“Que cansaço”; “Não aguento, estou cansado”; “O cansaço não me deixa”; “Vai você, estou cansado”; “Durmo, durmo, mas estou sempre cansado!”
Uma sociedade sem energia. Uma humanidade à caça de motivação, vontade, disposição.
Olhos caídos, ombros caídos, corpo lento… O cansaço transborda na imagem, na postura, no tom de voz – transborda no silêncio, inclusive: “Ah Estou cansado demais pra falar, pra brigar, pra conviver… Deixa pra lá.”
O cansaço, muitas vezes, transborda também na irritação à flor da pele, no pavio curto, na falta de paciência pra esperar – e, assim, traz mais problemas pra lidar e… quem diria, mais cansaço.
Para onde foi a energia das pessoas? Onde está a gana, a garra, a habilidade de tentar e fazer e cair e levantar?!?
Para onde foi a vida das pessoas? Porque energia é vida, energia é o que movimenta, o que gera ação, o que constrói e empurra pra frente. Qual será o destino de pessoas tão cansadas?
Os motivos, provavelmente, são diversos – depende de cada indivíduo, cada forma de pensar e sentir, cada forma de agir (ou não agir no mundo) …
Mas como podemos REagir?
Como podemos começar a sair desse lugar de tão pouco, tão escasso, tão frágil?!
Alegrias. O cérebro humano precisa de alegrias, de pílulas de cor e brilho! Não há quadro bonito com pura tela branca. Não há vida feliz com “puro” trabalho + pagamento de contas + resolução de problemas + sofá + cama.
É necessário mais. Colocar pitadas de amarelo e azul e vermelho e verde! É preciso luz do Sol enquanto descansa alguns minutos; é preciso azul do lago ou do Céu enquanto o olhar se acalma; é preciso amor do abraço ou do cafuné no cabelo; é preciso os tons de verde das árvores e plantas que enfeitam e merecem ser admiradas num silêncio passageiro…
Alegrias. Traga momentos de alegrias para sua vida, para sua rotina, para os “seus dias comuns”.
As alegrias empurram o cansaço para o lado e te preenchem de energia, de motivação, de vida.
Vamos ser uma humanidade viva!
A Dra. Nina Ferreira (@psiquiatrialeve) é médica psiquiatra, especialista em terapia do esquema, neurociências e neuropsicologia. Escreve a convite do Blog do Mílton Jung.
As emoções se entrelaçaram de forma contraditória, nestes últimos dias. Fomos levados a extremos que desafiam nossa compreensão e nossa capacidade de reação. Na sexta-feira, uma tragédia se abateu sobre Vinhedo, no interior de São Paulo, onde um avião caiu, levando consigo as vidas de 62 pessoas. Naquele mesmo instante, estávamos tomados pela euforia dos Jogos Olímpicos de Paris. Acompanhávamos em êxtase o ouro conquistado pelas atletas brasileiras do vôlei de praia, Ana Patrícia e Duda; a prata do canoísta Isaquias Queiroz; e o bronze de Alison dos Santos, no atletismo.
Essa dualidade de sentimentos, de dor e de celebração, nos coloca diante de um desafio único, tanto para o público quanto para nós, jornalistas. Eu já estava fora do ar quando o acidente aéreo foi confirmado e acompanhei à distância a tentativa dos colegas na redação em equilibrar a cobertura de uma tragédia de proporções tão devastadoras com a exaltação de conquistas esportivas que simbolizam o esforço, a superação e o orgulho de uma nação. Como transmitir a dimensão de uma perda irreparável sem deixar de reconhecer o mérito e a felicidade daqueles que, após anos de dedicação, alcançaram o topo de suas carreiras?
O escritor e filósofo Albert Camus, em sua obra “O Mito de Sísifo”, explora a ideia do absurdo da existência, uma sensação que muitos de nós experimentamos quando confrontados com situações como essas. Camus argumenta que, mesmo diante do absurdo, o ser humano deve buscar significado e continuar sua jornada. Essa visão pode nos ajudar a entender que a celebração das conquistas olímpicas não diminui a gravidade da tragédia aérea, assim como o luto pelas vidas perdidas não deve obscurecer a alegria daqueles que alcançaram o sucesso.
