Perde-se vidas todos os dias. Algumas sabemos pelo número. Outras pela história. Há aquelas que conhecemos de perto. Na sexta-feira, fui informado que Maria Lucia Solla “fez a passagem” — foi assim que um dos filhos dela comunicou a morte da mãe. Maria Lucia foi colaboradora de primeira semana neste blog. Em 10 de junho de 2007, escreveu a primeira coluna dominical — espaço em que testou várias de suas formas, sempre mantendo uma linguagem rica, sincera e provocativa. Fez crônica e poesia, fez texto, vídeo e áudio. Não tinha vergonha de se expor, mesmo que às vezes preferisse aparecer na penumbra. Escreveu de tudo: de amor e desabafo — sobre este disse um dia:
“…é vapor que assobia pela válvula, quando se está prestes a explodir. é o que está acumulado há tanto tempo que não dá para represar. É um descarrilar inesperado que faz a gente escorregar, meter as mãos pelos pés, cair, se ralar, levantar, e mesmo sangrando gritar. Para não engasgar, para não sufocar”
“De desabafo”
Conheci Maria Lucia nas aulas particulares de inglês. Ela me apresentou não apenas à língua de Shakespeare. Me fez aprofundar na de Camões. Pois tinha profundeza e generosidade na fala e na escrita. Em 2002, havia lançado “De bem com a vida mesmo que doa” (Editora Libratres), livro que me presenteou no início de nossa relação e me motivou a convidá-la a escrever semanalmente no blog recém-criado.
Aceitou o desafio e o cumpriu com maestria até dezembro de 2015, quando se despediu dos caros e raros leitores deste blog:
“Tem o dia da chegada e tem aquele da partida
É assim com tudo na vida
sem morte depois dela
que disso eu estou convencida”
“De vidas e suas rimas”
Se você se dedicar a escolher um ou outro texto —- ou todos, se desejar e tiver tempo para a boa leitura —-, você conhecerá melhor Maria Lucia Solla. Ela sempre foi transparente nos seus sentimentos. E mesmo que indignada com o que acontecia em seu entorno, mais íntimo ou não, sabia oferecer uma palavra de esperança. Era uma companhia agradável, que se distanciou com o passar do tempo, das viagens e da minha rotina.
Em meio a tantas mortes que noticiamos e sofremos, registro aqui a da Maria Lucia Solla porque além de ter sido amiga, fez deste blog algo bem melhor do que seria se tivesse apenas minha presença. É a segunda morte de um colaborador apenas este ano. A primeira foi do amigo Carlos Magno Gibrail de quem tenho saudade diária, pois se não bastasse tudo que já escrevi até hoje sobre ele, também foi meu companheiro de pandemia, com quem conversava semanalmente —- o telefone não tem tocado mais aqui em casa.
Tinha poucas notícias da Maria Lucia nestes últimos anos. Espero, de coração, que a morte — que ela sabia chegaria um dia — tenha chegado como ela desejou em texto de outubro de 2010:
“Mas que venha depressa
seja ela o que for
que chegue com muita calma
dançando
rodopiando
sapateando
pra que eu tenha tempo de arrematar da vida
todos os fios
até então tecidos
outros tecer
e resgatar os esquecidos”
“De morte e vida”
Puxa, Milton, parece que as más notícias não param.
Era assíduo leitor nos domingos.
Fica nossa saudade e suas palavras.
A família, nosso compartilhamento de saudades e felicidade de ter compartilhado suas palavras.
Que texto bonito. Meus sentimento por essa perda e muita luz para ela e força para você e os familiares da Maria Lucia.
Milton, quanta dor e tristeza por tantas mortes. Não podemos baixar a guarda, nem esmorecer, muito menos encarar cada uma delas como apenas mais uma. Jamais! Quem dera, cada uma dessas pessoas vítimas dessa pandemia recebesse digna homenagem. Diante da nossa impotência, resta-nos continuar a observar as orientações médicas e seguir, resilientes, até o fim. Não podemos esmorecer em respeito a essas vidas ceifadas tão precocemente. Abraço!
Lindo o texto, Milton,apesar da tristeza que sentimos em relatar mais uma vida,mais um amigo que perdemos.Descanse em paz…
Meus sentimentos.