a aplicação desta regra evitaria a ocorrência de situações paradoxais (verdadeiras anomalias) mas hoje frequentes e sucessivas: a eleição de candidatos com poucos votos, na esteira de um ou mais candidatos bem votados do mesmo partido ou coligação, e a derrota de candidatos que não alcançaram o quociente eleitoral, embora com votações expressivas. Até porque, como bem referido pelo mesmo em seu voto favorável à aprovação da Proposta, “o eleitor não entende e desconfia de um sistema que exclui candidatos bem votados, representativos nas respectivas comunidades, e que elege outros candidatos com pouca votação”.

Sendo a Democracia assentada na representação popular, somente com a eleição e posse dos parlamentares mais votados é que haverá fidelidade à vontade do eleitor. Coligação é cálculo, eleição é votação.

No Rio Grande do Sul por exemplo, Luciana Genro, combativa e atuante, foi a oitava mais votada no RS em 3 de outubro. Sua votação superou a soma dos três últimos candidatos eleitos e em 4,6 vezes a do menos votado, o qual, por conta de votos em coligação, será legitimamente diplomado à luz das regras vigentes. Dante de Oliveira (MT) e João Caldas (AL) tiveram absurdas experiências similares a de Luciana em pleitos anteriores (1990 e 2006, respectivamente).

Diante da Constituição Federal, o quociente eleitoral significa uma “cláusula de exclusão”, viola o princípio da igualdade de chances, o pluralismo político, o princípio do voto com valor igual e o próprio sistema proporcional.

Em síntese: deforma a verdade eleitoral. A democracia evolui e hoje não há mais espaço para fórmulas matemáticas para determinar quem será eleito. O voto é soberano e merece ser valorizado ao invés de calculado. Quociente eleitoral é anacronia e artificialismo.

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor do livro “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.

4 comentários sobre “Pelo fim do quociente eleitoral

  1. Na minha opnião,

    o “ESTADO” e os “TRÊS PODERES” muitas vezes, muitas mesmos, agem criminosamente contra o “POVO” [que não é a mesmo que NAÇÃO]!!!

    Aquela frase:
    _ ” Do POVO, para o POVO, pelo POVO “, não é respeitado!!!

    O código eleitoral e suas alterações são feitas para favorecer SEMPRE os partidos políticos e não o POVO BRASILEIRO !!!

    Mas tenho fé em nós o POVO BRASILEIRO, iremos acordar, mesmo sendo muito tarde, porém, antes tarde do que nunca!!!

    ass: Douglas S.DaCosta

    http://eujafuiprejudicadoporservicospublicos.wordpress.com

  2. Queria saber porque ainda temos voto obrigatório e o quociente eletoral. Se queremos democracia teremos que respeitar o direito do cidadão de escolher votar se quiser, em quem quiser, e eleger pela maioria. Está certo que o voto é do partido. mas votamos no político.
    A reforma política deverá surgir. mesmo que tardia. O absurdo é que para mudar uma lei é necessário uma emenda constituicional. O que será que existe nessa constituição que necessita mudar ou emendar. Será que precisamos revisar nossa carta magna toda.
    Sou a favor a reforma política. Mas queria que nossa consituição fosse mais forte. para não necessitar de emendas. Que fosse simples e acessivel ao cidadão. Baseada em príncipios e que fosse muito fácil assimilar.
    Uma ideia boa eu acho é ensinar Direito constituicional no ensino fundamental mais isso é outro assunto.

  3. Uma coisa que eu não entendo sobre as críticas ao coeficiente eleitoral, é que vai fazer com um candidato de um partido que recebeu 3 vezes mais votos que deveria para ser eleito?
    Assim ia ter a bizarrice de candidatos falando para você votar em outro para dois do mesmo partido se elegerem.
    A falta de coeficiente eleitoral pode criar anomalias na democracia.
    Pensa se existisse 2 tipos de pessoas a de esquerda e de direita.
    Todas as pessoas de esquerda votaram no Sr Comunista. As pessoas de direita dividiram seus votos entre Sr Safado, Sr Progresso, Sr Tucano. Então mesmo existindo o mesmo numero de pessoas de esquerda e de direita, a direita ia ter 3 vezes mais participação na casa do que a esquerda!
    Eu acho que a solução para o problema seria algo como voto de legenda para cargos que tem mais de uma pessoa, ou mais de um voto por pessoa, como foi no caso de senador.

  4. oeficiente Eleitoral, Coligação, Partido Político, Infidelidade Partidária: A Anti-Democracia Legalizada
    Durante a última eleição municipal, perguntei a alguns candidatos ao legislativo: 1. O que é partido político?
    2. Qual a sigla do seu partido? O que significa? Qual a ideologia do seu partido? 3. Em que essa ideologia diferencia o seu partido dos demais, ou seja, cite a característica ideológica fundamental, EXCLUSIVA, do seu partido; a que, portanto, o faz existir? 4. Todos os membros do seu partido, então, têm este mesmo pensamento, correto? (Mas as perguntas surgiram ao longo de conversas informais e não da forma como aqui estão elencadas).
    Tragicomicamente, nenhuma resposta bateu! A maioria foi evasiva e generalista. Muitos (do mesmo partido) deram respostas extremamente contraditórias![
    Alguns estranham quando digo que acho que Partido Político não existe… Porém, o “esquema” que existe parece ser o que garante que alguns continuem “moldando” a “massa” para a “forma” que mais lhes convêm. (Apesar de que, é importante dizer, houve, sim, uma mudança exótica na Câmara de Lagoa da Prata…)
    Por que a Constituição Federal garante “ampla liberdade partidária” e o Código Eleitoral o “coeficiente eleitoral” e “coligação partidária”? Por enquanto, acho que é porque são os próprios eleitos por estas regras que as criaram e as mantêm. As pessoas separam-se por idéias, se repartem em grupos ideologicamente semelhantes, depois, estes grupos (até ideologicamente opostos) se unem. Então, tornam-se um só partido, correto? Diga isso ao seu candidato, ele dirá que “não”… Acho que é pra dar um nó em nós, mesmo… Partem, unem, repartem, reúnem, e continuam Partidos?
    Aí vem a história do coeficiente eleitoral…
    E mais fácil ilustrar: Votando num candidato X, há muita chance de estar ajudando a eleger um candidato Y, cuja ideologia (se existir) pode ser (quando existe, geralmente é) totalmente diferente da ideologia do candidato X, ou seja, o voto acaba não representando a vontade do eleitor…
    Em poucas palavras: A maioria das pessoas não vota em quem vota. Então, eleição é realidade ou ilusão?

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