De palavra

 

Por Maria Lucia Solla

 

Ando atrás das palavras, e as encontro fora de forma.

 

Indispostas.

 

E me indisponho.

 

Olho no espelho e me vejo disforme.

 

Procuro me recompor, me espelhar em mim mesma em dias melhores e me perco correndo atrás de mim, pelos caminhos e descaminhos do tempo.

 

Passado adentro, futuro afora.

 

Vasculho o passado e encontro palavras assustadas, descabeladas, despreparadas.

 

Passo horas sem me encontrar, correndo em disparada atrás de termos que eu mesma temo.

 

Não tenho medo, mas o medo teima em se agarrar em mim, apertando meu pescoço, sufocando as palavras que me restam.

 

E que insistem em se calar.

 

E o resto?

 

De resto me sobra a vida, que é tudo o que tenho.

 

E a ela me atenho.

 

Quando as palavras se cansarem de descansar e decidirem voltar, eu aviso.

 

“Escrever é fácil. Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca idéias.” Pablo Neruda

 

Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung

De Tejo

 

Por Maria Lucia Solla

 

 

Lexigramei a data do nosso acidente na Marginal Pinheiros para ver o que tinha para dizer. Fiquei privada de movimento, não de cabeção e coração. Esses continuam a milhão. Assim, vou dividir com você algumas palavras que encontrei na primeira olhada no que brotava de “quatro de junho”. Umas me chamaram mais do que outras, como sempre acontece com o Lexigrama e com tudo e todos na vida. A gente vê o que está pronto para ver, a cada momento da leitura do momento. Simples assim.

 

Então vamos lá: tenho dor quarto ato arte

 

Fiquei algum tempo no quarto, semi-imobilizada, o que quer dizer imobilizada pelo colar cervical e pelos traumatismos músculo-esqueléticos que me davam dores musculares tão fortes que meu filho precisava fazer alavanca para eu poder deitar e sentar, depois do quê eu ficava esperando a respiração voltar. Não encontrei dramática em quatro de junho, mas a gente pode acrescentar no rodapé

 

Como sempre fui fascinada pelo teatro, associo ato, de pronto, à arte cênica, e como boa arteira criei duas almofadas lindas – aqui a modéstia foi tirar um cochilo – e, no que comecei a mexer os braços, mãos à obra! Hoje termino a segunda.

 

ré dano dentar doutor doutora da tarde hora hoje doeu duro dor nua onda ano duro

 

A batida foi atrás, nos jogou contra o carro da frente, e o carro ficou todo amassado.

 

Ainda quero, mais uma vez, agradecer ao Dr. Cristovão Colombo e à Dra. Naira, dizer até breve aos doutores Amaury, Padula e Pires de Camargo, e mandar um super beijo aos que têm facilitado a nossa vida.

 

O acidente aconteceu por volta de quinze para as cinco da tarde.
Nada como a dor para nos desnudar.
Você já levou um caldo quando uma onda doida te pega de surpresa?
Este ano não tem sido mole para a maioria de nós.

 

Encontrei também euro. O carro do meu filho, ou o que restou dele, é francês. E não faltou tunda. Quem é gaúcho ou entende gauchês sabe que levar uma tunda quer dizer levar uma surra. Aliás tunda vem de tundere, que em latim quer dizer dar ou levar uma surra. É como estamos nos sentindo.

 

Também dei de cara com Tejo, que é um rio da terra da minha bisavó e da minha avó, do lado do meu pai. Ah, e Juno. Ora, Juno e todos os outros deuses de todas as sociedades, de todos os tempos passados, presentes e futuros, de todas as raças, estão conosco sempre, e nos protegem.

 

Tem ainda:

 

hoje não noutra junto juro! deu não deu doente dona dono doar dojô dourou horta jade janto jota Judá junta norte onde ouro outro quando quanto quer quero rato roeu renda Reno reta roda ronda rota rua rude tão tendão terna terno teu tua trono tudo Tudor turno una urna

 

É isso. Experimente lexigramar, ou não, e até a semana que vem.

 


Maria Lucia Solla é professora, realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung

De lexigrama

 

Por Maria Lucia Solla

Lexiograma

Através do lexigrama eu mergulho no mistério das palavras. Não existe nome ou título que resista, e eu me esbaldo.

Hoje resolvi mergulhar no mistério de duas palavras que não querem largar de mim, e das quais não faço o mínimo esforço para me soltar.