Da mesma forma, o filósofo Friedrich Nietzsche, em “Assim Falou Zaratustra”, explora a profundidade da existência humana e os extremos que vivenciamos, como a dor e a alegria. Nietzsche nos desafia a abraçar a vida em sua totalidade através do conceito do “eterno retorno”, que propõe que cada momento, seja de felicidade ou de sofrimento, deve ser vivido como se estivesse destinado a se repetir infinitamente. Essa ideia nos convida a aceitar a convivência desses sentimentos contrastantes e a encontrar uma forma de viver que permita honrar tanto a memória das vítimas quanto celebrar o triunfo dos atletas, sem arrependimentos.
O papel do jornalismo, nesse contexto, é justamente o de ser o mediador entre esses extremos, oferecendo ao público uma cobertura que respeite a gravidade da tragédia e, ao mesmo tempo, celebre os feitos daqueles que superaram limites para representar o país no cenário internacional. Não podemos permitir que a existência de um fato desmereça o outro. A dor e a alegria, o luto e a celebração, fazem parte da condição humana e, como tal, devem ser abordados com a devida sensibilidade e respeito.
Ao final, cabe a cada um de nós, como indivíduos e como sociedade, aprender a lidar com essa dualidade, reconhecendo que, apesar de estarmos imersos em uma realidade que nos apresenta cenários tão distintos, somos capazes de encontrar força para seguir em frente, carregando em nossos corações tanto as lágrimas da perda quanto as da vitória.
Soteldo é destaque em foto de Lucas Uebel/Grêmio FBPA
No dia em que escrevo esta Avalanche é feriado em São Paulo. 25 de Janeiro é a data de fundação da cidade que completa 470 anos. Vivi aqui meus últimos 33 anos e agradeço sempre pelas oportunidades que recebi. Sinto-me paulistano e digo isso sem nenhum demérito à cidade em que nasci. Porto Alegre é parte crucial de minha história. Nela tenho os registros da infância e da adolescência, as marcas do início da carreira, parte da família e, claro, o clube do coração. Foi lá que o meu “gremismo” foi forjado. É do Grêmio, aliás, que falo neste espaço como bem sabe o caro e cada vez mais raro leitor desta Avalanche.
Ontem, dia 24 de Janeiro, foi dia de muita festa para o torcedor gremista. À noite, reencontrou-se com o time na Arena, pela primeira vez nesta temporada. Depois do revés na estreia do Campeonato Gaúcho, jogando fora, o Grêmio se impôs e goleou seu adversário em casa. Quem mas se divertiu foi o venezuelano Soteldo que, a persistirem os sintomas, tende a ser o ponto forte da equipe. Driblou como poucas vezes vimos, fez a festa com a bola no pé para desespero de seus marcadores, deu assistência para o gol que abriu a goleada e marcou pela primeira vez com a nossa camisa.
Agustin Marchesín, goleiro argentino contratado este ano, também fez boa estreia, apesar de o lance do pênalti, mal sinalizado pelo árbitro, ter sido motivado por uma falha dele. Foi seguro em todas as demais oportunidades em que o adversário ameaçou nosso gol e demonstrou personalidade forte para comandar o setor defensivo que precisa evoluir muito neste ano de 2024. Aliás, no que se refere à defesa, que alegria ver Geromel e Kannemann lado a lado mais uma vez.
Nessa quarta-feira, havia gremistas com motivos ainda mais especial para festejar. O paraguaio Mathias Villasanti, um dos melhores volantes em atividade no futebol brasileiro, completou 27 anos com mais uma atuação segura. 24 de Janeiro também é aniversário do uruguaio Luis Suárez, que pelo que fez em um ano com a camisa tricolor será nosso eterno craque.
