Por Maria Lucia Solla
Ouça o texto “De linguiça a carniça, …” na voz da autora

E convém que se fale do hífen.
Eu entendo que na vida ele tenha pouco peso. Entendo que esteja tão lá em baixo que nem dá para ver o acento agudo no “i“.
Mas faz parte.
E faz parte da nossa língua escrita.
E aqui é importante que eu confesse que não faço parte do grupo que quer de volta o nacionalismo, ufanismo, ou como queiram chamar. Acredito na evolução do Homem, e a Humanidade começou sem pátria.
No paraíso.
Aí foi um divide daqui, puxa dali, rasga ao meio acolá, assina tratado e depois pica o papel em pedacinhos, mata homens, mulheres, crianças, animais, árvores, pássaros, répteis, e delimitam-se fronteiras em nome do “isto é meu e isso é teu”.
Eu acredito ainda no Homem, seja ele branco, amarelo, vermelho, marrom, listrado ou quadriculado. Acredito no Homem, tenha ele olhos castanhos, azuis, verdes ou cor de mel.
E por falar em cor de mel, fica sem hífen, assim como cara de pau.
Mas cor-de-rosa mantém o hífen.
Não se sinta mal.
Mas falávamos de nacionalismo. Eu tive bandeira e hino na escola, mas não acredito que o mundo ficaria melhor se a prática voltasse. Ao contrário, se quiser a verdade nua e crua do que penso, acho que não está melhor porque ainda existe isso e mais um pouco disso, aqui e ali, no mundo, desde a pré-história (com hífen).
O que falta ao homem é respeito e amorosidade, empenho e religiosidade, coragem e verdade, boa-educação e dignidade;
seja ele afro-asiático, indo-europeu,
cristão ou judeu.
Hífen não pode mesmo ser muito bom. Não é de comer, não dá fofoca, não dá barato, não dá dinheiro e não faz moda. É um sinal deitado, e com ele ou sem ele a gente entende o que se quer dizer. Ou seja, ele nem faz lá grande diferença.
O que já não é verdadeiro para o sinal de interrogação, por exemplo. Todo torto, vítima de lordose agudamente crônica, devido a postura de dar dó, quando não usado adequadamente causa uma confusão que só.
O ponto de exclamação, por outro lado, apesar da postura impecável e do corpinho bem-talhado, anda em desuso. A pontuação da hora vem em grupo; são os pontinhos das reticências, já que tudo pode ser…
Mas voltando ao hífen, a nossa língua não é das mais fáceis, mas é das mais ricas. Tem lugar cativo no clube, para nós que somos chegados num, das neo-latinas, acompanhada de feras como francês, italiano e espanhol.
E como tudo nesta vida, ela é bonita se bem-falada, se bem-escrita, bem-articulada, respeitada, bem explorada e acariciada. E é assim que ela quer ser usada. Para que você seja bem-compreendido, ouvido quando fala, lido quando escreve, acreditado quando promete, respeitado quando exige respeito em troca.
Mas o hífen é só parte do que foi mexido na língua escrita. O restante passa pela acentuação, um retoque no alfabeto e a execução sumária do trema, que de saudade faz que eu trema.
Na verdade da realidade dos fatos, menos de 0.6% das palavras foi afetado pelo tal Acordo Ortográfico.
Não é de arrepiar.
Com o tempo todo mundo vai se acostumar.
Enquanto isso, se você precisa escrever, use um corretor, compre um dicionário atualizado e comece pela palavra que mais gosta, a mais sonora, a que te traz lembranças de outrora.
Você vai se surpreender. Curioseia daqui, curioseia dali e, como tudo na vida, além de comer e coçar, é só começar
E se duvidar, pode se animar e gostar.
E como anda a tua comunicação?
Pense nisso, ou não, e obrigada pela atenção.
Maria Lucia Solla é terapeuta e professora de língua estrangeira. Aos domingos, é sempre bem-vinda ao Blog do Mílton Jung, com hífen, é lógico.