Por Maria Lucia Solla
Ouça “De aprisionados” na voz e sonorizado pela autora

Senhor Prefeito,
é com o respeito de quem não tem a mínima ideia de como se administra uma cidade inteira, particularmente uma cidade como São Paulo, que venho tomar do seu tempo uns minutos para fazer uma pergunta que tem perturbado muita gente.
Preciso saber como é que o senhor faz para decidir se um prédio pode ser erguido numa região, ou se não pode. Toda edificação precisa da permissão dos administradores da cidade, certo? Seja ela uma padaria, banca de jornal, casa, edifício ou condomínio.
Pois bem, na verdade, quero saber quais são os critérios que determinam autorização ou rejeição ao pedido de construção. Essa é a minha pergunta, mas sinto que devo dar ao senhor ao menos um motivo pelo qual a estou fazendo.
Em 2001 escolhi o bairro onde moro desde então, e vou lhe dizer quais foram os meus critérios: a área tinha muito verde, poucos prédios, casas, três boas padarias e três acessos de entrada e de saída para outros bairros da cidade. Ando de carro, não uso o transporte público, portanto, era muito importante me certificar de que eu poderia me deslocar com relativa facilidade. Nessa época, ainda não tínhamos a ponte estaiada.
Dois anos depois, uma ciranda de prédios começou a cercar o meu, os outros, e as casas. Altos e truculentos. Famintos, engoliram famílias que também escolheram este bairro pelas vias dos critérios delas. Outros dois anos se passaram e os prédios continuaram a se multiplicar, feito praga, sem planejamento, uns se metendo na frente dos outros, sem o mínimo respeito, como fazem os humanos. Temos hoje, em vez de três, seis excelentes padarias, mas onde era possível sentar, no final de semana para um café da manhã relaxado, na companhia de um bom jornal ou de amigos, a gente enfrenta fila.
Mais quatro anos se passaram e hoje é quase impossível circular dentro do bairro. Tem fila para sair da garagem e entrar na outra fila nervosa que desde o nascer do sol serpenteia desordenada, regendo um coro desafinado de buzina. Olho em volta e o que vejo? Vejo muitos outros prédios em construção. Bate estaca daqui, bate estaca de lá; é a paisagem e a melodia que nos restam. Lembrando que esses prédios engolirão mais e mais famílias que vão trazer seus carros e esperam entrar e sair da região, como quem já está aqui.
Sei que esse desconforto não é privilégio deste bairro, mas se o senhor disser quais são os ditos critérios – que imagino envolvam o número de habitantes da região, as artérias que bombeiam gente que vai e que vem, capacidade de esgoto, transporte público, água, gás – a gente pode tentar se conformar, se for isso o que o senhor espera de nós. Se o senhor, mexendo na papelada, encontrar desmandos nas pastas, que tal acabar com eles e se transformar no nosso prefeito-herói?
Vou parando por aqui para não tomar o seu tempo. Há que administrar, eu sei. Agradeço por sua atenção ao meu relato e aguardo, ansiosa, pela resposta.
Atenciosamente,
Maria Lucia Solla
PS: Moro na Vila Andrade, também chamada de Panamby, Jardim Sul ou Morumbi.
Maria Lucia Solla é terapueta, professora de língua estrangeira, promove curso de comunicação e expressão e, aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung
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