Aliás, os astros merecem ser investigados porque todas as vezes que se alinharam nesta data nos ofereceram grandes nomes. Foi o que fizeram, por exemplo, em 1945, quando lá na pequena Brochier, interior do Rio Grande do Sul, nascia Loivo Ivan Johann, que anos depois se consagraria como o “Coração de Leão” pela forma valente e impetuosa com que jogava com a camisa 11 do Grêmio. Ponta esquerda raiz, com chute forte e ídolo de todos nós torcedores, Loivo completou ontem 79 anos de vida muito bem vivida.
O aniversário de Loivo, ontem, me levou a escrever texto em que compartilhei a experiência que o craque me proporcionou quando eu ainda era um guri de calção curto e camisa tricolor esturricada: o dia em que entrei de mãos dadas com ele no gramado do Olímpico. O relato que, com outras palavras, havia sido contado nesta Avalanche publiquei em grupo de WhatsApp no qual gremistas ilustres participam, dentre eles o próprio Loivo.
Foi então que a minha festa particular se iniciou: o celular tocou e do outro lado era o craque a falar e a agradecer pela história que contei. Imagine a emoção deste escrevinhador que teve de controlar a batida do coração, a lágrima no rosto e a voz que fraquejava. O jornalista voltou a ser o guri do Olímpico, comemorou o feito com a mesma alegria infantil daqueles tempos e com o desejo de abrir a janela do apartamento e gritar: “Gol, gol, gol, gooool de Loivo, o Coração de Leão!”.
Elias comemora o gol, em foto de Lucas Uebel/Grêmio FBPA
O drible de Rildo com a bola migrando de um pé para o outro e deixando os marcadores para trás foi de uma felicidade que só vendo. Tanto quanto o passe que encontrou Elias na cara do gol para fazer aquilo para o qual nasceu. Foram eles os protagonistas do lance que ofereceu ao torcedor gremista nossa primeira alegria do ano.
O mesmo Elias foi responsável por arrancar nosso segundo sorriso na noite de estreia do Campeonato Gaúcho. Com força e talento, cavou e converteu o pênalti que garantiu a primeira vitória na competição, conquistada com uma equipe totalmente formada de guris bons de bola.
Na comemoração de cada um dos gols, o entusiasmo da garotada foi contagiante.
Começo por uma cena que me marcou ainda no primeiro gol. Guilherme Guedes – o lateral esquerdo para o qual se tem depositado confiança há algum tempo, mesmo que ainda jovem, com apenas 22 anos – foi flagrado pela câmera, de joelhos, com os olhos fechados, punhos cerrados, socando o gramado, em uma explosão de alegria; revelando a satisfação de ver seu time mais uma vez no caminho da vitória.
No segundo, Elias, após estufar a rede, correu em direção a linha de fundo, socou o ar e foi encoberto por todos os jogadores do elenco. A turma do banco não se conteve. Correu serelepe em direção ao atacante expressando o contentamento que o futebol é capaz de nos oferecer. Um amontoado de guris se divertindo com o ‘trabalho’ que se propuseram fazer: dar alegria ao torcedor.
Será uma temporada difícil essa que se inicia. O desafio é conhecido por todos nós. Os riscos são enormes. A cobrança maior ainda. Sabe-se lá o que vai acontecer na próxima rodada, ao fim dessa competição ou nos demais campeonatos que farão parte desta jornada. Seja o que for, serão coisas do futebol, este esporte que escolhi para sofrer e sorrir.
Nesta quarta-feira, quando o futebol voltou, a mim foi reservado o direito de sorrir.
Pina, de joelhos a esqueda da foto, no palco do teatro em foto divulgação
Vim do interior de Rondônia. Sonhava em estudar, trabalhar, ganhar um bom ordenado, ajudar a minha família e ser artista. Fiz uma amiga no Orkut, que me convidou para sonhar com ela, em São Paulo. Depois de três dias, desembarquei no Terminal do Tietê. A amiga que deveria estar me esperando, nunca apareceu. Eu, não tinha o que fazer, onde morar …
Passei a perambular pelas ruas. Atordoado pelo desespero e solidão, busquei ajuda na rodoviária. Encontrei um bom homem: Kemps, segurança do terminal. Me apontou direções, me ofereceu comida, me acolheu com generosidade. Encontrei uma boa mulher: Dona Cíntia, que fazia a limpeza dos banheiros. Me deixou tomar um banho: um reconforto para a alma, que estava 14 dias sem higiene corporal.
