Conte Sua História de São Paulo: Belenzinho, o bairro que não cabia no letreiro do ônibus

Júlio Araujo

Ouvinte da CBN

Bairro do Belenzinho em foto da Wikipedia

Belenzinho ou Belém? Onde começa um e termina o outro? Faço a confusão  geográfica desses bairros tal como ainda fico confuso  com a localização do  Bixiga e da Bela Vista. 

Embora ainda persista em mim  a dúvida geográfica, pesquisei a origem do bairro e encontrei a definição curiosa no livro Bairros Paulistanos de A a Z de Levino Ponciano: 

“1899 – Belenzinho-Belém: O bonde 24 que servia a toda a região trazia estampado somente Belém e não Belenzinho. Esse uso caiu no agrado do povo: virou mais um distrito da capital e o Belenzinho ficou sendo um pequeno bairro”  (Livro Bairros Paulistanos de A a Z – Levino Ponciano – Editora Senac – São Paulo)

Com efeito, Belém era Belenzinho que detinha a condição de titularidade distrital. Hoje, Belenzinho pertence ao distrito do Belém, assim como a Vila Maria Zélia, o Catumbi e a Quarta Parada.

Um local  do bairro que sempre temi quando moleque, e toda a molecada do meu tempo também temia, era o Juizado de Menores, na Celso Garcia. Os adultos quando nos repreendiam diziam que nos mandariam para lá. O prédio abrigou também a Febem e, posteriormente, deu lugar à Fábrica de Cultura Parque Belém.

Do bairro trago recordações de quem passeava e trabalhou nele.  

Minha primeira lembrança de estar em solo belenense, ainda criança,  foi quando  visitávamos a casa de avós paternos, em Sapopemba. A impressão foi que o Belenzinho era chique para quem estava num bairro distante do centro. Lembro do  meu avô com sua malinha na mão, onde guardava a marmita, esperando a sua condução. 

Mais tarde, já adolescente, fui trabalhar no bairro no escritório de  uma empresa de ferro e aço na Rua Júlio de Castilhos. Foi no ano de 1966. Meu trabalho seria no escritório mas na prática eu embalava rolos de fios de cobre o dia inteiro e fazia o controle do estoque. Era divertido. 

Não muito longe da firma, no Largo do Belém, no horário de almoço, eu gostava de estar por lá e me juntava aos engraxates buscando me enturmar. Muitos jovens, na maioria de famílias abastadas, que só estudavam, se reuniam para tocar e cantar músicas daquele tempo. Eu adorava. OI patrão não gostava muito dos atrasos constantes e tive de sair da empresa, fui convidado a sair.  

Continuei frequentando o bairro. No carnaval era montado um enorme tablado no Largo com apresentações de cordões e escolas de samba. O patrocinador era uma loja de departamentos de nome Sangia, famosa por promover shows artísticos. Roberto Carlos esteve muitas vezes presente nesses shows. 

Lembrança também tenho do Salão de Forró do Pedro Sertanejo, compositor, cantor, e dono de gravadora, a Cantagalo. Ele também foi o descobridor do famoso sanfoneiro Dominguinhos. O salão ficava na  Catumbí, e foi, por sinal, o pioneiro do forró, em São Paulo. Eu com amigos íamos mais para tirar uma onda e como paulistanos achávamos graça do ritmo e da dança, desconhecidos até então. Mal sabíamos que seriam eternizados e amados pelos paulistas e em todo o Brasil  a ponto  de receber uma variação paulistana sob o nome  de Forro Universitário.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Júlio Araújo é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Esse texto do Julio foi adaptado para você ouvir aqui no rádio. Escreva o seu e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br  ou o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de SP: a guerra de mamonas no bairro da Penha

 

Por Rodolfo Eufrásio da Silva
Ouvinte-internauta

 

 

Nascido no Brás, infância no Belenzinho e adolescência na Penha. Paulistano de corpo e alma, belo! Lembranças de um tempo onde garoava em São Paulo, os litros de leite eram de vidro e o pão chamado de bengala. O Grupo Escolar Amadeu Amaral e o policial com apito, parando o trânsito para que pudéssemos atravessar o Largo São José do Belém. Coincidência ou não, tínhamos em cada extremo de nosso bairro três torrefações de café: Moka, Seleto e Jardim, que todas as tardes lançavam ao ar um maravilhoso aroma de café torradinho.

