
Eram apenas três garotos e uma bola, supervisionados pela bandeira do Brasil estendida na fachada do prédio que abriga a Secretaria Estadual de Justiça de São Paulo. O campo era de asfalto e delimitado pelo meio fio nas laterais e os carros estacionados fazendo às vezes de linha de fundo. Não havia goleiras demarcadas nem torcida organizada, menos ainda árbitro para impedir qualquer jogada violenta. Nem tinha necessidade para tanto rigor, já que o futebol jogado por eles não tinha adversário. Todos faziam parte do mesmo time, sem camisa ou patrocinador, e movidos por um só objetivo: a diversão. Flagrei essa cena ao lado do Pateo do Collegio, onde São Paulo foi fundada, no centro da cidade, que, nesse sábado à tarde, estava tomado de passantes e turistas – nenhum deles, porém, parecia interessado pelo acontecimento naquela praça, mesmo que o futebol fosse o motivo de muitos deles estarem por aqui. Ao contrário da maioria, fui logo conquistado pela espontaneidade dos gestos, as embaixadinhas desajeitadas e os gritos de gol. Parei, assisti ao jogo por alguns minutos, fotografei e fui embora. Não tinha o direito de estragar a naturalidade dos movimentos daqueles craques em formação.
É difícil encontrar garotos brincando de bola nas ruas da cidade, as calçadas quase não têm espaço e o meio da rua é arriscado. Nossos filhos saem pouco, os que gostam do futebol descem na quadra do prédio e os sem-prédio têm a opção dos campos dos clubes e escolinhas. Têm de marcar hora na portaria e adaptarem-se as burocracias locais. Nada tão natural como na época em que o dono da bola chamava a turma aos berros, atravessávamos para o outro lado da Saldanha Marinho, em Porto Alegre, e transformávamos o portão de grade do açougue do Seu Ernesto em goleira. O jogo rolava solto e somente se encerrava quando ao escurecer os pais davam o apito final. Às vezes, a partida era interrompida pelo próprio açougueiro que, avisado por vizinhos mal-humorados, saia da casa dele, há algumas quadras dali, e corria a tempo de salvar seu portão dos nossos chutões. Costumava ser tarde, os gols assinalados já haviam marcas eternas na grade.
Dentre tantas outras sensações, a Copa do Mundo nos faz crescer os instintos mais naturais do futebol, o desejo de tomarmos novamente as calçadas e jogarmos com as regras que nós mesmos determinamos, sem a interferência dos cartolas, a autoridade do juiz ou a ganância dos agentes. A alegria daqueles três meninos que tomaram o espaço público para si e o transformaram na sua Arena pode ser um dos muitos legados deste Mundial.
Vai lá, pega a bola escondida embaixo da cama e vamos às ruas!