Francisco, o papa que falava como a gente

“A beleza da vida nos pequenos gestos de amor.” Essas palavras encerraram, simbolicamente, a trajetória pública de Francisco. Estavam na mensagem de Páscoa escrita por ele, lida pelo cardeal Angelo Comastri, ao fim da missa celebrada neste domingo na Praça de São Pedro. Francisco, já enfraquecido, apareceu na sacada da Basílica, acenou para os fiéis, abençoou a multidão e disse com voz baixa, mas firme: “Caros irmãos e irmãs, Boa Páscoa”. Pediu então que um colaborador lesse o restante do discurso, no qual abordava temas centrais de seu papado: a defesa da paz, o combate à desigualdade, a liberdade de expressão e a solidariedade com os que sofrem.

Mesmo sem conseguir conduzir pessoalmente a celebração, o gesto de aparecer, cumprimentar e se mostrar presente foi, em si, um ato de comunicação — e coerência. Francisco sempre entendeu que a força de uma liderança está tanto na palavra quanto no silêncio; tanto no que se diz quanto no modo como se diz.

O papa que morreu nesta segunda-feira (21), aos 88 anos, não será lembrado apenas pelas reformas internas ou pelas viagens internacionais. Seu legado está profundamente vinculado à forma como se comunicava. Francisco não discursava do alto de um púlpito inatingível. Preferia a conversa direta, o tom acolhedor, a linguagem acessível. Não erguia muralhas com palavras. Construía pontes. Ligava o sagrado ao cotidiano, a doutrina à vida, o Vaticano ao povo.

Ao contrário de seu antecessor, que simbolizava uma Igreja marcada por ostentação, lentidão, burocracia e subordinação, Francisco comunicava com o corpo o que pregava com a voz: simplicidade, agilidade, bom senso, liderança. A imagem de Bento XVI remetia à autoridade cerimonial. A de Francisco, à autoridade carismática. Um parecia paramentado pelo peso da tradição; o outro, leve — mesmo carregando nos ombros o peso do mundo.

Sua escolha de nome foi uma declaração de intenções. Ao adotar “Francisco”, evocou o santo de Assis: humilde, avesso a ostentações, comprometido com os pobres e com o diálogo. Era uma forma de dizer ao mundo: a Igreja precisava se reconectar com a essência da fé. E ele fez isso em gestos, mais do que em decretos. Recusou o trono dourado, escolheu viver na Casa Santa Marta, lavou os pés de presidiários, visitou refugiados e distribuiu doces para crianças — como fez, inclusive, poucos dias antes de morrer.

Em sua autobiografia, Esperança, publicada pouco antes da morte, Francisco revelou-se ainda mais transparente. Quis deixar, com as próprias palavras, um legado que não fosse um dogma, mas um testemunho. Falou de futebol e de fé, de chocolate e de política, de amor e de morte. Citou Borges, Bauman, Brecht e Baden Powell. Deu à palavra pontífice — aquele que constrói pontes — sua tradução mais literal.

Ao escrever sobre si mesmo, escreveu sobre todos. E nos lembrou que a autoridade espiritual não está em falar alto, mas em ser compreendido.

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