 

No início dos anos 70, mudamo-nos para a Penha, bairro também tradicionalíssimo, mas com características completamente diferentes, um jeito de interior, com centro comercial movimentadíssimo, cheio de vitrines e muitas pastelarias chinesas, rodeado por vilas tranquilas, campos de futebol, córregos e grandes espaços livres, onde travávamos guerras de mamona, arremessadas por nossos estilingues nos garotos da outra vila. Pipas, bolinhas de gude e peões passaram a fazer parte de minha vida. Nessa época, o ponto alto de nossos fins de semana eram os bailinhos de garagem, os vinis rodando em vitrolinhas portáteis, dançando juntinho um prá lá e prá cá, corações disparados em clima romântico num sonho adolescente. John Travolta, com seus Embalos de Sábado à Noite, motivou a abertura de grandes discotecas e viramos fregueses de carteirinha da Toco, na Vila Matilde.

 

Com a necessidade de se começar a trabalhar cedo, geralmente como office-boy, nos abria a porta desse grande mundo que era o centro de São Paulo. Filas em cartórios, bancos, repartições públicas reuniam centenas de garotos, com suas pastinhas debaixo do braço. Inúmeras vezes fazia a pé o percurso Praça da Sé, Praça da República, Consolação, Paulista, Brigadeiro e retornando a Sé, verdadeira São Silvestre, só para economizar os trocados do ônibus, sonhando com aquele tênis Germade! Alimentação saudável: pastéis, esfihas, coxinhas e churrasco grego com suco grátis, várias vezes ao dia. Voltar do trabalho para casa através do inesquecível Lapa Penha, sempre extremamente lotado. Jantar, pegar os materiais, se trocar, escovar os dentes, arrumar o cabelo, nem sempre nessa ordem era o ritual obrigatório diário para se ir ao colégio. Tudo muito difícil mas que marcou nossas vidas de uma forma maravilhosa e inesquecível! Parabéns São Paulo, meu berço, meu amor!

Conte Sua História de SP: o caminhão de manivela do Dito Caipira e minha rua de terra

 

Por Nerci Pedroso Bueno

 

 

Meu nome é Nerci, nasci no Belenzinho, precisamente na maternidade Leonor Mendes de Barros. Mas sou moradora de um bairro da periferia de São Paulo, Ermelino Matarazzo.

 

Quero falar um pouco do meu bairro: minha casa é de esquina e fica numa rua com descida. Naquela época, em 1969, as ruas do bairro eram todas de terra como a gente costumava a falar. Quando chovia, descia tanta água por aquela rua que não dava outra: entrava água nas casas, um metro de água, mais ou menos. Minha casa vivia enchendo e ainda me lembro da minha mãe e irmãos puxando a água com rodos, vassouras, o que desse certo.

 

Meu pai, o Dito Caipira, como era conhecido no bairro, motorista de caminhão a manivela, fazia carretos para os moradores. Uma vez, ele contou que, quando foi morar no bairro, só tinha a casinha dele de madeira e de alguns vizinhos, dizia que cansou de matar cobras no nosso quintal. E que, juntamente com os poucos moradores, foi pedir ao então governador de São Paulo para colocar luz elétrica no bairro. Foram todos no caminhãozinho do meu velho pai.

 

Minha infância se deu neste bairro pobre de periferia.

 

Nessa mesma rua que descia a chuva em forma de correnteza, eu e muitas crianças entravam na enxurrada. A rua tinha muitos buracos. Como disse, minha casa era na esquina e toda água desembocava lá, era uma farra.

 

Em dias de sol, descia a rua de carrinho de rolimã feito pelo meu irmão mais velho. Descia com tudo a rua, sem medo do perigo e sem medo de ser feliz.

 

As brincadeiras dessa época eram inocentes, recordo-me que meu pai plantava milho num terreno emprestado e eu brincava com as espigas, logicamente sem arrancar do pé: fazia carinha nas espigas e trancinhas nos cabelinhos do milho.

 

Ah, saudades daquele tempo!

 

Hoje, o bairro progrediu, as ruas estão asfaltadas, já não entra mais água na minha casa, o terreno emprestado tornou-se uma vila de sobrados, que já foram todos vendidos.

 

A rua ficou movimentada, não tem mais carrinho de rolimã nem as espigas – agora só no supermercado mesmo – , e o caminhãozinho de mudança ligado a manivela já não existe mais nem seu dono, o Dito Caipira.

 

Essa é minha história, história de uma paulistana que ama profundamente esta cidade.

