Enfiando os pés pelas mãos

 

Por Julio Tannus

 

Há algum tempo, para ser um pouco mais preciso há cerca de 13 anos, tramitou no Congresso Nacional Brasileiro um projeto de lei que atribuía aos evangélicos a exclusividade da atividade de psicanálise. Já pensou que desespero! Não que sejamos contra os evangélicos, mas temos tudo contra os evangélicos terem a exclusividade da psicanálise. Afinal de contas, 100 anos de ciência de repente nas mãos do sobrenatural!

 

E de repente me deparo com a notícia: “Senado inclui restrições a pesquisas na lei eleitoral”. Isso é muito próximo de atribuir exclusividade da psicanálise aos evangélicos, ou seja, o Senado Federal Brasileiro legislando sobre algo que não tem a menor ideia e a mínima formação.

 

Senão vejamos: segundo a emenda, dados socioeconômicos, como sexo e grau de instrução, terão de seguir padrão do IBGE. Ora, isso é tão absurdo como dizer que, tomando como base os dados do IBGE, há mais mulheres do que homens e mais jovens do que idosos no prédio onde moro. Pois, não só o correto, mas o mandatório é que uma amostra para ser representativa de um universo tenha que ser extraída desse mesmo universo. No caso de pesquisas de intenção de voto, o universo a ser considerado é o universo de eleitores e, portanto, a amostra deve ser extraída desse universo e não do total da população. Assim, a fonte correta de obtenção de amostra é o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e não o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

 

Além disto, toda amostra deve ser obtida a partir de informações as mais atualizadas. Os dados do IBGE sobre a população brasileira, os denominados dados censitários, são obtidos a cada 10 anos e o último censo foi realizado em 2000. O que existe de mais atualizado são projeções, portanto sujeitas a desvios. Assim, quem possui os dados mais atualizados desse universo é o TSE e não o IBGE.

 

E, por fim, toda amostra deve ser obtida a partir de critérios metodológicos, e corresponde a uma área técnica da pesquisa cuja responsabilidade está a cargo de um profissional de estatística. E aqui eu pergunto: como e por que uma instituição política como o Senado Federal se propõe a estabelecer critérios técnicos de estatística?

 

Ou seja, o que estamos aqui contestando é o Senado se imiscuir nos critérios metodológicos de uma pesquisa de intenção de voto. Só falta o Senado estabelecer critérios para os procedimentos cirúrgicos da área médica. Deus nos livre…

 


Julio Tannus é consultor em estudos e pesquisa aplicada, co-autor do livro “Teoria e Prática da Pesquisa Aplicada”, recém-lançado pela Editora Elsevier na Livraria Cultura, e escreve no Blog do Mílton Jung

6 comentários sobre “Enfiando os pés pelas mãos

  1. Bastante oportuna esta abordagem.
    Talvez o negativo da proposta do Senado traga o positivo do debate sobre pesquisas e afins.
    Está cada vez mais inconsequente a questão de pesquisas e seus resultados que a imprensa tem divulgado sem a menor sensatez. Puro amadorismo. Sem técnica e sem escrúpulo.

  2. E assim tem sido sempre, normas e regulamentos determinados por pessoas que não têm qualquer conhecimento da área em que estão metendo o bedelho, com consequências desastrosas quase sempre. Do que entendem esses profissionais? na sua maioria, apenas do funcionamento dos meandros de suas próprias instituições! quem assiste TV Senado e TV Câmara pode ver o nível dos discursos, pronunciamentos, argumentação – absolutamente lamentável!

  3. No Brasil,pesquisa eleitoral é fidelização de votos!

    Nos tempos do nosso convívio, na prefeitura de São Paulo, ria muito das tiradas imprevisíveis do ex-presidente Jânio Quadros. Precursor de um naipe incrível de trabalhar o avesso da comunicação. Tudo era notícia. Sabia criar notícias como ninguém e não saía da mídia , não gastou nenhum tostão de 1986 a 1988, enquanto Prefeito da cidade de São Paulo, com verbas publicitárias. Detestava pesquisas. Sobre pesquisas no país, Jânio Quadros a sintetizou numa frase: “No Brasil, toda pesquisa é um número”.

    Passa-se o tempo e a realidade não é muito diferente. Ganha um doce quem disser o número de analfabetos existentes no Brasil. Fala-se em 19 milhões, mas há os que defendem o incrível número de 30 milhões, o que seria mais que a população da Argentina. Semi-analfabetos, então, é escolha livre. O número oscila, podendo alcançar até os 60 milhões de brasileiros.

    Veja-se o caso das crianças em idade escolar que se encontram alijadas do processo de atendimento. O discurso oficial cita a existência de 4 milhões, na faixa etária dos 7 aos 14 anos de idade, mas há versões bem pessimistas, como a que se refere ao número de 7 milhões de crianças desassistidas. Uma coisa é trabalhar com perspectiva do atendimento de 4 milhões, outra completamente diferente é pensar em 7 milhões. Não há de causar espécie, assim, a construção desordenada e demagógica de escolas públicas, como ocorreu no governo Collor com os CAICs e recentemente com a prefeita Marta com os CEUS. Com o fato adicional de ninguém ter se preocupado com os trabalhos de manutenção, gerando uma sombria perspectiva em relação a esse projeto arquitetônico.

    O número de escolas brasileiras é elástico. Uns proclamam a existência de 250 mil, somando as unidades da zona rural (em geral unigraduadas) com as da zona urbana. Outra versão, divulgada em horário eleitoral gratuito, cita o bonito número de 200 mil. Com quem estará a razão? E o número de professores e especialistas, hoje seguramente ultrapassado a casa de 1 milhão? São quantos, afinal?

    Parece que esse alegre desfilar aritmético está prestes a terminar, como enfatizava o ex-presidente Jânio da Silva Quadros. Enquanto isso não acontece, prossegue o samba do “crioulo doido”, cada um sacando números a bel prazer, como se fôssemos uma nação de irresponsáveis.

    Jânio Quadros, afirmou e tem razão: “No Brasil, tudo é um número”. Até quando?

  4. Caro Nelson Valente, trabalho com pesquisa há mais de 30 anos e nessa existência nós, profissionais da pesquisa aplicada, lutamos árdua e continuamente para evitar e contornar o que você coloca. Ou seja, passar a opinião pública o que ela é, pensa, deseja, rejeita, etc. Os números sem uma interpretação competente e isenta só servem para a manipulação. Agradeço suas colocações!

  5. Oi Sibila, os seus comentários são bastante oportunos para explicitar o que ocorre no âmbito da divulgação dos dados e informações colhidas através das pesquisas. Servem também para esclarecer as questões colocadas pelo Nelson Valente. Abraços!

  6. Carlos Magno, uma questão que os pesquisadores sempre enfrentaram é essa da divulgação de seus resultados.O espaço que os pesquisadores tem disponível na imprensa é praticamente inexistente. Dá no que dá!

Deixar mensagem para carlos magno gibrail Cancelar resposta