Dalvanira Pais de Lima
Ouvinte da CBN
Lazer na minha infância significava visitar os parentes. A extensão desta cidade e seus arredores garantia que cada tio conseguisse comprar um terreninho e construísse sua casa a quilômetros de distância uma das outras.
Para se chegar a casa de um parente, tomavam-se, no mínimo, dois ônibus e um trem. Isso não era problema, ao contrário. Fazia parte dos atrativos do passeio. Na janelinha do ônibus, me encantei ao descobrir que era capaz de ler os letreiros das lojas — e fazia isso em voz alta.
Na caminhada entre o ponto de uma linha de ônibus e outra, passávamos na pastelaria chinesa para comer pastel com caldo de cana. Às vezes, o estômago não aceitava bem essa combinação e eu tinha de descer do ônibus agarrada na mão dos meus pais, deixando para trás muito trabalho para o pessoal da limpeza.
No trem, outro ponto alto do passeio era comer biscoito de polvilho. O menino passava chacoalhando a matraca e gritando com uma entonação peculiar: “Biscoito, salgado e doce”.
Depois de um dia inteiro de visita familiar, que podia ser divertida quando tinham primos e primas com quem brincar, era hora de voltar. A maratona de ônibus e trem tinha que ser enfrentada novamente, com a diferença de que eu e meus irmãos, agora, estávamos cansados. Lembro-me que o sono dormido no ônibus ou no trem era tão gostoso que eu torcia para não chegar. No destino, era sacudida e descia feito um zumbi arrastada pelos meus pais.
No Largo do Paissandu, ficava o ponto do último ônibus que precisávamos pegar para chegar em casa. Era nesse momento que encontrava descanso e conforto sentando-me em cima dos pés de meu pai. Seu sapato preto Vulcabrás servia de assento, e suas pernas faziam às vezes de encosto. Imagino quanto não fiz doerem os calos de papai, mas não podia haver assento mais confortável que aquele.
Dalvanira Pais de Lima é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva as suas lembranças e envie para contesuahistoria@cbn.com.br.