 

Conte Sua História de SP: minha carta ao Belenzinho

 

O texto que foi ao ar no Conte Sua História de São Paulo foi enviado por Heloísa Valle Fernandes, mas é de autoria da mãe dela, Da. Maria Helena Cavalcante Fernandes, que completou 80 anos, em novembro de 2012. Dona Maria Helena escreveu esta história de próprio punho:

 

 

Quando fiquei sabendo que o Sesc Belenzinho seria inaugurado no mês de dezembro, fiquei tão feliz que me vieram à memória tantas passagens de minha vida aqui no Belém. Moro aqui há 77 anos e quando tinha oito anos de idade tomava o bonde bem em frente onde hoje é o Sesc, na antiga fábrica de tecidos do Moinho Santista, e ia para a Escola Padre Anchieta, onde fiz o curso primário. Fico encantada com tanto progresso no meu bairro e o Sesc será uma importante referência. Me lembro bem das brincadeiras na rua, pois não eram asfaltadas e a meninada brincava de Mãe da Rua, Lenço Atrás, pulava corda … e quando a prefeitura trouxe as guias para preparar o asfalto, a gente pulava de uma a uma até a Álvaro Ramos. Foi um tempo muito gostoso! Agora, por aqui, já existem prédios luxuosos que foram construídos onde eram as fábricas de tecidos. A outra importante referência do bairro é o Hospital Infantil Cândido Fontoura, na Siqueira Bueno, que foi construído onde era antigamente a ‘Caixa D’Água” que pegava o quarteirão todo.

 

 


O Conte Sua História de São Paulo vai ao ar aos sábados, logo após às 10 e meia da manhã, no CBN São Paulo. Você pode participar com texto enviado para o e-mail milton@cbn.com.br ou pode agendar uma entrevista em áudio e vídeo no Museu da Pessoa pelo e-mail contesuahistoria@museudapessoa.net.

Conte Sua História de SP: o taxista do Belenzinho

 

Por Cesar Cruz
Ouvinte-internauta da rádio CBN

 

 

 

Céu preto. Fiz sinal pro táxi. Oxalá! Quase eu gritei de alegria quando ele parou, porque eu já estava tomando aqueles pingões grossos na careca. Pulei pra dentro do carro a tempo de vê-los (os pingões) desabarem todos lá do céu, de uma só vez.
 

 

— Segue pra onde? — foi a pergunta do taxista, que eu mais intuí do que propriamente ouvi, por conta do barulhão da chuva na lataria.
 

 

— Metrô Belém! — gritei — É o mais perto, né?
 

 

Ele não respondeu, porque acho que também não ouviu. Se nem eu com 42 anos estava conseguindo ouvir minha própria voz, que dirá ele, que parecia bem velhinho.
 

 

Seguimos pelas ruas do bairro do Belenzinho, já empoçadas àquela altura. Fui observando pela janela os transeuntes com seus guarda-chuvas se aglomerando nas calçadas, duas moças aos gritinhos que, com cadernos na cabeça, buscavam refúgio sob uma marquise, e os camelôs correndo pra desmontar tudo.
 

 

Enquanto meus pensamentos vagavam, pelos meus ouvidos parecia ir entrando uma espécie de reza sonolenta, numa vozinha abafada pelo barulho da chuva; certamente uma missa na rádio do táxi. Espiei no painel e o rádio estava desligado. Não era rádio coisa nenhuma! Era o velhinho taxista, que recitava aquela ladainha e me espiava pelo retrovisor, esperando que eu desse algum tipo de sinal. Apurei os ouvidos para ver se entendia alguma coisa do que ele dizia. 
 

 

Lá fora já não se enxergava um palmo à frente do carro. E os trovões rachando sobre nossas cabeças. Enquanto o táxi avançava passo lento, fui pescando alguns fragmentos das histórias que contava o homem, em seu uníssono monocórdio e de baixo volume. Para fazê-lo feliz, mesmo sem conseguir ouvir quase nada, eu ia vez por outra dizendo “Oh, é verdade!”, ou “Puxa, que coisa, hein?”.

 

Algumas passagens eu conseguia compreender, como a do pai dele, que na época da Segunda Guerra dirigira bondes ali pelo bairro, foi motorneiro; da mãe, que trabalhou a vida toda na extinta firma Moinhos Santista, na Marquês de Abrantes; do irmão, dois anos mais velho que ele, que quando eles eram meninos de calças curtas foi atropelado por um bonde e morreu na sua frente.
 

 

— Não era o bonde do seu pai, né? — perguntei de um súbito, repentinamente chocado.
 

 

— Não, com a graça de Deus… — ele disse.
 

 

E o trânsito ia fechado diante de nós, e o que deveria ser uma corrida de 5 minutos já levava quinze. Não havia o que fazer. Impossível saltar na chuvarada a procurar uma estação que eu nem sabia onde ficava.

