E eles só querem viver vivos

Padre Simone está à frente do trabalho do Arsenal da Esperança

Dona Janete escancarou a fome para os brasileiros em uma entrevista na televisão. Uma fala dolorida que deu transparência ao que os números, mesmo que gigantes, às vezes escondem. Não que 33 milhões de famintos vivendo no país que é o quarto maior produtor de alimentos deixem de ser um escândalo, mas quando um desses milhões de rostos surge diante de nós, é chocante. 

“Domingo a gente não tinha nada para comer. Eu estou desempregada, está muito difícil. Eu estou catando latinha, mas não dá”

Foi o desabafo da Dona Janete, ao responder a pergunta feita pela repórter do RJTV, na TV Globo, enquanto esperava por uma refeição na fila do programa da prefeitura do Rio que distribui alimentos. Todos choramos com ela. Exagero. Nem todos são suficientemente sensíveis para perceber o que significa ter fome.

Hoje cedo, em mais uma entrevista com candidatos à presidente da República, André Janones, do Avante, respondeu de bate-pronto à pergunta que escolhemos para abrir essa série no Jornal da CBN. “A desigualdade social” é o que ele elegeu como prioridade a ser enfrentada a partir de primeiro de janeiro de 2023. Faz sentido. 

Na pesquisa realizada para me preparar para essa série iniciada na terça-feira encontrei dois dados que mostram a dimensão da desigualdade de renda e de patrimônio, no Brasil: os 10% mais ricos no Brasil ganham quase 59% da renda nacional total; o 1% mais rico possui quase a metade da fortuna patrimonial brasileira.

Números e percentuais que se transformaram em corpo e alma na tarde desta quinta-feira quanto tive oportunidade de visitar a antiga Hospedaria dos Imigrantes, no bairro da Mooca, zona leste de São Paulo. O local que no passado recebia famílias europeias refugiadas de sua terra natal, atualmente abriga cerca de 1.200 pessoas que vivem em situação de rua — brasileiros e estrangeiros. Obra do Arsenal da Esperança, liderada pelo padre italiano Simone Bernardi, que assumiu a missão de levar em frente o projeto do Semig — Servizio Missionario Giovani, iniciado em 1996, por ação de Ernesto Olivero e Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida.

Meu carro de rodas altas e câmbio automático, minha calça com caimento elegante e os sapatos de grife italiana eram extravagantes diante da simplicidade das pessoas que encontrei em uma enorme fila na calçada da rua Doutor Almeida Lima, 900, portão de entrada da Hospedaria. Todos homens e a espera para retornar ao espaço onde estão cadastrados e recebem alimentação, roupa lavada, uma cama para dormir, acesso a cursos, atendimento médico e respeito —- sim, essa é a maior demanda de cada um daqueles que estavam ali: o respeito que qualquer ser humano tem direito a receber em vida.

O local é espaçoso, tem árvores e canteiros bem cuidados. Tem infraestrutura antiga e bem preservada. Mantém a mesma arquitetura que recebia os europeus, desde o fim do século 19 — uma história lembrada por fotos em preto e branco que estão em todas as dependências. Os locais para dormir se apresentam com fileiras de beliches, o restaurante tem longas mesas, capazes de servir 600 refeições por vez. A cozinha industrial é ampla assim como a lavandeira, onde um sistema organizado e sistemático é capaz de receber, lavar e devolver em mãos as roupas das milhares de pessoas que circulam no local. Tem salas de aula e para cursos. Tem bar e bazar. Tem biblioteca, também.

Especialmente, o que se vê nos rostos sofridos e passos pesados dessa gente que circula com seu fardo nas dependências da Hospedaria é a tentativa de revelar a esperança de uma vida melhor. Fui recepcionado por sorrisos e cumprimentos respeitosos. Havia olhares desconfiados, é claro. Afinal, eu era a figura estranha naquele cenário, com minha vida privilegiada e desigual, muito desigual. Distante da vida que eles vivem. 

O passeio por pouco mais de uma hora foi na companhia do Padre Simone, que chegou ao Brasil, em 1996, e diz ter aprendido português ouvindo a rádio CBN. Fico feliz em saber que uma das nossas missões foi cumprida — a de educar pela comunicação —, ao mesmo tempo que fico constrangido ao perceber quão pequeno ainda é nosso trabalho diante da messe que pessoas como o padre e sua equipe de missionários e voluntários  assumem.

