O trem, o café e o silêncio

O trem partiu, e eu fiquei. Temendo a neve na estrada, dirigi com a lerdeza que a prudência me exigia e isso me impediu de embarcar na hora prevista. Sem escolha, fui ao café ao lado da estação, buscar abrigo do frio e da espera. Sentei, escutando o burburinho ao redor, mas sem competir com ele. Apenas deixei os sons ocuparem o espaço que não era meu.

Meu nome deve ser chamado pela atendente que prepara o café quente a qualquer momento. Ainda estou pensando se deveria cair na tentação dos pães expostos no balcão quando fui flagrado na foto que ilustra essa crônica. Minha mulher adora fotografar.

Alguém dirá que escrevo apenas para exibir essa imagem. Vaidade? Também. Mas as razões vão além. Não me movo apenas por esse sentimento assim como não costumo compartilhar fotos próprias que não estejam no contexto da profissão. Mas esta carrega verdades que transcendem o instante congelado pelo clique. 

A mão que apoia o rosto oculta a boca — um gesto que pode ser tanto descanso quanto censura, impedindo-me de dizer em voz alta o que vagueia pela mente. As peneiras de Sócrates ainda filtram muito do que penso antes de transformar ideias em palavras. O olhar se destaca, aparentemente sem destino. Ou naquele instante eu mirava algo? Não lembro bem. Talvez estivesse apenas vagando, ofuscado pelos estímulos ao redor.. 

As marcas do tempo tão evidentes na imagem, também têm seu lugar aqui. Têm minha atenção, não assombração: as rugas que contornam os olhos e reforçam a olheira, a vermelhidão do rosto impactado pelo vento gelado, as manchas no dorso da mão que se acentuam com a idade e os fios brancos do cabelo que me orgulham, apesar de me surpreenderem quando se revelam nas fotografias — tudo isso fala de experiências.

Contemplar o nada deveria ser mérito. Mas há algo de desafiador nesta arte, especialmente diante do ritmo alucinado com que consumimos informação — e não me refiro apenas a  essa que chega na forma de notícia ou pseudo-notícia. É pela tela do celular, fonte inesgotável de entretenimento pouco atrativo, tanto quanto no entorno de nosso cotidiano: vozes, luzes, anúncios, sirenes, alertas e uma sequência interminável de estímulos. O barulho é necessário. O silêncio agoniza. É bem raro. Às vezes, incômodo. Amigos já me convidaram a experimentar a meditação e todas práticas que se apresentam com o mesmo objetivo. Mas até na Igreja em que rezo aos domingos, o silêncio é apenas visitante. Quando aparece, é visto com estranheza: “Está triste?”, perguntam. Ou: “É depressão?”.

Naquela manhã, sentado à mesa da padaria da pequena cidade americana, creio que minha intenção era apenas ver o tempo passar. Distanciar-me da algaravia, do movimento frenético, e esperar o meu destino embarcar no próximo trem. Mas o clique congelou o instante, e, com ele, veio a inspiração para esta crônica. 

Pode parecer contraditório — transformar silêncio em palavras, contemplação em texto. Talvez seja mesmo. Mas, no final, escrever também é encontrar sentido naquilo que não dissemos em voz alta. Afinal, até o silêncio tem sua maneira peculiar de fazer barulho.

Um comentário sobre “O trem, o café e o silêncio

  1. Prezado Milton,

    Sou teu fã de carteirinha. Mesmo quando viajo, tenho um 2º. celular, ligado direto no CBN,, começando pelo Paulo Galvão, na madrugada e segue às 5 hs a PN ; às 5:30 a Letícia antecipa o JORNAL que você apresenta com maestria, junto com a Cássia Godoy. Ela, que a partir de hoje, estará descansando .

    Tudo isso para te dizer, que amei a abordagem do texto contido em teu e-mail e para te desejar um Feliz Ano Novo extensivamente aos seus familiares e à família CBN

    Cordialmente

    Agostinho

    11 99159 6975

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