Milton Ferretti Jung
Desde que me conheço por gente – e isso já faz muito tempo – carrego comigo uma companheira inseparável,incômoda e que quase não me dá trégua:preocupo-me exageradamente com a minha mulher, os meus três filhos e agora,ainda por cima,os meus quatro netos. Não lembro que idade eu tinha quando essa senhora começou a atuar. Até hoje,embora pequeno fosse, não esqueci da sua primeira manifestação.
Ela iniciou suas aparições nos finais de tardes da minha infância. Bem na frente da casa onde morávamos havia uma pracinha triangular. Nessa,a gurizada e mesmo alguns um pouco mais velhos,praticavam vários esportes. Jogava-se uma espécie de futebol,vôlei e,apesar do piso em desnível e ondulado,basquete. A turma somente se recolhia quando as luzes dos postes próximos da nossa quadra se acendiam. Era,então,que eu entrava em casa e,sem sequer me lavar,postava-me à janela,olhando de soslaio o relógio do living e me perguntando por que o meu pai não chegava do trabalho. Durante a Segunda Guerra Mundial,ele voltava para casa de bonde. Esse veículo que a modernidade engoliu,deixava-o a uma quadra de casa. O seu atraso me afligia. O meu pai recusou-se a usar gasogênio no seu Chevrolet 39 e o colocou na garagem sobre cavaletes. Por isso,mas a Preocupação não me deixava perceber,demorava mais do que o habitual para chegar.
Casei em 1961 e Ruth,minha primeira mulher,falecida em 1986,deu-me três filhos. Dona Preocupação se fez sentir,o que não teve nada de espantoso,quando um dos três adoecia. Jacqueline,minha filha mais velha,era do tipo caseiro.Não me preocupava com ela. Já o Mílton,nascido em 1963,tão pronto completou dezoito anos,tratou de tirar carteira de motorista. Munido dessa,passou a pedir o meu carro para “dar uma banda” nas noites de sábado. E a Preocupação apareceu com força. Enquanto ele não chegava em casa,eu não dormia.Morávamos,então,na Rua Saldanha Marinho,em um sobrado. Pior do que não dormir,eu ficava em pé numa área dos fundos da residência.Com olhos compridos,tentava,por uma brecha entre árvores,enxergar a Avenida Érico Veríssimo,que corria paralelamente à Saldanha. Na época,eu tinha um Passat,se não me falha a memória. Quando eu via o carro,tarde da noite que era,corria para a janela do quarto do casal,esperando que o Mílton guardasse o Passat na garagem do vizinho. Só aí caía na cama e fingia dormir. Em troca,a Ruth,mãe dele,dormia a sono solto,livre de qualquer preocupação.
Os meus filhos casaram. Dois netos – o Greg e o Lo – moram com o Mílton e a Abigail e,aí em São Paulo, não precisam de apresentação. A Vivi e o Fernando,filhos do Christian e da Lúcia,vivem aqui em Porto Alegre. A Jacque,embora tivesse carta de motorista há seis anos,só em 2011 comprou um carro. Fez aulas e mais aulas com um professor antes de se sentir capacitada para dirigir. Um pouco – ou muito – por minha culpa.Finalmente,livrei-a do meu controle. Já Maria Helena,com quem casei,e até a Micky,nossa gata,sofrem de perto com a Dona Preocupação. Esta,insiste em não me conceder divórcio.
Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e dono do Passat que eu pegava emprestado. Às quintas escreve no Blog do Mílton Jung (que passeava com o Passat do pai)
Coisa mais querida seu texto!
Será que a Dona preocupação conhece minha melhor amiga: a Dona Ansiedade?
Bem que elas poderiam viajar juntas, só com bilhetes de ida!
Beijos
Big
Acho que as donas Preocupação e Ansiedade ainda não se conhecem. Vou tratar de apresentá-las o quanto antes.
Bah essas esperas eu assistia de camarote, já que o meu quarto era logo ao lado, e as reações não eram apenas baforadas na janela, cá pra nós.
Bom não vem ao caso, o fato é que pelo visto me escapei das preocupações já que não fui citado no texto como uma delas, afinal pelo que lembro o drama maior com o filho menor era todos os finais de semana ir atrás de uma bateria alugada pra socar dentro do carro e ter de aturar um domingo infernal de rock e sabe-se lá mais o que se tocava naquele tempo! Mas não te preocupas porque o fruto nunca cai longe do pé e breve o neto mais velho terá de voar com suas assas e aí quero ver o Milton Jr. deitar a cabeça no travesseiro. Eu não sei como será a minha reação só sei que aqui em casa a Dona Preocupação vai ter Pai e Mãe! Abraço