Tudo começou há uns dois dias, quando eu assistia à novela das seis. Linda. Quando dá, assisto e me regalo; mas um personagem disse uma frase que sequestrou um pedaço de mim. Ele disse: A cerca que protege é a mesma que aprisiona.

Senti uma folia no plexo solar, mas continuei a assistir e a curtir a magia da arte que se consegue orquestrar num simples capítulo de novela. Eu não conseguia prestar atenção na trama porque ficava pensando na frase que já se reduzira, para mim, a proteção/prisão.

Vai dia vem dia, e me veio de lexigramar o que andava martelando na minha cabeça, fazendo meu corpo vibrar, exigindo minha atenção. Proteção/prisão. E é um pouco da viagem que fiz, nesse binômio de aparência paradoxal, que vou revelar a você.

Lexigrama é a técnica de encontrar no nome, frase, título, tantas palavras quantas se conseguir, combinando suas letras e se deixando maravilhar por revelações ávidas por se oferecer.

Em Proteção e Prisão encontro todo tipo de palavra, mas percebo que além do verbo no infinitivo, como castrar e casar, encontro muitos verbos na primeira pessoa do singular como rocei e pastei, ou aposto e arrisco, e entendo que esse binômio mostra a importância da responsabilidade na ação, palavra que também encontro ali.

encontro acerto e erro
presa e preso
porta e portão
mas não encontro
o fecho nem o desfecho

dou de cara com aposto e arrisco
ator e arisco
razão e reação
oração creio e Cristo

encontro traição e tropeço
corpo e procê
tesão parceiro e pato
mas para encontrar coração
falta o cê

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de comunicação e expressão. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung. Este texto foi escrito durante as férias do Blog e por isso está sendo publicado somente agora

De comunicação e expressão

 

Por Maria Lucia Solla

Ouça De comunicação e expressão na voz da autora

A linguagem humana está tão distante da original, da linguagem da natureza, da vida, que não surpreende o caos que toma conta de nós. Em todas as áreas. Dentro, assim como fora.

Linguagem pressupõe: herança e lógica da fonte onde nasce, ordem, estratégia, coerência, gesto, ritmo, melodia, e tem que ter um quê de permanência. Mesmo que hoje palavras brotem de provetas, às dúzias, todos os dias, e mesmo que tenhamos dezenas de termos para uma só idéia, a idéia original não pode se perder no processo, senão instala-se o caos ali também.

mancebo rapaz
moço menino
gato bofe
guri mino
pão avião
ficante amigo
amante rapagão
cara mano
chefe irmão
deus homem

A linguagem dos deuses é a mitologia. Nós a esquecemos? abandonamos? As histórias dos mitos são a literatura do espírito, mas estamos interessados na cena inteira? Não, é mais fácil não ver.

focamos no aparente
no imediato
no que já está na rede
e perdemos o cardume dourado
que passa logo ali, do nosso lado

Arremedamos a natureza, de dentro e de fora de nós, de forma tão excepcional, que perdemos a capacidade de distinguir entre o original e o pirata. Em tudo. Padronizamos em nome do tempo; da produtividade.

medimos ideias e sentimentos
com a mesma fita métrica descartável
com que medimos o metro quadrado
de livro encadernado
na prateleira do escritório
empoeirado

No dia em que nos interessarmos em aprender que o vocábulo sociedade é símbolo para um grupo reunido de forma organizada, pelo bem de todos, num espaço/tempo determinado, e que não se refere a uma só parcela desse todo, então começaremos a nos entender. Voltaremos a olhar-nos nos olhos, a dizer o que verdadeiramente sentimos, e, nesse impulso de pura vida, nos voltaremos para a natureza e ouviremos o que ela tem a dizer. Veremos que ali que estão escritas as regras que nos levam a gozar as delícias dos jardins das mesmas: da modernidade, tecnologia, inovação, superação, conforto, beleza, saúde, desenvolvimento de mentes e corpos e etc. As delícias da Ciência e as delícias da Filosofia. A verdadeira religião.

Voltar a compreender essa linguagem, é um caminho para a harmonia. E, se começar é preciso, é também simples; há que andar, dançar, voar, amar, pedalar, plantar, colher, perdoar, aceitar, perseverar, criar, brincar, rir, rir de si mesmo, de guarda baixa, acreditar, deixar-se envolver por mitos; ouvir o que eles têm a dizer.

Tente, ou não, e até a semana que vem.

