
Eu vivi as arquibancadas ainda descobertas do Olímpico, em Porto Alegre. Época em que a vibração do torcedor era ritmada por uma corneta impulsionada por ar comprimido. Forjei-me como torcedor quando o alambrado era a barreira que nos impedia de invadir o gramado e levar o time às conquistas impossíveis.
Quando já éramos Monumental, cantei em coro o grito de “Grêeemioooo, Grêeemioooo, Grêeemioooo…” com suas sílabas esticadas, que mais pareciam um chamado à equipe para que encorpasse nossa imortalidade e superasse suas dificuldades. Foi com este grito que vencemos todos os títulos que estiveram a nosso alcance.
Experimentei a Avalanche Tricolor que desaguava pelas arquibancadas inferiores em uma sintonia inexplicável, considerando a quantidade de pessoas que participava daquele êxtase. Um movimento desfeito quando tivemos que mudar de endereço, deixando para trás parte de nossa história e levando mala e cuia para o Humaitá.
O estádio na Azenha era meu vizinho de infância e foi lá dentro que cresci como gente, aprendi com o sofrimento e entendi o valor de virtudes como coragem, lealdade e fortaleza. Assim como eu, gerações inteiras de torcedores se formaram e lembram com saudade do velho casarão. Uma conexão que nunca se realizou de verdade com a Arena, apesar de, na nova sede, termos reconquistado Copas do Brasil e Libertadores, além de uma sequência de campeonatos gaúchos.
Hoje, 15 de julho de 2025, essa história começa a mudar. Marcelo Marques, um torcedor criado no Olímpico Monumental, assim como eu, você e uma nação inteira de “imortais” — apenas mais rico do que todos nós juntos —, comprou a gestão da Arena e doou ao Grêmio. Algo que nos parecia inacreditável. Foi um anúncio nada formal, com lágrimas, palavrões, gritos de guerra e aplausos intermináveis. Não me atrevo a explicar a negociação que teria custado cerca de R$ 130 milhões em acordo assinado com a Revee e a Arena Porto-Alegrense, responsáveis até agora pela gestão da Arena. Sou incapaz de endossar as projeções financeiras feitas pelo empresário, maior fabricante de pão francês do mundo. Torcerei muito para que o tempo ratifique o sucesso das contas feitas por ele.
O que importa neste instante, e por isso esta data entra para a história do Grêmio, é que Marcelo Marques, na eloquência de sua paixão, concretizou um sonho que começou a ser sonhado na gestão de Fábio Koff, em 2014, dois anos depois da nossa mudança para o Humaitá. O presidente do Mundial, da Libertadores, do Brasileiro, das Copas e tantos outros títulos anunciara naquela época um acordo com a OAS para a compra dos direitos de exploração da Arena. Foi dele a frase que, somente agora poderá ser gravada nas paredes de nosso estádio: “A Arena é do Grêmio, dos meus filhos, dos meus netos …”.
Havia dificuldades financeiras, imbróglios jurídicos e uma complexa burocracia envolvendo diversos interesses e empresas, algumas de idoneidade questionável. Havia desrespeito ao torcedor, tratado como se a ele não pertencesse aquele espaço, mesmo sendo a razão da existência daquela Arena. Havia entraves, quase intransponíveis.
Mas o Grêmio foi forjado diante do impossível: foi assim quando calou um Morumbi inteiro para ser Campeão Brasileiro, quando surpreendeu o mundo ao superar os alemães em Tóquio, quando se sobrepôs à violência de La Plata e à garra sul-americana para ganhar suas Libertadores ou quando conquistou a Batalha dos Aflitos.
O Grêmio alcançou hoje uma das vitórias mais importantes de sua história, porque resgata o protagonismo do seu torcedor — que, imediatamente, correspondeu associando-se em grande número e depositando seu entusiasmo em uma era que se inicia. Garante que cada novo gremista possa sentir o significado de ser o dono de sua própria casa. E dará às novas gerações a possibilidade de eternizar na Arena a alma imortal que nasceu no Olímpico — um balé de corpos em avalanche, um sopro agudo e valente da corneta, e um grito que ecoará, eterno, pelos séculos tricolores.