Comi jornal velho pra enganar a fome. Me fiz palhaço contando anedotas, me humilhei para sobreviver. Do jeito que dava, fui parar na favela. Fiz o próprio barraco. Fomos desapropriados e me juntei aos sem-teto para garantir o meu … Barracos, calçadas, cortiços, pensões, no chão. Dormi onde conseguia. Em cada canto, novos amigos.
A rua me apresentou a realidade nua e crua, a educação pela pedra me transformou dono do meu destino. Criei resistência, fortaleci o espírito e me tornei solidário — aprendi com os amigos que me acolheram. Vivi quatro longos anos intensamente.
Trabalhei em trem. Vendi água, chiclete, chocolate, amendoim. Sempre fugindo dos guardas. Fui pego cinco vezes. Na última, quis desistir. Chorei no meio da plataforma. Outro amigo nasceu: Carlos Ferreira quis saber o motivo do meu choro. Disse que havia perdido tudo e não teria dinheiro para fazer o curso de teatro. Ele me emprestou um carrinho de pipoca. E novos amigos apareceram.
Como pipoqueiro, conheci Juliana Teixeira, atriz e produtora, que ao saber do meu desejo, apostou no meu talento e financiou o primeiro curso de teatro.
Subi ao palco realizando meu sonho. No dia da estreia, soube da morte de meu pai pouco antes das cortinas se abrirem. Trôpego, sem o domínio do meu corpo, segui guiado por uma força invisível. No aplauso da plateia, ouvi a gargalhada de meu pai.
Sou artista, tenho um canal no Youtube, milhares de seguidores. Milhares de amigos. O coração de cada um deles é o melhor canto de São Paulo.
José Pina é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Nós estamos a espera da sua história na cidade. Escreva agora e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Todos os sábados, você ouve mais um capítulo da nossa cidade. Tem também no meu blog miltonjung.com.br e no podcast do Conte Sua História de São Paulo.
Se amanhã não é apenas mais um dia – seja porque é o primeiro do ano seja porque não deveria existir um dia qualquer – que dia será o amanhã? Fiz-me a pergunta ao ler o texto da psicóloga Simone Domingues, publicado neste blog. Dela recebi a amizade e o conhecimento na parceria que se iniciou no caos da pandemia. E desses veio o tema que me provocou a pensar, enquanto vejo o mar quebrar no arrecife.
Assim como levarei comigo o que ganhei nesse ano que se encerra, levo meus segredos. Carrego minhas dores (muitas das quais ainda guardo em silêncio). Sobre os ombros estão as marcas das alças de uma mochila de emoções que dizem devemos esvaziar ao longo da jornada. Como se essas fossem objetos dos quais nos desfazemos porque desbotaram, saíram de moda, se tornaram obsoletos, sem funcionalidade. Não o são. Ao menos para mim, não! Sou um acumulador de emoções.
Em um desses livros deixados sobre a mesa da casa de veraneio de uma temporada para outra, encontro em destaque o texto do escritor moçambicano Mia Couto, que no romance “O mapeador de ausências”, diz ser um esquecedor de sentimentos. Queria um dia ter esse talento. Não o de escrever. O de esquecer!
Amanhã, no primeiro do ano, as marcas não desaparecerão. Estarão na minha lembrança, como estiveram ontem e como estarão depois de amanhã.
Terei vincos mais profundos na pele, que com o tempo perde o viço e o poder de suportar as perdas que acumulamos na vida. Cheguei a me convencer numa época qualquer de que com as cicatrizes o couro se fortaleceria, se tornaria resistente. Desconfio que me enganei. Não há botox, massagem linfática e cremes milagrosos das orientais suficientes para desfazer o que fizemos. Nosso passado está presente no enrugar da testa, no amarrotado das expressões ou no olhar que tentamos disfarçar quando flagrados pelas lentes das câmeras.
