Por Samuel de Leonardo
Ouvinte da CBN

Ela chegou de mansinho, sorrateiramente, sem fazer alarde, com um tanto de timidez, devo confessar. Diferentemente dessas que espontaneamente se aproximam esfuziantes e nos envolvem tornando-se logo íntima. Não tenho na memória a data exata dessa aproximação, sei que estava às vésperas de me tornar um sexagenário, na inconsciente expectativa de que em algum momento o calendário frio da existência acusaria a lenta metamorfose pela qual é destinada a quem consegue galgar os degraus desta vida terrena. O tempo da nossa passagem nesse plano, assim como conhecemos, tem o seu preço, o envelhecimento do corpo, não que o envelhecimento seja um castigo, talvez um prêmio por algo inexplicável, ou a certeza da fragilidade do ser, desafiando a saúde e a vitalidade.
Assim, a tal visita, agindo como uma síndrome matreira, invisível a olho nu, evasiva a um Raio X e, mesmo entregue à sorte de uma Ressonância Magnética, foi se aproximando e ganhando espaço sem uma causa aparente que pudesse definir sua chegada, causando medo e incertezas. Aos poucos, foi me envolvendo e ganhando terreno. Mexeu com o meu cognitivo.
Agora, senhora de si, incomoda o meu físico, perturba o meu psicológico, por vezes deixa-me trôpego, trêmulo, limitando os meus movimentos, por mais simples que sejam.
Provavelmente, quero crer, foi num momento no qual a minha vida passava por um processo de transição, com a chegada na terceira idade, a tão aguardada aposentadoria e a expectativa de uma nova fase para curtir a vida.
Embora ainda me sinta produtivo, quis as circunstâncias que as minhas atividades profissionais diminuíssem pouco a pouco. Pegou de jeito o meu estado emocional, sem que eu tivesse chance de escapar, por mais que desejasse.
Fragilizado, não tive forças de reagir à invasão da qual estava me submetendo. Sequer sabia quem estava ocupando o espaço da minha intimidade. Hoje, refém dessa visita, percebo que ela, embora plenamente presente em minha vida, torna solitários alguns dos meus momentos. Limita as minhas atividades, usurpa a minha autonomia, já não sou dono dos meus passos, muito menos das minhas idas e vindas. Os caminhos se tornaram árduos e as distâncias se ampliaram.
Mesmo assim, difícil fazer entender aos que me cercam, tenho lá minhas limitações, quero que respeitem minhas lágrimas, não que questionem o meu silêncio, por mais que tento exaustivamente explicar que não escolhi esta companhia, tampouco aponto culpados. Bem sei o quanto é difícil expulsá-la, cabe a mim, somente a mim, seguir e caminhar com ela, mesmo que a passos lentos e claudicantes e viver um dia de cada vez, viver com intensidade e alegria, como se todos os dias fossem domingo, domingo no Parkinson de diversões.
Samuel de Leonardo é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva agora o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br e o podcast do Conte Sua História de São Paulo.
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