
Dezembro tem um jeito próprio de cobrar a conta do ano. O corpo segue, a agenda insiste, as festas aparecem no calendário, e a cabeça começa a fazer balanços que ninguém pediu. Na conversa com a psicóloga e escritora Beatriz Breves, uma pergunta atravessa o período: como cuidar da saúde mental ao longo dos meses para não chegar ao fim do ano esgotado? O tema foi discutido no programa Dez Por Cento Mais, apresentado pela psicóloga e jornalista Abigail Costa.
Autora do livro “Falando de Sentimentos” (Mauad X), Betriz propõe um critério direto para perceber quando o desgaste passou do ponto: “Sofrimento. Excesso de sofrimento”. Ela faz uma distinção importante: sofrer faz parte do caminho. O problema começa quando a dor “atrapalha” o cotidiano, o trabalho e os afazeres. Nesse caso, a orientação é clara: buscar ajuda. “A medida é o quanto a pessoa aguenta… quanto você aguenta o peso”, resume.
A conversa também vira o espelho para o outro lado da balança: o que seria um ano emocionalmente bem vivido? Para Beatriz, não é um inventário de metas cumpridas para agradar os outros. É mais íntimo e menos exibível: “um ano que você tá satisfeito com o que você é e fez”. Ela reforça que não existe régua única. “Cada ser humano é único”, diz, ao criticar a mania de enquadrar pessoas em modelos de sucesso e produtividade.
Metas, comparações e o cansaço de viver a vida do outro
Ao falar de metas, Beatriz usa uma imagem simples: saber tudo sobre bicicleta não ensina ninguém a pedalar. “Para realizar, a gente tem que viver”, afirma. A crítica dela mira o excesso de teoria e a promessa repetida, ano após ano, sem experiência concreta no meio do caminho.
A pressão social aparece como motor desse cansaço. “A pessoa às vezes se exige… por uma exigência social”, observa, citando exemplos comuns: corpo, hábitos, fins de semana, padrões de vida. O ponto, segundo ela, não é abandonar a saúde ou desistir de melhorar. É calibrar o que cabe. “A gente tem que viver o que a gente é. Simples assim. A vida é muito simples. A gente é que o complica.”
Essa lógica se conecta a um tema recorrente no fim do ano: a ansiedade. Beatriz define de forma direta: “A ansiedade é você estar perdido em si mesmo”. A saída, para ela, começa num gesto pequeno: parar, reconhecer o tumulto interno e reconstruir um caminho possível. “Calma. Confia”, diz, como quem dá um comando simples para uma mente que está acelerada.
Sentimentos não andam sozinhos
Um dos pontos centrais da conversa é o que Beatriz chama de alfabetização emocional — a capacidade de nomear o que se sente. Ela afirma que muita gente trava quando é convidada a listar emoções: “Me dê 10 sentimentos. As pessoas não conseguem.” A partir daí, ela desmonta uma ideia comum: a de que um sentimento aparece isolado. “A tristeza é uma orquestra”, explica. Por trás do que está em primeiro plano, há outras emoções sustentando a pessoa, mesmo que discretas.
Ela dá outro exemplo, com o amor: “O amor constrói depende com quem ele tá andando.” Se caminha com posse, ciúme e inveja, vira destruição. Se anda com altruísmo e generosidade, pode virar construção. A chave está no conjunto e, principalmente, no que se faz com aquilo que se sente. “O problema não é sentir, o problema é o que você vai fazer com o que está sentindo.”
A inveja, um sentimento que costuma ser escondido, também surge na conversa. Beatriz defende o reconhecimento, não a celebração. “Se eu posso sentir inveja e devo sentir inveja”, diz, explicando que perceber o que está dentro ajuda a ler o que acontece fora. O trabalho, então, passa a ser de contenção da ação e transformação do estado emocional, não por apagamento, mas por mistura, como na metáfora do café com leite: “você pede um café e põe o leite, aí já não é mais café, nem leite”.
Coragem para escolher o que é coerente
Quando a conversa chega ao tema das prioridades, Beatriz aponta para uma coragem pouco valorizada: escolher diferente da maioria. “É preciso coragem para você tomar uma decisão que a maioria não toma.” Ela conta uma história de início de carreira, em que decidiu seguir a própria intuição na inscrição de um concurso. O desfecho virou argumento: escolhas carregam risco, e a gente só conhece o caminho depois de andar. O termo que ela escolhe para amarrar esse raciocínio é “coerência”: “A gente tem que ser coerente com o que está sentindo, com o que está vivendo e com as nossas escolhas.”
No fim do ano, essa coerência costuma ser testada pela saudade, pela nostalgia e pelo balanço do que mudou. Beatriz descreve o período como uma “salada de frutas” de emoções: lembranças de quem se foi, comparações inevitáveis, uma sensação de que “várias vidas” cabem dentro de uma vida só. O cuidado, segundo ela, não é abafar o passado nem viver preso nele. É reconhecer o sentimento, “convidá-lo” e seguir sem ficar refém.
Ao falar de compaixão e cobrança, ela recorre a uma experiência antiga numa enfermaria com pacientes idosas. O aprendizado, segundo Beatriz, vinha do contraste: quem conseguia olhar para trás com algum grau de satisfação sofria menos. Ela sintetiza a lição num formato que serve para qualquer idade: não dá para fazer tudo, mas é possível buscar uma vida em que “o que eu fiz me satisfez”.
A dica final do episódio, com a marca do Dez Por Cento Mais, vira quase um bilhete de fim de ano sem frase feita: “Não tenha medo de sentir… se permita se conhecer.” Para Beatriz, a dificuldade maior não é a falta de informação. É a falta de contato consigo. “A gente tem um mundo interno tão grande quanto o externo”, diz, lembrando que o autoconhecimento não é luxo; é higiene emocional.
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