Isso não significa que desisti de ser feliz.
Recuso-me a falência da esperança – sentimento que sempre me acompanhou em vida e assim foi descrito pelo amigo Mário Sérgio Cortella, na orelha do livro “É proibido calar!”. E se na recusa me rebelo é porque ainda sou capaz de enxergar o que construí. Tenho consciência do meu saber. Dos meus méritos. Autoconheço-me (com o perdão da conjugação do imperativo afirmativo na inexistente primeira pessoa do singular) !
Tenho o privilégio de ter a companhia de alguém que me ama no dia a dia, a despeito do que sou e sinto. De ter ajudado a criar duas criaturas incríveis, que talvez sequer me merecessem como criador (com letra minúscula, claro). De ter amigos que me oferecem um carinho tão despretensioso quanto profundo. De ter você, caro e cada vez mais raro leitor deste blog – uma gente que sequer me conhece bem, mas deposita confiança no que faço e digo.
São eles, cada um deles, cada um de vocês, motivo e razão, para que no amanhã – seja qual for esse amanhã – , eu levante da cama e acorde como tenho acordado todos os dias que se passaram até aqui: com o peso da minha mochila de emoções, pecados e desejos, e com a vitalidade que o propósito de ser uma versão melhorada de mim mesmo me oferece – mesmo que suspeite da minha incapacidade de sê-lo.
Ricardinho comemora gol da virada em homenagem ao pai morto por Covid-19 Foto Lucas Uebel GrêmioFBPA
Deve achar estranho o caro e cada vez mais raro leitor desta Avalanche que depois de mais uma vitória em clássico, de virada, na casa do adversário e em final de campeonato, eu tenha demorado tanto para me apresentar neste espaço. Em outros tempos, a publicação viria ainda com o suor encardido do jogo sofrido e a emoção aflorando do coração à mente e da mente aos dedos que digitam cada palavra deste espaço. Estranho não é meu comportamento. São os tempos em que vivemos.
Estranhos e complexos. Difíceis de serem digeridos. Tomados de absurda desconsideração com o outro. Com a vida. Com a gente querida. Noticiamos mortes e a elas —- sim, com direito a pronome pessoal de tão familiares que se tornaram — somamos outras tantas. E de tanto que noticiamos, passamos a traduzir a tragédia sanitária vivida apenas em números: um + um + mil + uma centena de milhares …
Quando os corpos ganham nomes e histórias, a realidade se apresenta. Foi o que aconteceu comigo neste domingo ao acordar com a informação da morte de Eva Wilma, aos 87 anos, por câncer no ovário. Ela fazia parte da família, não fazia? Se não pelo teatro —- onde tinha talento impressionante, quase sempre ao lado do amado Carlos Zara —, certamente pela televisão que transformou seu rosto e sorriso populares. Familiares.
O almoço de domingo ainda não estava servido, quando chegou a notícia da morte esperada de Bruno Covas, aos 41 anos, também vítima de câncer. A doença do prefeito acompanhamos mais de perto. Desde que a descobriu, em outubro de 2019, tornou-a pública e a tratou com transparência —- apenas uma das muitas lições que aprendeu com seu avô e guia Mário Covas. Com seu exemplo, deve ter fortalecido muitas outras pessoas que sofrem do mesmo mal. Revelou resiliência e desejo de estar vivo — e isso é um mérito diante de atos que colocam dúvidas sobre a sanidade mental de algumas pessoas que parecem prezar a morte (a dos outros, lógico).
O domingo não havia terminado quando soubemos da morte de MC Kevin, aos 23 anos, vítima aparentemente de sua própria vontade, em situação ainda estranha ao nosso conhecimento. Confesso que do músico do funk sabia pouco. Mas era mais uma cara a ilustrar a morte. E isso tudo me impacta sobremaneira.