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de comunicação e expressão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung

De linguiça a carniça, de televisão em cores a dores de amores, de copo-d’água ao mal de mágoa, de ideia e de plateia, de canapê ou canapé, bebê ou bebé

 
Por Maria Lucia Solla

Ouça o texto “De linguiça a carniça, …” na voz da autora

 

 

E convém que se fale do hífen.

Eu entendo que na vida ele tenha pouco peso. Entendo que esteja tão lá em baixo que nem dá para ver o acento agudo no “i“.
Mas faz parte.
E faz parte da nossa língua escrita.

E aqui é importante que eu confesse que não faço parte do grupo que quer de volta o nacionalismo, ufanismo, ou como queiram chamar. Acredito na evolução do Homem, e a Humanidade começou sem pátria.
No paraíso.
Aí foi um divide daqui, puxa dali, rasga ao meio acolá, assina tratado e depois pica o papel em pedacinhos, mata homens, mulheres, crianças, animais, árvores, pássaros, répteis, e delimitam-se fronteiras em nome do “isto é meu e isso é teu”.

Eu acredito ainda no Homem, seja ele branco, amarelo, vermelho, marrom, listrado ou quadriculado. Acredito no Homem, tenha ele olhos castanhos, azuis, verdes ou cor de mel.

E por falar em cor de mel, fica sem hífen, assim como cara de pau.
Mas cor-de-rosa mantém o hífen.
Não se sinta mal.

Mas falávamos de nacionalismo. Eu tive bandeira e hino na escola, mas não acredito que o mundo ficaria melhor se a prática voltasse. Ao contrário, se quiser a verdade nua e crua do que penso, acho que não está melhor porque ainda existe isso e mais um pouco disso, aqui e ali, no mundo, desde a pré-história (com hífen).

O que falta ao homem é respeito e amorosidade, empenho e religiosidade, coragem e verdade, boa-educação e dignidade;
seja ele afro-asiático, indo-europeu,
cristão ou judeu.

Hífen não pode mesmo ser muito bom. Não é de comer, não dá fofoca, não dá barato, não dá dinheiro e não faz moda. É um sinal deitado, e com ele ou sem ele a gente entende o que se quer dizer. Ou seja, ele nem faz lá grande diferença.

O que já não é verdadeiro para o sinal de interrogação, por exemplo. Todo torto, vítima de lordose agudamente crônica, devido a postura de dar dó, quando não usado adequadamente causa uma confusão que só.

O ponto de exclamação, por outro lado, apesar da postura impecável e do corpinho bem-talhado, anda em desuso. A pontuação da hora vem em grupo; são os pontinhos das reticências, já que tudo pode ser…

Mas voltando ao hífen, a nossa língua não é das mais fáceis, mas é das mais ricas. Tem lugar cativo no clube, para nós que somos chegados num, das neo-latinas, acompanhada de feras como francês, italiano e espanhol.

E como tudo nesta vida, ela é bonita se bem-falada, se bem-escrita, bem-articulada, respeitada, bem explorada e acariciada. E é assim que ela quer ser usada. Para que você seja bem-compreendido, ouvido quando fala, lido quando escreve, acreditado quando promete, respeitado quando exige respeito em troca.

Mas o hífen é só parte do que foi mexido na língua escrita. O restante passa pela acentuação, um retoque no alfabeto e a execução sumária do trema, que de saudade faz que eu trema.

Na verdade da realidade dos fatos, menos de 0.6% das palavras foi afetado pelo tal Acordo Ortográfico.
Não é de arrepiar.
Com o tempo todo mundo vai se acostumar.

Enquanto isso, se você precisa escrever, use um corretor, compre um dicionário atualizado e comece pela palavra que mais gosta, a mais sonora, a que te traz lembranças de outrora.

Você vai se surpreender. Curioseia daqui, curioseia dali e, como tudo na vida, além de comer e coçar, é só começar
E se duvidar, pode se animar e gostar.

E como anda a tua comunicação?

Pense nisso, ou não, e obrigada pela atenção.

Maria Lucia Solla é terapeuta e professora de língua estrangeira. Aos domingos, é sempre bem-vinda ao Blog do Mílton Jung, com hífen, é lógico.

A fala dos homens

Por Carlos Magno Gibrail

Lugo, Maradona, ACM Neto e a força da palavra

“Em nada lembra o tal carro inglês”… Dirigente da montadora chinesa ao apresentar semana passada no Salão de Xangai o Geely, idêntico ao Rolls Royce.

“Fué La mano de Dios”… Diego Maradona ao marcar visivelmente com a mão o gol que deu a vitória para a Argentina contra a Inglaterra nas quartas de final da Copa do Mundo de 1986.

