Inter 0 x 1 Grêmio
Campeonato Gaúcho
Centenário/Caxias do Sul-RS

Foto de Lucas Uebel/GrêmioFBPA
O futebol é um negócio estranho. Faz da gente criança. Faz perder a lógica. O senso.
Tem quem prefira desdenhar. Intelectualizar. Contextualizar.
Sou do primeiro time: dos sem noção quando a bola rola. Já fui pior. Brigava. Sofria. Chorava. Hoje, brigo com a minha razão. Sofro do meu coração. E só choro na emoção da alegria ou quando busco na memória as experiência passadas.
Havia assumido o compromisso de que só voltaria a assistir aos jogos e a escrever esta Avalanche quando a pandemia passasse. Retornar aos campos com tanta gente sofrendo não faria nenhum sentido. Expor profissionais à prática do esporte e centenas de tantos outros que dependem dele, seria um risco à saúde. E jamais poderia ser conivente com tal situação.
Pois bem, o futebol voltou. E quando digo futebol, digo o Grêmio voltou, porque é ele quem me faz criança, perder a lógica, e o senso, por mais razoável que queira parecer. E voltou no maior clássico da Terra —- da minha terra ao menos. Uma provocação a qualquer das minhas convicções. Quase que a desafiar minha índole e a reputação que tento preservar diante da família.
Inventei para mim mesmo que só veria a partida para entender a dinâmica de um jogo na pandemia e sem torcida; ser apresentado aos protocolos sanitários em um campo de futebol; analisar a insensatez de cartolas e autoridades. Por isso sentei no sofá diante da TV com cara de constrangimento, olhando de revesgueio os primeiros movimentos — como se tudo aquilo não me pertencesse.
Queria enganar a quem?
O futebol me pertence, sim. Faz parte da minha vida. Nele amadureci, de criança virei adolescente para me transformar em adulto, forjei minha personalidade e vivenciei alguns dos momentos mais felizes ao lado de meu pai — e tenho saudade daquela vivência que o tempo e a saúde me tiraram.
Por que sentir vergonha pelo que meu coração insistia em sentir sempre que o Grêmio partia para o ataque? Dos dribles de Matheus Henrique, Jean Pyerre e Everton? Pela satisfação do passe bem passado e da bola bem rolada? Pelo orgulho de ver Geromel e Kannemann sendo gigantes, tão gigantes quanto imaginamos que eles sejam?
Às favas!
Gritei pelo pênalti bem marcado. Lamentei a cobrança mal feita. Vibrei com o desarme do setor defensivo e comemorei o gol enviesado de Jean Pyerre.
Mesmo sabendo que nenhuma dessas reações fossem suficientes para apaziguar meu coração que tem estado triste pelas mortes e descalabros que vivemos no Brasil, dei-me o direito de ser feliz ao menos por 90 minutos de um jogo bem disputado apesar de mal jogado.
Era só isso que eu queria: um naco da felicidade que nos foi roubada nesses mais de quatro meses de confinamento. E o Grêmio me ofereceu mais este momento de vida.
Não me julgue! Só me deixe ser feliz nem que seja até o apito final, porque nunca saberemos quando este final cruzará nosso caminho.
Fique tranquilo: minha felicidade não é suficiente para tirar meu senso, minha razão e meu olhar crítico a tudo que está acontecendo neste país.
Fique em paz, cuide-se e busque a sua felicidade onde ela estiver — mesmo que esteja correndo atrás de uma bola de futebol.