A amenizar a dureza da realidade, havia o futebol na televisão, assistido ao lado do filho mais velho, que há algum tempo tem-se revelado tão ou mais gremista que o pai. Conhece cada jogador. Sabe quem deve entrar. Quem deve sair. Qual o caminho do gol a fazer e o do gol tomado. O futebol em família é outro dos fenômenos que fazem este jogo ultrapassar as fronteiras do esporte — e não vou me atrever a destrinchar essa teoria porque já foi feita por gente de alta qualidade como Gilberto Freyre, Eduardo Galeano e Franklin Foer. Dê um Google neles. Valem a pena!
Nos dois gols que marcamos, depois da decepção de sair atrás no placar, comemoramos juntos em pé no sofá da sala. Batemos as palmas das mãos. Nos abraçamos. Beijamo-nos. Fomos cúmplices no sofrer diante da tela quando aquela bola, quase no fim da partida, relou o travessão — se entrasse resultaria em um empate até aceitável, mas amargo para quem estaria próximo da vitória.
Mesmo naquela alegria fugaz do futebol e talvez até por isso, uma imagem não me saía da cabeça: a do dia em que o prefeito Bruno Covas apareceu ao lado de seu filho Tomás, de 15 anos, na arquibancada do Maracanã, semi-fechado devido a pandemia.
Apenas alguns poucos tiveram aquele privilégio. E a crítica sobre o prefeito foi intensa, pois enquanto ele estava por lá, deixava para trás a ordem de todos ficarmos em casa, aqui em São Paulo. Parecia uma contradição. Um desrespeito. Devia solidariedade ao povo paulistano, dizia-se.
Covas explicou que seria uma oportunidade única torcer pelo Santos ao lado do filho, em uma final de Libertadores. Nunca disse, mas deixava explícito que lá estava não porque seria a única, mas porque seria a última. Ele tinha consciência do avanço da doença. Do drama pessoal que passava. Da dor de perder os momentos mais intensos de nossas vidas. Que em breve, não sabia quando, mas em breve, teria de abrir mão tão cedo de tudo aquilo que só nós que estamos vivos podemos usufruir, mesmo que não saibamos valorizar.
Estar na arquibancada ao lado do filho era um prazer do qual Covas não queria abrir mão, a despeito das críticas que ouviria. Fui cúmplice dele ao não criticá-lo. Ele tinha esse direito. E o exerceu. Quem já se deu a oportunidade de pular na arquibancada e abraçar seu pai pelo gol assinalado ou o título conquistado, vai me entender. Já o fiz como pai e como filho. Tomás levará para a vida o gesto e o exemplo do pai, que nos deixa muitas lições — a começar a de termos consciência do que realmente é importante no nosso cotidiano, a quem devemos prezar e dedicar o nosso amor.
Espero um dia aprender essa lição por completo. Que não seja tarde.
PS: Ricardinho, que ilustra foto deste post, perdeu o pai e o avô recentemente e segue compartilhando com eles a alegria de cada gol.
Confesso que nunca fui das maiores folionas de Carnaval, mas admirava aqueles dias de festa, as pessoas nas ruas, a explosão de sons e cores.
Esse ano nosso Carnaval está diferente, como todas as demais festas que foram canceladas por conta da pandemia. A maior manifestação cultural brasileira foi silenciada.
O Carnaval no Brasil teve início no período colonial, como uma brincadeira popular praticada pelos escravos, alguns dias antes da Quaresma, na qual as pessoas saiam às ruas e jogavam umas nas outras líquidos que poderiam ser desde água, café ou até mesmo urina.
No século XIX, houve uma campanha para reprimir essa brincadeira ao mesmo tempo em que surgiam os bailes em clubes e teatros criados pela elite do Império. Apesar disso, as camadas mais populares não desistiam das comemorações de Carnaval e criaram os cordões. Ainda no século XIX, surgiram as marchinhas de Carnaval. No século XX, o frevo, o maracatu, as escolas de samba, os trios elétricos… o Carnaval continuou fazendo história. Se tornou uma das peças da formação da identidade e símbolos do nosso povo.
Retratado em poesias e canções, o Carnaval serviu de inspiração para muitos artistas, com seus ideais de liberdade, de sonhos, de fantasias e do saudosismo trazido com a Quarta-Feira de Cinzas, anunciando o fim da festa.
