Por Julio Tannus
Situação 1:
Em fevereiro de 1990, após ter finalizado um projeto de pesquisa, estava preparando-me para atender um compromisso em Paris/França quando recebo uma comunicação urgente de uma empresa norte-americana, cliente da dita pesquisa, solicitando minha presença na matriz, em Detroit/USA, para fazer uma apresentação dos resultados.
Argumento que na data solicitada não seria possível atender ao chamado devido ao compromisso já assumido. De imediato recebo a seguinte comunicação: “informe-nos sobre a data de tal compromisso que tomaremos todas as providências para que, após sua apresentação aqui em Detroit, não deixe de atender ao seu compromisso”.
Dito e feito, após minha apresentação em Detroit, colocam-me em um voo Detroit-New York, com conexão para Paris. Já em pleno voo, meu olhar se fixa em uma senhora sentada na poltrona um pouco a minha frente. Vejo ela abrir sua bolsa e retirar um cigarro. Fica por um bom tempo martelando o cigarro sobre o polegar. E de repente, acende e dá uma tragada profunda. Imediatamente, qual um gato gigantesco, seu vizinho de poltrona, um “mariner” de quase 2 metros de altura, dá um salto e, agarrando-a pelos ombros, ergue a velha senhora. Imediatamente a tripulação intercede na situação.
Algumas horas depois, vejo-me num voo PanAm sentado numa poltrona de primeira classe ao lado de um executivo norte-americano, embarcado originalmente em Los Angeles. Após os drinques, caviares e camarões de praxe, eis que nos servem a refeição principal. E qual não é minha surpresa quando vejo passar na frente de meu nariz um filé atirado pelo tal executivo americano, que aos berros declara a todos que pagou uma fortuna pelo bilhete e não admite comer sola de sapato.
Imediatamente atende aos impropérios do empedernido executivo um comissário de bordo solícito que tenta corrigir tal situação. O executivo rechaça qualquer possibilidade de ajustes e imediatamente põe-se a escrever uma carta para o presidente da companhia aérea denunciando o fato e garantindo que ao seu retorno irá entrar com um processo na justiça.
O comissário de bordo resigna-se e volta sua atenção para os demais passageiros.
Situação 2:
Em abril de 1995, um executivo norte-americano, a fim de cumprir um compromisso inadiável em Roma/Itália, embarca em um vôo da Ibéria, Madri-Roma, na primeira classe. Alguns minutos após a decolagem, o comandante da aeronave informa aos passageiros que, devido a problemas técnicos, irá retornar ao aeroporto de Madrid. O executivo, aos berros declara a todos que pagou uma fortuna pelo bilhete e não admite voltar para Madrid.
Imediatamente atende aos impropérios do empedernido executivo o próprio comandante da aeronave, que tenta convencê-lo da sabedoria da decisão tomada. O executivo rechaça qualquer possibilidade de ajustes e imediatamente põe-se a escrever uma carta para o presidente da companhia aérea denunciando o fato e garantindo que ao seu retorno irá entrar com um processo na justiça.
O comandante resigna-se e volta sua atenção para a aeronave.
Então concluo:
Se desconfiamos de quem nos presta um serviço, todo imprevisto é um forte argumento para justificar a desconfiança.
Se contratamos um especialista de confiança é dele a responsabilidade maior pelas decisões críticas.
Nem sempre a rota planejada deve ser seguida a qualquer custo, o imponderável pode estar presente.
Mesmo o mais seguro dos meios de transporte pode sofrer desvios no seu percurso.
Profissional é aquele que em situações de emergência oferece caminhos alternativos para contorná-las.
Diante da irracionalidade exacerbada a melhor forma de contorná-la é ater-se ao racional.
Em processos que envolvem tecnologia e ser humano, resignação pode ser a palavra-chave para o encaminhamento de soluções.
Contar com o outro como forma de trabalho exige calma, paciência e sabedoria.
…O Cliente nem sempre tem razão!
Julio Tannus é consultor em estudos e pesquisa aplicada, co-autor do livro “Teoria e Prática da Pesquisa Aplicada” (Editora Elsevier), e escreve no Blog do Mílton Jung