Mais do que os políticos e agentes públicos, mais do que os doutores e os senhores, mais do que qualquer um dos que vivem em nosso entorno, mais do que nós mesmos, são eles os verdadeiros construtores das pontes que podem diminuir a desigualdade que impera no Brasil. Que nos fazem acreditar que é possível tornar realidade um dos lemas que os inspira no Arsenal: voglio vivere vivo (quero viver vivo).

Conheça aqui um pouco mais sobre o trabalho do Arsenal da Esperança

Centro de SP precisa é de Virada Social

 

Por Dora Estevam

 

 

A Virada Cultural aparece anualmente com anúncios na mídia oferecendo o que há de melhor no centro de São Paulo. Âncoras e colunistas se alegram em fazer chamadas das atrações. Atividades que prometem desde a descoberta de um novo artista, passando pelo melhor quitute e, até mesmo, o melhor show. Será que estes “coleguinhas” jornalistas andam pelo centro da cidade, local privilegiado para instalação dessas atrações? Não, não andam. Se andassem as pautas seriam bem diferentes e as prioridades seriam os casos sociais, graves, que circundam todos os locais programados para a realização da Virada Cultural, sem exceção.

 

As chamadas para o evento exercem um poder de sedução: vá ao centro da cidade que lá tudo é muito bonito. Ou, vá até lá conhecer onde tudo começou. Ou venha ao centro de metrô, use a bicicleta para chegar em alto estilo e gastando pouco. Ah! para que tamanha hipocrisia, gente? Estou há semanas circulando pelo centro da cidade e a realidade é muito, mas muito diferente deste discurso que tenho visto, assistido e lido. Não é nada disso. O centro está repleto de monumentos e patrimônios históricos graças a um pequeno grupo que se uniu para preservar o pouco que resta em pé. É impressionante o número de pessoas que circulam por ali sem eira nem beira, em busca de nada. Pessoas que vivem nas ruas, que moram nas ruas, que fazem das ruas e das praças seus dormitórios. É visível – e olfativo – o problema social que existe nesta região.

 

Vou dar um exemplo bem prático: na Praça da Sé, em frente, ao lado, nas costas, em volta, o que você imaginar, tem moradores de rua dormindo ou acordado, como preferir. Se acordados, os estragos vão longe; em uma das minhas aproximações para observar o que acontece lá por pouco não presenciei um incêndio: um indigente alcoolizado ateou fogo nos poucos cobertores que ele e os colegas faziam uso. A polícia, que fica bem em frente à Igreja, na praça, foi chamada. Mas o que fazer, não tem de onde tirar água para beber, o que dirá para apagar o fogo. Agora me responde: o que a polícia tem com isso? Alguma dúvida que este problema não é da polícia e sim social? Da polícia, começa a ser quando esta mesma pessoa que mora ali na rua, na praça, passa fome, aí tem uma Virada Cultural como essa que enche de gente e esta pessoa com fome vai lá e rouba o cidadão. Aí o problema deixa de ser social e passa a ser de polícia. Consequentemente do Estado. Meu Deus, isso tem fim?

 

 

Não dá para esconder tanta gente. O mau cheiro das ruas é uma coisa absurda. As pessoas andam fazendo caretas nas ruas, eu mesma não consigo respirar, me desculpe, mas é insuportável o cheiro. Sem falar na sujeira das ruas. Eu estava com uma garrafa de água nas mãos e um morador me pediu implorando por sede. Como um ser humano pode presenciar isso e não fazer nada. A poucos passos avistei o cenário em frente a Igreja da Sé com um imenso balão no qual vão projetar vários filmes; ao lado, banheiros químicos e, adornando o cenário, os moradores da praça. Revoltados com a movimentação de pessoas que insistiam em fotografá-los. Como não registrar as cenas surreais? As fotos que ilustram este post foram na Sé, na Quintino Bocaiúva, na Praça João Mendes…entre outras ruas.