Exatamente na Quarta-Feira de Cinzas, algumas religiões cristãs iniciam a Quaresma, momento dedicado ao recolhimento e à penitência.
Das inversões produzidas pela pandemia, temos um Carnaval com privações, distanciamento e silêncio.
Quiçá isso seja capaz de reduzir as contaminações e, com as vacinas em curso, possamos logo nos livrar desse mal que nos atinge.
Me sinto como aqueles foliões que na Quarta-Feira de Cinzas ficavam sonhando com o próximo Carnaval. Não porque eu esteja desejando tal data, mas porque vislumbro o momento no qual poderemos sair às ruas, cantar, dançar e nos abraçar como fazíamos em outros carnavais. Parafraseando Chico Buarque, a única epidemia que queremos agora é de uma alegria contagiante: “Vai passar!”.
Simone Domingues é Psicóloga especialista em Neuropsicologia, tem Pós-Doutorado em Neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das autoras do perfil @dezporcentomais no Instagram. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung
Estou aqui para falar de vida e peço perdão se você, caro e raro leitor desta Avalanche, esperasse ler – se é que alguém me espera – sobre a vitória do Grêmio na tarde de domingo, em Porto Alegre, que praticamente lhe garantiu presença na Libertadores – faltam apenas alguns pontinhos. Desta vez, por estar de corpo presente na Arena, na minha estreia neste palco impressionante do futebol, até poderia tratar da bola rolando com mais precisão do que quando assisto aos jogos pela televisão. Mas não haveria espaço para tal diante das emoções que senti desde que cheguei à capital gaúcha e especialmente à arena gremista.
Claro que a vitória renderia um ótimo papo com você, pois foi construída a partir de dois tempos bastante distintos e dois gols que mostraram a categoria do time de Roger – um time que joga com paciência, segurança e talento, mistura que às vezes é difícil de ser entendida pelo torcedor. O primeiro dos gols, aliás, foi obra prima, pois se iniciou com a visão de jogo e o passe preciso de Douglas, o drible de categoria e a humildade de Luan, coisa rara no futebol competitivo que temos, e, claro, a velocidade e oportunismo de Everton. O segundo, valeu também pelo conjunto da obra, mas gostei muito de ver a calma do atacante Bobô para escapar da marcação e tocar a bola distante do alcance do goleiro.
Como disse, porém, não vim aqui falar de futebol. Quero falar de vida!
A partida desse domingo foi o presente de 80 anos que escolhi dar ao pai, que, convenhamos, não requer mais apresentações. Foi ele quem me ensinou ser gremista – entre outras tantas coisas boas que fez por mim na vida. Nunca havíamos assistido ao Grêmio na Arena e eu fazia questão de lhe proporcionar este momento levando-o até lá, assim como ele me levou de mãos dadas algumas centenas de vezes ao Estádio Olímpico. E não fomos sozinhos. Estavam lá filhos e netos. Queríamos que fosse um momento especial. E foi muito mais do que isso.
Velhos conhecidos o paravam para saudá-lo enquanto caminhávamos até o espaço reservado para assistir ao jogo. Entre abraços havia lembranças das épocas de narrador, e na voz de quem o cumprimentava a saudade dos tempos do Milton Gol-gol-gol Jung! Ouvir o locutor do estádio anunciar os gols da partida com os três gritos repetidos que se transformaram em sua marca parecia mais do que uma coincidência: soava como exaltação. Aliás, os gols – que não tinham como estar programados para a festa, mas que foram muito bem-vindos – me deram a chance de vibrar ao lado do pai mais uma vez como fizemos tantas outras no passado. Dei-lhe um abraço com a alegria que as vitórias costumam nos oferecer. Não esta que o futebol nos proporciona, já que esta é fugaz. Refiro-me a vitória que é estar vivo para compartilhar nossas alegrias em família, mesmo diante de todos os percalços que a vida nos impõe. Vê-lo sorrindo e com o olhar brilhando e ter filhos e netos ao lado dividindo a mesma emoção foi muito especial.
