
Fui buscar dois blazers de inverno na lavanderia. Era a primeira vez que estava sendo atendido naquela loja. A atendente incluiu meu CPF no sistema, identificou as roupas que estavam à minha espera e, ao entregá-las nos cabides, disse que se lembrava de mim. Fez questão de tirar o plástico de uma das peças para mostrar que havia conseguido remover o encardido da gola, sem prejudicar o tecido — algo que havia prometido fazer. Aquilo me causou surpresa. E mais que isso: me senti reconhecido. Por alguns instantes, deixei de ser apenas um número no cadastro para me tornar uma pessoa com história, memória e expectativa.
Poucas horas depois, na loja de produtos para animais, experimentei o oposto. A funcionária do caixa fez três perguntas padronizadas, com entonação mecânica e olhar distante. Perguntas que poderiam muito bem ter sido feitas por um totem de autoatendimento. E talvez esse totem, mais ágil e menos pretensioso, tivesse me causado maior satisfação. O atendimento humano, quando automatizado emocionalmente, gera frustração — e não engajamento.
Lembrei dos dois casos que vivenciei em menos de 24 horas enquanto lia artigo de Anjli Raval, no Financial Times com o título ‘A IA não resolverá o problema real do atendimento ao cliente’ (traduzido para o português). A jornalista analisa o uso crescente da inteligência artificial nos setores de atendimento, especialmente os call-centers. A promessa é clara: respostas mais rápidas, mais precisas, mais personalizadas. A ironia, no entanto, é que a IA pode ser percebida como mais humana do que muitos humanos encarregados de atender. Um paradoxo que desafia as empresas e a própria ideia de relacionamento com o consumidor.
Esse paradoxo é sustentado por evidências. Um estudo conduzido pela Harvard Business School, com 3.500 participantes, mostra que ainda valorizamos mais a empatia de um ser humano. Após relatarem situações emocionais, os participantes receberam respostas empáticas idênticas, algumas escritas por pessoas, outras geradas por IA. Aqueles que acreditaram estar diante de uma resposta humana sentiram-se mais compreendidos, acolhidos e satisfeitos. O dado mais relevante talvez seja este: entre 30% e 50% dos entrevistados afirmaram estar dispostos a esperar horas — ou até dias — por uma resposta vinda de um ser humano, em vez de receber imediatamente uma resposta da máquina.
Esse desejo por interação não é apenas uma questão afetiva, é também estratégica. Um relatório da Gartner revela que até 2027 metade das empresas que tinham planos de substituir seus atendentes por sistemas de IA devem rever essa decisão. Após ouvir 163 líderes de atendimento ao cliente na área de serviços e suporte, a consultoria internacional concluiu que colocar a tecnologia para atender é mais caro e complexo do que se imaginava. Além disso, Kathy Ross, da Gartner, lembra que “o toque humano continua insubstituível em muitas interações”. Quando a relação exige empatia e discernimento, a máquina ainda falha.
É justificável que a velocidade das transformações que a IA proporciona nos coloque entre a euforia de que tudo será resolvido pela tecnologia e o receio de que a máquina se humanizará de tal maneira que tornará obsoletos muitos dos nossos papéis sociais e profissionais. Porém, como aprendemos na história, desde Aristóteles, a resposta está no caminho do meio. Inteligência artificial e inteligência humana devem se somar diante do propósito de oferecer a melhor experiência ao cliente.
A IA pode entregar eficiência. Mas só o ser humano é capaz de oferecer afeto. E, quando se trata de atendimento, é isso que as pessoas mais se lembram: o cuidado, a escuta e o gesto. Empresas que compreenderem essa diferença e treinarem suas equipes para aliar tecnologia e empatia estarão mais preparadas para encantar — e fidelizar — seus clientes. Afinal, como mostrou a atendente da lavanderia, às vezes, o brilho na gola importa menos do que o zelo com que ela foi limpa.