 

 

Aproveito para registrar que não tem sequer um centro de informações na praça da Sé, quem tira todas as dúvidas das pessoas que passam por lá são os policiais militares. Eu fiquei atrás deles por vários minutos e presenciei a rotina dos dois policiais do posto: em 12 horas de trabalho, eles não têm banheiro à disposição e não tem água para beber. Usam os banheiros dos bares “podres” que existem nas redondezas e o tempo todo ficam respondendo perguntas das pessoas que passam por lá, sem parar: Ah, por favor, onde fica a rua tal? Onde fica o prédio tal? Como faço para chegar na avenida tal? Em média, estes funcionários atendem a 1.300 pessoas por dia. E ainda presenciei uma cidadã que não estava se sentindo bem e pediu para se sentar dentro da guarita. No mínimo, ela estava apavorada e em pânico com o movimento, sei lá. A prefeitura precisa providenciar uma central de informações (turísticas), urgentemente. Com dois militares na praça Praça da Sé, por onde transitam cerca de 700 mil pessoas por dia, como fazer o serviço de segurança funcionar? Centro de informações, urgente! Separar turismo de segurança, já! E os casos não ficam só nas perguntas sobre localização, não, vão além, há casais que brigam em casa e aparecem para dar queixa na polícia da praça. Pode?

 

Fazer Virada Cultural no Centro da cidade com este cenário é uma hipocrisia total. Desculpem-me o desabafo, mas não aquentei.

 

Dora EStevam é jornalista e escreve sobre moda e estilo de vida, no Blog do Mílton Jung, aos sábados.

Foto-ouvinte: coreto dos moradores de rua

 


Por Devanir Amâncio

 

Sem-teto da República

 

O coreto todo quebrado da Praça da República – a praça dos mais de três milhões de reais em reforma no Centro – abriga 12 mendigos de todas as idades. Perguntados quem são os candidatos a prefeito da cidade, responderam: “Lula e Fernando Henrique.” Para alguns, mendigo é coisa de Deus, do destino; para outros, da vadiagem, do sistema ou da administração municipal ruim que não cuida de nada -, ou ainda fruto da corrupção. Para alegrar o coreto os mendigos da República vão ganhar um churrasco de abacaxi.

Recado dos moradores de rua aos candidatos

 

 

 

O curta-documentário “Eu Existo” foi produzido pelo Centro Acadêmico XI de Agosto com o objetivo de cobrar compromissos dos candidatos a prefeito e a vereador de São Paulo com a causa dos moradores de rua. Sebastião Nicomedes, escritor e poeta das ruas, sempre colaborando com o Blog, foi quem me chamou atenção para este trabalho do qual ele também faz parte. Conforme descrição do vídeo, os criadores se propõem “a tirar os moradores de rua da invisibilidade a qual estão condenados, colocando-os como agentes políticos capazes de expor os próprios problemas e de sugerir mudanças”.

Moradores da Sé

 

Moradores da Sé

Por Devanir Amâncio

Depois da Catedral da Sé e Páteo do Colégio, os moradores de rua doentes que ficam deitados na praça são os mais fotografados – com certa compaixão – por turistas estrangeiros. Para cobrar providências das autoridades para esta questão social de saúde pública, ongs e organizações estudantis realizam na Praça da Sé , no dia 30 de setembro, às 10 horas, o “Grito Pela Vida, Hospital do Crack Já!”

Prefeitura esquece cozinha para morador de rua

 

Casa da prefeitura

De cor azul água, a casa da Prefeitura – Centro de Acolhida e República para moradores de rua emergentes, na rua Apa, Santa Cecília, é muito bonita por dentro e por fora. A casa atenderá cerca de cem pessoas. Tem sabor europeu e estilo colonial que lembra os velhos solares da arquitetura rural brasileira.

Tudo estaria certo se os moradores não fossem comer no casarão de confortáveis divisórias. Pois na véspera da inauguração, 21/7, os dirigentes, idealizadores e arquitetos que planejaram a reforma tomaram um susto: a casa não tinha cozinha.

A inauguraçao foi adiada. Enquanto isso a Prefeitura adotou o sistema hot box – compra “as quentinhas” para os funcionários e matriculados no Centro de Acolhida.

A mendiga Maria, que mora na calçada da casa e carrega um cobertor nas costas, ironizou: ” Vai ver que foi inspirada na casa que o Toquinho canta.”