 

E na minha distração já ia avançado um relato sobre elevadores, e pelo que consegui escutar, desde mil novecentos e sessenta e alguma coisa ele não entrava em um, porque sei lá quem morreu num “despencamento horroroso” de um elevador no centro da cidade, e do corpo só sobrou a cabeça em cima dos sapatos…
 

 

E tome história!
 

 

Na calçada uma confusão enorme causada pela tempestade que arrastou tudo, e dentro do táxi uma profusão de causos que se sucediam loucamente. Agora ele contava o drama de um câncer que tinha vencido “com a força do trabalho”, porque o homem não pode ficar ocioso nem na hora da doença e…
 

 

Trovão! Cabrum!
 

 

— Porque a minha senhora, que…
 

 

Catabrum! Chuaaaá!
 

 

O final dessa frase se misturou a todos aqueles barulhos, e me sucedeu uma aflição, porque desconfiei que houvesse acontecido alguma coisa com a senhora dele.
 

 

— O quê? — perguntei; mas ele não parava nem por Deus de recitar suas histórias; nem pra ouvir os outros, nem pra esfregar a flanela no para-brisa que ia espalhando o embaçado do vidro. Por fim eu fiquei sem saber se o complemento da frase seria:
 

 

“Porque a minha senhora, que hoje é acamada,…”; ou:
“Porque a minha senhora, que não gosta que eu conte histórias,…”; talvez: “Porque a minha senhora, que acha essas chuvas um perigo,…”;
 

 

Ou um terrível:
 

 

“Porque a minha senhora, que Deus a tenha,…”.
 

 

Sei que àquela altura o táxi já estava encostado no meio fio. Paguei a corrida e chapinhei na enxurrada até a segurança da cobertura da estação, mas ainda a tempo de ouvi-lo enfim se apresentar:
 

 

— Luiz Fernando, seu criado!

 

Conte Sua História de São paulo: Uma voz e tanto

 

pc_ma_hv229_rt03- Adilson Pereira Lobo

Foi no caminho para o Hospital das Clínicas, a bordo do bonde, que Adilson Pereira Lobo encontrou sua primeira plateia. Menino ainda, adorava cantar “Lampião de Gás”, de Inezita Barroso, e chamava atenção do motorneiro e dos passageiros. A viagem era em virtude do tratamento que teve de se submeter para tratar a paralisia infantil, em um esforço recompensado pela evolução que teve apesar da restrição para caminhar. Boa parte desta trajetória foi acompanhado pela mãe, “uma guerreira” como descreve no depoimento gravado pelo Museu da Pessoa para o Conte Sua História de São Paulo. Ela teve de cuidar dele sozinha, desde os quatro anos de idade, pois o pai havia morrido.

Nascido no bairro do Belenzinho, hoje mora em Guarulhos, mas foi em São Paulo que desenvolveu suas habilidades. É mestre em linguística, professor de inglês, faz dublagem e tem a música como hobby – e você poderá conferir na gravação que foi ao ar no CBN São Paulo o talento que conserva.

Ouça o depoimento de Adilson Pereira Lobo, no Conte Sua História de São Paulo, sonorizado pelo Cláudio Antônio

Você pode participar, também, do Conte Sua História de São Paulo. Marque uma entrevista pelo telefone 2144-7150 ou no site do Museu da Pessoa.

Foto-ouvinte: Feira e sujeira livres

 

Sujeira da feira livre no Belenzinho

A sujeira deixada para trás pelos feirantes que ocuparam a rua Irmã Carolina, no Belenzinho, em São Paulo, na manhã de quinta-feira, espantou o ouvinte-internauta Luis Fernando Gallo, sempre presente com ótimo material fotográfico neste blog. Escreveu para dizer que a limpeza da rua somente se iniciou às 7 e meia da noite, tendo a feira se encerrado por volta das 2 da tarde.

“Gostaria de pagar 200% de IPTU, ter cidade limpa, ensino municipal de respeito, mais música, mais teatro, mais cinema e um mínimo de segurança para ir e vir”, lamentou.

Li na lei municipal que regula o funcionamento das feiras livres na capital paulista, que é obrigação dos feirantes “manter permanentemente limpa a área ocupada pela banca, bem como o seu entorno, desde sua montagem até sua desmontagem, instalando recipientes apropriados para receber o lixo produzido, que deverá ser acondicionado em sacos plásticos resistentes, os quais permanecerão nas calçadas para posterior recolhimento pelo serviço de limpeza pública, bem como cumprir, rigorosamente, no que for aplicável, o disposto na Lei nº 13.478, de 30 de dezembro de 2002, e alterações subseqüentes”