Pamela Magalhães
Psicóloga e Especialista em Relacionamentos

Vivemos uma revolução silenciosa, que até recentemente parecia invisível, mas que agora se revela em cada mensagem respondida, música composta, imagem gerada ou conversa simulada por inteligência artificial. Em meio a tanta eficiência tecnológica, um novo dilema emocional surge: como preservar nossa autenticidade em tempos em que até as emoções podem ser imitadas?
Diferenciar o que é real do que é simulado se torna cada vez mais desafiador — e necessário. Uma pesquisa realizada com mais de 3,5 mil pessoas pela World no Brasil – uma rede da empresa Tools for Humanity que busca ajudar a diferenciar humanos de robôs e inteligências artificias – reflete esse contexto. Mais de 66% dos pesquisados se sentem preocupados quanto à possibilidade de encontrar bots ou perfis falsos em apps de relacionamento e 72% dos entrevistados disseram que já suspeitaram ou descobriram que algum de seus matches poderia ser um robô ou uma IA.
A IA não sente, mas simula sentir. Isso tem confundido a nossa percepção:
– Se um texto nos emociona, mesmo sendo criado por uma máquina, o sentimento é real?
– Se um avatar fala tudo o que queremos ouvir, isso basta?
Essa mistura entre o que é gerado artificialmente e o que vem de um ser humano está provocando um novo tipo de crise: a crise da identificação.
Começamos a nos perguntar:
– Isso foi feito por uma pessoa ou por uma IA?
– Essa emoção é verdadeira ou programada?
E nos relacionamentos?
Essa confusão não afeta apenas a forma como consumimos conteúdo — impacta diretamente a maneira como nos relacionamos. No mundo dos filtros, dos chats automatizados e das respostas perfeitas, começa a faltar espaço para o erro, a dúvida, o silêncio, a pausa, o imprevisto — ou seja, para o humano.
Relacionar-se de forma autêntica exige vulnerabilidade, mobiliza nossas emoções e, justamente nesse impasse, no emaranhado das sensações, é que nos conectamos e nos vinculamos realmente. Ainda assim, cada vez mais, estamos trocando essa vulnerabilidade por versões otimizadas de nós mesmos — versões editadas, práticas, seguras, agradáveis.
Estamos tentando ser o que “funciona”, não quem realmente somos.
O curioso disso tudo é que as ferramentas da IA otimizam e muito diversas atividades, encurtam etapas, nos poupam tempo e viabilizam caminhos. Mas quando o assunto é relacionamento entre humanos, a dinâmica natural das trocas fomenta o processo e é justamente nele que construímos pontes sólidas de interação, que nutrem nossos corações com o que mais necessitamos: amor.
Reconhecer, o quanto antes, se estamos nos comunicando com uma máquina ou um ser humano torna-se indispensável para nossa segurança. É preciso garantir que não estamos confiando o que temos de mais precioso — nossos sentimentos — a um robô que não sente e nunca foi o que se diz ser.
É preciso cultivar a autenticidade:
1.Reivindique o seu sentir
Não terceirize sua experiência à máquina. Sentir confusão, dúvida ou até tédio é humano — e essencial para amadurecer emocionalmente.
2. Exerça presença
A IA é rápida. Os vínculos reais, não. Eles exigem tempo, escuta, paciência e imperfeição. Conexão não se mede pela quantidade de interações, mas pela profundidade delas.
3. Questione a idealização
O relacionamento perfeito não existe. Buscar respostas exatas para emoções complexas é algo que nem mesmo a melhor tecnologia pode oferecer.
4. Seja curioso sobre si mesmo
A autenticidade nasce do autoconhecimento. Quem é você sem os filtros? O que te move, te toca, te paralisa? Cultive o olhar interno.
No fim das contas…
Talvez a grande pergunta da era da IA não seja o que é real ou irreal, mas sim: O que ainda é verdade para mim, mesmo em meio ao artificial?
A autenticidade, nesse cenário, é um ato de coragem. É escolher sentir, errar, experimentar e construir conexões reais, ainda que imperfeitas. Nenhum algoritmo, por mais avançado que seja, será capaz de substituir o impacto de uma presença viva, de um olhar que compreende ou de uma escuta que acolhe.
E você? Já se perguntou se está se relacionando com alguém — ou apenas com uma projeção que parece segura, mas não sente nada?
Caminhos para um futuro mais confiável
Neste novo mundo, em que as fronteiras entre humano e máquina se confundem, tecnologias como a que a World oferece surgem como uma tentativa de restaurar a confiança digital. A proposta é ousada: uma credencial digital pioneira baseada em prova de humanidade, permitindo que redes sociais e plataformas verifiquem se você está interagindo com uma pessoa real, e não com uma IA.
Esse tipo de solução ainda levanta debates importantes, mas já indica que a sociedade busca formas de reconhecer e valorizar o humano — não apenas no toque, no olhar ou na escuta, mas também nos espaços digitais, onde, cada vez mais, vivemos, amamos e nos relacionamos.
Pensar, ponderar, falar e pesquisar mais sobre o assunto pode ser justamente a forma de não nos tornarmos reféns da IA, mas termos o melhor dela.
Pamela Magalhães é psicóloga (CRP:06/88376) e especialista em relacionamentos.