N.B: Nosso “correspondente” voltou ao local, disse que o espaço é muito interessante. A prefeitura está providenciando a cozinha para o Kassab inaugurar na próxima semana

Moradores de rua ajudam na segurança de pedestres

 

Morador de rua ajuda em travessia

Os moradores de rua são invisíveis para a maioria dos cidadãos que vivem em São Paulo. Costumam não ter cara nem história; quando percebidos, é pelo estorvo que provocam ocupando praças e calçadas. Com a chegada do frio alguns ganham destaque no noticiário, principalmente quando morrem. A prefeitura calcula que cerca de 13 mil pessoas vivam nessas condições, número considerado bem abaixo da realidade por entidades assistenciais.

Para alguns privilegiados pela sorte e oportunidade, a situação melhorou um pouco nesta semana, graças a programa público que pretende mudar o comportamento do paulistano em relação a faixa de pedestres. Aliás, estas são tão invisíveis quanto os sem-teto, não apenas porque a prefeitura deixa a desejar na manutenção da pintura, mas, também, porque os motoristas não têm o hábito de parar e permitir a travessia das pessoas – uma das causas dos 7.007 atropelamentos e 630 mortes que ocorreram no trânsito da capital, em 2010.

Conheça esta história, acessando o meu Blog Adote São Paulo, no site da revista Época SP

Hackers trabalham com moradores de rua e imóveis vazios

 

Na semana em que cinco prédios abandonados foram invadidos por integrantes de movimentos sociais, São Paulo será cenário de encontro de hackers que vão se debruçar sobre o problema da falta de moradia na maior cidade do País. Os vazios urbanos e os moradores de rua serão tema da edição 2010 do Transparência HackDay, encontro de dezenas de especialistas e admiradores da tecnologia digital. no domingo, dia 10.

A intenção é desenvolver ferramentas que permitam mapear os espaços e imóveis que não cumprem sua função social e o local onde se concentram moradores de rua, na capital. Com o levantamento da oferta e demanda de moradia, os participantes entendem que se torna mais eficiente o desenvolvimento de políticas públicas para a questão da moradia.

O encontro dos hackers, designers, blogueiros, jornalistas, pesquisadores, gestores públicos e mais um mundo de gente interessante e interessada, será na Casa de Cultura Digital, na rua Vitorino Carmilo, 459, em Santa Cecília, São Paulo, das duas da tarde às oito da noite.

Para se inscrever basta preencher o formulário que você encontra aqui.

A foto a seguir é de um dos prédios na avenida Ipiranga ocupados pelo Movimento dos Sem Teto do Centro e foi feita pelo colaborador do Blog, Sérgio Mendes

 

Prédio invadido

13.666 moradores de rua e prefeitura acha que está certa

 

Sem-teto na Ipiranga

São 13.666 pessoas morando nas ruas e abrigos municipais, segundo censo realizado em dezembro de 2009 e apenas divulgado nessa semana. A precisão com que a prefeitura aponta o número de moradores nestas condições não é a mesma de quando avalia o problema e a solução para o caso que tem assustado o paulistano.

Todo dia, ouvintes-internautas relatam situações constrangedoras vividas na porta de suas casas e lojas, principalmente se moram na região mais central da cidade. Constrangimento também é o que enfrentam estas pessoas que pelos mais diversos motivos dormem nas calçadas, se alimentam como podem e tem pouca perspectiva de vida.

Sebastião Nicomedes, escritor e um dos fundadores do Movimento Nacional de População de Rua, entende que o número de pessoas em condição de rua está subestimado. Calcula que sejam cerca de 18 mil, pois o censo foi feito no período de verão quando muitos descem para o litoral em busca de esmola. Ele alerta para a necessidade de a prefeitura criar “portas de saída” dos albergues, pois o morador de rua precisa ter um horizonte: emprego e moradia. Ouça a opinião de Sebastião Nicomedes.

A vice-prefeita e secretária de Ação Social Alda Marco Antônio tenta demonstrar otimismo e entusiasmo com o trabalho realizado pela prefeitura de São Paulo. Não se assusta com o número apresentado pelo censo, “pois Londres tem 90 mil moradores de rua”. Vê como positivo o fato de que parte dos albergados trabalha e a quantidade de crianças nas ruas diminuiu. Fala na abertura de vagas nos centros de atendimento e em cursos de capacitação que estariam preparando este pessoal para o mercado. Seu tom está desconectado com o que vemos no cotidiano de São Paulo. Acompanhe a entrevista com Alda Marco Antônio.