Comecei a acompanhar eleições como jornalista na era pré-computador, quando o voto ainda era uma cédula e a urna, uma caixa de papelão. A apuração exigia das empresas de comunicação esforço hercúleo (expressão que uso apenas para ficar naquela mesma época), na tentativa de antecipar ao seu público o resultado do pleito. Uma legião de pessoas era contratada para coletar as informações nas zonas eleitorais, onde os votos eram contados, e transmitir o mais rápido possível para as centrais que somavam tudo e projetavam os resultados que somente seriam confirmados dias depois pelo Tribunal Superior Eleitoral. No fim das contas, acertar os vencedores era quase tão importante quanto cobrir os fatos jornalísticos em torno da eleição, que incluam denúncias de propaganda irregular, boca de urna indevida, santinho despejado no chão, dinheiro encontrado no carro, tentativa de compra de voto, além da tradicional correria em busca de pronunciamentos pouco significativos dos principais candidatos.
Neste domingo estive fora do ar, na CBN. Pela escala de plantão, fui preservado para o segundo turno quando, então, apresentarei o Jornal da CBN. Mesmo assim, por força da profissão e da consciência cidadã, acompanhei de perto as notícias que movimentaram a programação da rádio e os portais na internet, além de alimentar nossos perfis nas redes sociais. Não é preciso muito apuro para perceber que poucas coisas mudaram na forma como candidatos, cabos eleitorais e eleitores se comportam num dia como esse. Desde o mesário que preferiu ficar dormindo até o cidadão que não mede esforços para votar, pouca ou nenhuma novidade apareceu. Ouvi sobre candidato que levava eleitor para votar, cabo eleitoral que levava dinheiro para eleitor, e eleitor que se levava pela conversa fiada de todos eles. Novidade mesmo foram as reclamações à biometria -usada pela primeira vez em grande escala – que não funcionou em alguns casos. Ou seja, o que mudou foi a tecnologia, apenas. Porque os defeitos nas máquinas, assim como as urnas com problema já tínhamos no passado.
O que mais me incomoda, porém, não é a mesmice dos fatos. É a do resultado. E escrevo antes de termos os dados finais, pois não será necessário esperar o último voto para entender que a onda de mudança proposta pela sociedade, durante os protestos juninos, no ano passado, morreu na urna eletrônica. Deixadas de lado as exceções que estão aí para confirmar as regras, é bem provável que teremos nos Executivos e, bem pior, nos Legislativos, mais do mesmo. Nomes consagrados ou de famílias consagradas se repetirão e grupos políticos permanecerão no poder, o que nos faz prever que as políticas públicas se manterão para atender os mesmos de sempre. Os movimentos sociais que estiveram à frente das manifestações, por característica própria, mantinham hierarquia horizontal, sem líderes que despontassem diante dos demais e sem alguém para canalizar as reivindicações. Os partidos e políticos ensaiaram discursos propondo mudanças, mas preferiram seguir a cartilha que os trouxe até aqui, assim não corriam riscos. O sistema eleitoral, que restringe o debate de ideias, limita as campanhas e permite a interferência do poder econômico, beneficia quem já ocupa cargos nos parlamentos.
A “Mudança, Já”, exigida aos gritos e cartazes, fica para depois, quem sabe na próxima, talvez daqui a algum tempo, por que não depois, ou até que surja uma nova explosão social.