Por Carlos Magno Gibrail

Se existe algo que a cultura brasileira ainda não conseguiu lidar de forma clara é o tratamento dado a designação do trabalho. O emprego, por exemplo, é algo altamente positivo, artigo dos mais raros e desejados no mundo contemporâneo, mas “empregado” é um termo que tem sido relegado e negado. Estar empregado é o objetivo do cidadão, mas o que se verifica é que se faz uma ginástica e tanta para não chamá-lo de “empregado”. A não ser quando se trata de trabalho doméstico sem qualificação. Outro aspecto, nesta mesma linha de raciocínio é o preconceito do uso da palavra “funcionário”, tão evitada quanto “empregado”. Talvez uma dissonância cognitiva generalizada, pois ter uma função na organização que se trabalha e, portanto, ser “funcionário” é uma referência e, até mesmo, uma deferência. Entretanto são criados sinônimos às vezes esdrúxulos, tais como colaboradores, assessores, consultores, etc.
As incongruências não param por aí. Por exemplo, a palavra vendedor, que define de forma clara e objetiva uma das mais antigas e importantes funções profissionais, que é a função de vendas, é substituída por assistentes de atendimento, consultores técnicos, executivos de negócios, etc.
Existe, portanto, um evidente descompasso, que provavelmente ainda é resultante dos fatos que marcaram a relação de trabalho em nosso país desde a colonização. No convencional dissimulamos a especificidade do termo inerente ao trabalho, no excepcional intensificamos e perenizamos os eventos chocantes. Como os casos das denúncias de trabalho escravo na indústria que tem deixado um incômodo legado às marcas envolvidas. Quer sejam culpadas ou absolvidas. A Nike, para citar uma das pioneiras, acusada há anos, ainda é lembrada do fato toda vez que surge seu nome, embora tivesse superado o problema, também há anos. Hoje nas bancas há um artigo na Veja sobre a vinda da GAP, trazida pela brasileira GEP, ambas com acusações superadas. Entretanto, mesmo com o foco de Negócios e criteriosa, a matéria não deixou de citar tal envolvimento. Menos mal que tenha informado os dois lados, o da acusação e o da absolvição, o que já é um progresso.
O retrocesso ficou mesmo por conta do jornalista Leão Serva, que acusou o SPFC de “tráfico de escravos”, porque criou e exportou Hernanes, Oscar e Lucas. Esse último “traficado” por 116 milhões de reais, na maior transação do futebol brasileiro. E todos por vontade própria. O que prova a inabilidade brasileira ao lidar com a designação do trabalho.
Carlos Magno Gibrail é mestre em Administração, Organização e Recursos Humanos. Escreve no Blog do Milton Jung, às quartas-feiras.
E a fixação no “trabalho escravo”, continua Veja o texto do UOL hoje sobre a contratação de médicos cubanos:
Segundo Geraldo Ferreira, presidente da Fenam, a qualidade dos profissionais é “extremamente duvidosa” e a forma de contratação desses médicos tem “características de trabalho escravo”.
Carlos,
Usam-se palavras e expressões fora de seu contexto para valorizar a briga, porém este artifício, na maioria das vezes, distorce a verdade.
Milton, as vezes tenho a impressão que é um estado hemofóbico . O trabalho ainda precisa ser melhor designado.
Ainda na linha dos médicos, o presidente do CRM declarou que orientou os médicos brasileiros a não corrigirem eventuais erros dos cubanos.
Trabalho e ética que se danem. Esqueceram apenas dos pacientes.
No comentário anterior houve erro de digitação em “hemofóbico” . É homofóbico. No caso, poderia ser “escravofóbico” se existisse a palavra, que definiria a fobia em ver trabalho escravo em tudo.