Por Milton Ferretti Jung
Ao sentar diante do computador para digitar o meu texto das quintas-feiras fiquei em dúvida a respeito do assunto. Ocorreram-me,no mínimo, dois temas. Cheguei a pensar em escrever sobre a crueldade humana. Apenas o homem é capaz de ser cruel. Os animais, não. Sabemos que, mesmo os mais ferozes predadores, ao matar suas presas, fazem-no somente para sobreviver. Se não as devoram, morrem de fome. Não foi – nem poderia ser, claro – o caso da mulher que mandou matar o marido, confessou o crime e, apesar disso, foi solta um dia depois de ser presa. O triste episódio aconteceu em Cachoeirinha, cidade da Grande Porto Alegre. Era acerca da crueldade dessa mulher que pretendia escrever. Creio que, em boa hora, desisti.
Acabei optando pelo segundo assunto que tinha na cabeça. Faz horas que não conto histórias dos meus primeiros anos na Rádio Guaíba. Transferi-me para essa quatro anos após estrear no microfone numa pequena emissora, tão estreante no ramo quanto eu: a Rádio Canoas. O veículo rádio, naquela época, não tinha muito a ver com o de hoje. Entrei na Guaíba como locutor comercial (assim éramos chamados). O quadro contava com dez “speakers”, com vozes de quase idêntico padrão. Apresentávamos também os noticiários existentes no horário de trabalho. Cheguei a atuar como radioator. Mas essa parte talvez mereça outra história..
Não me lembro bem em que ano comecei a acrescentar às minhas funções a de narrador de futebol e outros esportes. O nosso diretor de broadcasting ou diretor artístico, como preferirem, era Mendes Ribeiro. Depois de testado por ele como narrador em jogos do campeonato gaúcho, escalando-me para relatar um tempo das partidas que, em Caxias do Sul, começavam meia hora antes das demais, me aprovou. Uma de suas idiossincrasias era o medo de viajar de avião. Nas eliminatórias da Copa do Mundo de 1958, Ribeiro preferiu ir de kombi a Assunção para transmitir Paraguai x Brasil. As condições das estradas, naquele tempo, eram horrorosas. A viagem demorou tanto que o nosso narrador número um por muito pouco não chegou atrasado ao Defensores del Chaco. Foi Mendes Ribeiro que, bem mais tarde, viajou, com este que lhes escreve, para Águas de Lindóia, a fim de transmitir um jogo-treino da Seleção Brasileira. Fomos de kombi, claro.
Em 1966, cobri os treinos da nossa Seleção, que se preparava para a Copa do Mundo. Conheci Lambari e Caxambu, pertencentes ao Circuito Das Águas de Minas Gerais. Estive ainda, na mesma cobertura, em Teresópolis, Macaé e Niterói. Foi lá que Alcindo, jovem centroavante do meu Grêmio, torceu o tornozelo, o que acabou prejudicando sua participação na Copa da Inglaterra. Nossa viagem com o Selecionado não foi nada fácil. Como não havia, na época, condições tecnológicas sequer semelhantes às de hoje, levávamos, no meio da Kombi, um transmissor pesado, conhecido por SSB – Single Side Band – cujas válvulas não eram confiáveis. Nossos técnicos precisavam adquirir dois postes de bom tamanho, em cada nova cidade por nós visitada. Montava-se sobre esses postes os cabos que, partindo do transmissor, levavam ao ar o som da Guaíba. No alto do Morro da Polícia, em Porto Alegre, um outro técnico era responsável pela manutenção da sintonia do SSB, muito delicada. Essa, se perdia ao menor descuido do operador. Confesso que, embora com todos os percalços de ordem técnica, por mim relatados, eu gostava bem mais do rádio de antigamente – e olhem que não sou saudosista – do que deste que temos hoje, repleto de avanços tecnológicos e ouvido, por mais distante de nós que esteja a emissora, com som local, pela internet. Ah, que saudade das ondas curtas com aquele som que ia e voltava, ia e voltava.
Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)
Milton Ferreti Jung, a voz do rádio riograndese!
Pois cresci ouvindo a Rádio Guaíba na época relatada. Que saudades daqueles tempos, até as propagandas dava gosto de ouvir, embora na época não se sabia quem era o locutor, pois esse era apenas o mensageiro, muito diferente de hoje, quando a pessoa que está com o microfone na mão (ou na lapela) quer aparecer mais do que está sendo transmitido.
Que saudades da Rádio Guaíba, com suas músicas, seus programas e seus chiados em ondas curtas ou médias que teimavam em interferir as vezes nas transmissões que ouvíamos no Oeste do Paraná (mesmo com ajuda de duas taquaras com um fio de cobre para fazer de antena, pendurados no alto da casa!). Programa obrigatório e silêncio total na casa: as notícias do Correspondente Renner, principalmente o das 18h50min e o das 20h. E o futebol que ouvíamos, com os locutores da Guaíba nos relatando cada gol do nosso GRÊMIO!
Sim senhor, saudosista!
Abraços de um guaibeiro, gaúcho e gremista, hoje residindo na Região Metropolitana de Curitiba.
Gunar,
Um privilégio ter sido ouvinte da Rádio Guaíba, um clássico no radiojornalismo brasileiro. Assim como você, eu também aprendi muito acompanhando o trabalho daqueles profissionais incríveis, dentro os quais meu pai tem lugar cativo até hoje.
Boa história Milton,
A partir de experiencias como essa, que amadurecemos. Tenho somente 5 anos de profissão no rádiojornalismo, aqui no interior do Pará, em Santarém, e já passei pelos mais diversos tipos de transmissões, que no futuro vou lembrar com carinho. Nossa profissão tem dessas. Mesmo com toda a tecnologia existente hoje, a magia de levar as informações aos ouvintes ainda continua, com todo o dinamismo do Rádio.
Parabéns e bom trabalho na CBN
Rafael,
Bem-vindo neste espaço sempre aberto as história do rádio. Escrevo apenas para ressaltar que os méritos deste post é do meu pai que me dá o privilégio de seus textos.
Como é bom saber que a Guaíba ainda conta com ouvintes que,lendo o meu texto,se recordaram dos antigos e bons tempos,como o Gunar. Sempre surge quem me fala como era acompanhar,mesmo com chiados,edições do Correspondente Renner. Dou,também,as boas-vindas ao colega Rafael. Um dia você terá também muitas histórias para contar. Neste particular,os avanços tecnológicos não atrapalharão em nada.