Este texto foi publicado, originalmente, no Blog Adote São Paulo, da revista Época São Paulo

A baderna que se transformou a apuração de notas do Carnaval de São Paulo, terça-feira, provocou uma série de reações das autoridades paulistanas e ameaças de punição. Em entrevista coletiva, o prefeito Gilberto Kassab (PSD) se esforçou para mostrar indignação e anunciar medidas para impedir a repetição dos fatos, apesar de que na prática a única mudança é que a SPTuris vai assumir a segurança do evento, apesar de não eu não ser capaz de identificar de que forma isto evitaria a invasão do local em que as notas eram anunciadas. Além de pessoal contratado pela Liga, a Polícia Militar estava lá com contigente maior do que nas principais partidas de futebol, segundo informações oficiais, e nada disso foi suficiente para conter os baderneiros. Em respeito ao público do Carnaval, é preciso que se registre que a confusão não partiu daqueles que estavam nas arquibancadas do Sambódromo, mas de gente autorizada, com crachá e pulseira de acesso que representa as principais escolas de samba da cidade. Mesmo a reação violenta, registrada pelas câmeras de televisão, de parte dos “torcedores” da Gaviões da Fiel, torcida organizada do Corinthians, somente explodiu após a invasão comandada por dirigentes – o que não os justifica.
Os meios de comunicação, em especial a TV Globo, que tem os direitos da transmissão, foram capazes de identificar uma a uma as pessoas que se manifestaram favoráveis a bagunça para impedir que houvesse a conclusão da apuração. Sem exagero, houve formação de quadrilha, pois os chefes, todos com cargos importantes dentro de agremiações, se reuniram, demonstraram descontentamento por não cumprimento de suposto acordo no qual não haveria rebaixamento de escolas para o Grupo de Acesso, e deram sinal de comando para “melar” a apuração, no que foram devidamente atendidos por seus asseclas, um deles, por sinal, que demonstrou muita agilidade no ato de roubar e extraviar as notas, enquanto fugia com destreza para escapar da segurança – parecia profissional (eu escrevi, parecia). A Polícia Civil já convocou ao menos nove deles para prestar depoimento, teria identificado o envolvimento de seis escolas e promete, em dez dias, a conclusão do inquérito que servirá de subsídio para a prefeitura e para a Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo determinarem as punições cabíveis.
As declarações dadas até aqui, tanto pelo prefeito quanto pelo presidente da Liga, não foram convincentes e sinalizam para a punição talvez de alguns integrantes mas não das agremiações sob a justificativa de que a comunidade não pode pagar pelos erros de algumas pessoas. Da mesma forma, durante muito tempo, se passa a mão na cabeça de torcidas organizadas no futebol permitindo que usem todo tipo de chantagem, com a parcimônia dos cartolas, e sigam promovendo a violência e afugentando torcedores e suas famílias dos estádios. O Carnaval vai pelo mesmo caminho ao permitir que quadrilhas se apoderem das escolas de samba com financiamento público. Este ano, a prefeitura paulistana investiu R$ 27 milhões.
Importante ressaltar que a relação entre criminosos e samba não é privilégio de São Paulo, haja vista o que acontece no Rio de Janeiro, onde os dirigentes afrontam o Estado ao rejeitarem a proposta do governador Sérgio Cabral (PMDB) de afastarem os bicheiros que financiam a festa com dinheiro arrecadado de forma ilegal. Cabral defende a profissionalização das agremiações, tornando-as sustentáveis durante todo o ano e dependendo cada vez menos de verbas públicas. E de verbas sujas.
Para mudar a cara do Carnaval, em São Paulo e no Rio, será preciso implantar uma espécie de Ficha Limpa, afastando os criminosos, impedindo a presença de pessoas condenadas no comando das Ligas e das escolas, punindo com todo o rigor da lei as agremiações que se envolverem em baderna e não respeitarem o regulamento e cortando verbas públicas daquelas que forem incapazes de comprovar como gastaram este dinheiro. Está na hora de fazermos com que a criatividade dos carnavalescos, revelada a cada noite de desfile, contamine a administração do Carnaval e impeça que este se transforme em uma festa de quadrilha.
A foto deste post é de autoria de Luis Fernando Gallo e faz parte do meu arquivo de imagens no Flickr