Ao fim do jogo novas emoções nos esperavam, pois a direção do Grêmio o recebeu para cumprimentá-lo e lhe presenteou com uma camisa do clube. Lá estavam o presidente Romildo Bolzan, o vice-presidente de futebol César Pacheco, o supervisor Antônio Carlos Verardi – companheiro dele de antigas batalhas -, o diretor executivo de futebol Rui Costa dos Santos e o técnico Roger Machado, que antes de seguir para a entrevista coletiva foi apertar-lhe a mão. Assim como eles, antigos funcionários do clube também passaram para trocar algumas palavras e demonstrar admiração. Confesso que não sei se o pai percebeu a dimensão daquele gesto, pois ele sempre foi comedido nestes momentos, mas posso garantir que, assim como meus irmãos e os netos dele, assistimos a tudo com muito orgulho.
Obrigado, Grêmio! De todas as alegrias que você me deu até hoje, nenhuma poderia ser maior do que o respeito demonstrado ao pai.
Grêmio 3 x 1 Caxias Campeonato Gaúcho – Arena Grêmio
Foram quatro gols na partida do fim deste sábado. Claro que vou me dedicar aos três que tiveram nossa marca – apesar de o deles também ter tido, mas, convenhamos, hoje não é dia de choradeira. Vamos ao que interessa e nos dá alegria.
O primeiro foi especial não apenas pela maneira como ocorreu: gol Olímpico para marcar a retomada das vitória na Arena. Mais do que um jogo de palavras, a importância do gol de Douglas se dá por ter acontecido quando a impaciência já tomava conta de parte das arquibancadas. E do time, também, pois, diante de mais um ferrolho, encontrava dificuldade até mesmo para chutar. Alegra-me saber que voltamos a ter a possibilidade de marcarmos do que, erradamente, batizou-se no futebol como sendo “gol de bola parada”. É jogada que precisa ser treinada e bem aproveitada, especialmente porque retrancas serão encaradas no Campeonato Gaúcho e nas primeiras rodadas da Copa do Brasil. Estávamos precisando incluir estes lances em nosso cardápio. Ainda estamos devendo na cobrança de falta.
O segundo resultou da marcação forte que vem se tentando fazer ainda no campo do adversário. No clássico da semana passada foi o que nos deu vantagem em parte do jogo, e hoje foi o que levou Marcelo Oliveira a roubar a bola e permitir o contra-ataque. A velocidade até a área e o chute forte de Everaldo, que havia entrado fazia pouco tempo, permitiram que Marcelo Oliveira concluísse em gol. O sorriso no rosto do polivalente volante foi a imagem mais marcante da partida na minha opinião. Andava cansado de ver aquelas caras fechadas e testas franzidas de preocupação; ou a indiferença nas comemorações, resumidas a algumas trocas de abraços e nenhum afago para a torcida. A felicidade de Oliveira mostra bem o quanto ele está engajado na ideia de dar a nós gremistas novas alegrias.
O terceiro veio na hora certa (se é que existe hora errada para marcar gol)! E nos pés do cara certo, também. Yuri Mamute é promessa já faz algum tempo. Faz gols com a camisa da seleção e gols nas categorias de base. No time principal, porém, ficávamos apenas na expectativa de vê-lo explodir em campo um dia. Domingo passado, se saiu bem, mas não foi além disso. Hoje, explodiu mesmo e com aquela massa muscular que se destaca saiu em disparada para o ataque sendo caçado pelo marcador. Por mais que fosse empurrado e chutado, não perdeu o controle da bola nem mesmo diante do goleiro. Teve calma para driblar e encontrar o espaço preciso. Foi comemorar nos braços da torcida e nos deu o direito de sorrir mais uma vez no Campeonato Gaúcho.
Se Mamute merecia este gol pelo esforço que faz em campo sempre que veste a camisa tricolor, nós, também merecíamos a alegria desta vitória. A alegria que só a repetição de gols como os deste sábado à noite é capaz de nos oferecer.