Estas falas, todos sabem que não devem ser levadas a sério. A não ser o próprio Maradona que aproveitou e lançou música, livro e filme.

Com humor, uma das melhores falas de Vicente Matheus: “O Sócrates é inegociável, invendável e imprestável”.
Outra, famosa, pode ter autor camuflado: “O povo gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”, Joãozinho Trinta ou Elio Gaspari?

A natureza que nos envolve e as comunicações nas relações sociais exigem percepção e conhecimento. A olho nu mal conseguimos perceber que a terra é redonda. No âmbito das Humanas a busca da verdade exige redobrada atenção.

“Domingo é o dia da ressurreição e o dia da nossa eleição.  Deus abençoe o Paraguai”. Lugo, candidato, ex-bispo católico, celibato obrigatório.

“Quero pedir perdão por estas circunstâncias e quero ratificar que minha versão será sempre a verdade”. Lugo, Presidente do Paraguai, após a denúncia de 3 filhos ainda quando bispo.

“Não apoiarei ninguém no segundo turno”. Soninha Francine, vereadora candidata a Prefeita SP.

“O DEM tem uma posição política da qual eu discordo. Eu quero o poder. O poder de fazer o possível. Por isso aceitei esse cargo executivo”. Soninha Francine, após ter sido oferecida pelo partido.

“A Casa toda fez… Acho que estão querendo fechar o Congresso”. ACM Neto que recém foi a Paris com a esposa.

“Até ontem era tudo lícito. O que mudou? É um bando de babaca”. Ciro Gomes ao responder sobre passagens para sua família.

No futebol, falas tem gerado confusões, que aliadas aos problemas de torcedores trazem resultados ruins para todos. A partir da fuzarca do último jogo do Brasileirão que redundou na suspensão do presidente da FPF, os clubes paulistas entraram em rota de colisão, a ponto das finais do Paulistão estarem praticamente com torcidas únicas.

“Eles tem é que fazer a conta de quanto vão perder”. Marco Aurélio do SPFC sobre a não utilização do Morumbi.
Dirigentes apaixonados esquecem as regras comerciais. Este final de Paulistão evidencia o que há de pior neste sistema de radicalização, clareando apenas que não há exceção, todos agem amadoristicamente.

Melhor a fala dos jogadores, que José Geraldo Couto bem definiu. Dramática de Maradona, malandra de Romário e épica de Ronaldo. Pelé deve ter lido o texto de J. G. Couto e disse que no domingo passado Ronaldo foi o Rei da Vila Belmiro.

* “A fala dos Homens” é o titulo do livro da Profa. Maria de Lourdes M. Covre, minha orientadora no Mestrado. Analisa a fala de Delfim Neto, Simonsen, Passarinho, etc. quando estavam no Governo Figueiredo.

Carlos Magno Gibrail é doutor em marketing de moda e, toda quarta, fala às claras no Blog do Milton Jung

De palavra

Por Maria Lucia Solla

Palavra


Olá,

A palavra é tão falada, que nem se importa mais com o que dizem dela.

É soberana.
Toma o que quer. Dita regras, se você deixar.
É súdita.
Entrega-se. Saudável. Insaciável, Libertina.

É livre.
Num piscar de olhos, escapa por eles.
Expõe-se. Despe-se. De cara limpa, encanta.

É escrava.
Distorcida. Dominada. Aprisionada.
Tantas vezes torturada.

Vive para o amor.
Morre nele.

É corisco imaturo. Troteia indecisa.
É jegue maduro. Empaca quando mais precisa.

É bandido. É mocinho.
Faz a personagem, com igual paixão.

É falada. Sussurrada.
Impressa.
Devagar ou com pressa.

Defende, com igual dedicação, tradição e revolução.

É conceito e preconceito.
Amor e desamor.
Rima de verso e reverso.

É pasmaceira. É paixão.
Na sinfonia e nas cordas do violão, é cérebro. É coração.

É tudo. É nada. Cheio e vazio.
É cantar. É calar. É dar e tirar. Rir e chorar.

Tirana ela não é.
Deixa ir e vir, sair e entrar. Gritar e calar.
É morta e viva.

É beijo que nasce do desejo.
É saudade do sonho.
É com ela que eu me exponho.

E você?
Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.

Ouça “De Palavra” na voz da autora

Maria Lucia Solla é terapeuta e professora de língua estrangeira. Todo domingo faz da palavra sua forja.