Conte Sua História de SP 460: minha paineira do Butantã

 

Por Robson Luquêsi
 

 

 

 

fim dos anos 1960. é coisa do milênio passado. saía de casa, lá no jaguaré, pertinho da divisa com osasco. levado pelo meu pai ou minha mãe, ou os dois, a caminho da cidade. sim! cidade era lugar de pra lá do rio, que mais tarde fiquei sabendo se chamava pinheiros.

 

mas só sabia que estava a caminho do centro de são paulo quando o ônibus passava ao lado, bem perto, quase colado àquela imensa árvore. espinhuda, maior do que os postes de luz de madeira que existiam em várias ruas do meu bairro, e que um dia foram árvore também

 

 
se era um domingo, ia para a praça da república assistir à apresentação de uma banda lá no coreto, que ainda existe, o coreto. a banda? não. quando passava pela paineira sabia que não ia demorar muito – felicidade

 

 
se era dia de semana e se estivesse tossindo, percebia que logo chegaria ao médico assim que passasse por ela. sempre linda, ali, solitária, cercada de gente por todos os lados. inalações, injeções, receitas de remédios. queria ficar curado logo, mas não queria virar peneira para agulhas – tristeza

 

 
se era perto do natal, pronto: presentes, modestos, mas lembranças de fim de ano. por mais que tivesse passado pela paineira, juro que vi papai noel sentado nela, parecia um nunca chegar nas lojas de brinquedos. um desses dias, perguntei pro papai noel porque tinha criança que não ganhava nada. ele nunca mais apareceu pra mim – meio feliz, meio triste

 

 
notícia ruim! disseram que um caminhão bateu na paineira e tinha de ser cortada. outros disseram que ela tinha de ser retirada pra fazer mais pistas pros carros. disseram um monte de coisas e fizeram a única coisa que não poderia: cortaram

 

 
consultaram francisco morato? e vital brasil, lineu de paula machado e eusébio matoso? que hoje são nomes de avenidas que passam bem onde havia a paineira do butantan. não perguntaram nada

 

 
não moro mais lá ‘praqueles’ lados. mas, mesmo que não passe no lugar tanto quanto antes, tem vezes que me vejo assim: cumprimentando aquela danada verde e grandona. me sinto alto e forte como ela

 

 
se estou curvado pelo peso dos tempos, me fortaleço com  aquela imagem de antes que marcou, e marca, a distância dos quilômetros, dos ponteiros do relógio e da imensidão da cidade que pouco, ou nada, é percebida pelos doutores que sabem tudo sobre o nada e que um dia tiraram ela do lugar

 

Robson Luquêsi é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte você mais um capítulo da nossa cidade, mande seu texto para milton@cbn.com.br ou agende entrevista em áudio e vídeo no Museu da Pessoa pelo e-mail contesuahistoria@museudapessoa.net. Mais histórias de São Paulo você encontra no meu blog, o Blog do Mílton Jung

2 comentários sobre “Conte Sua História de SP 460: minha paineira do Butantã

  1. Sair da Av. Vital Brasil, dar a volta na “Paineira” para entrar na ponte de Pinheiros era a façanha diária pela manhã. Congestionava tanto que alguém resolveu “explodir” a histórica árvore. É o que ouvi dizer à época. Mas acredito que morreu foi de velhice mesmo. Foi referência para os bandeirantes e para os tropeiros que vinham de Sorocaba. Me lembro muito bem dela e tudo que tinha por perto; Cine Eldorado na Vital Brasil, a casa do “Nhô Totico” na Francisco Morato, Padaria São José quase em frente a Pneuac, a F. Monteiro. Deixou foi saudades…

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