Lilian Ishida Arai
Ouvinte da CBN
Sou médica otorrinolaringologista e uma das fundadoras do Hackmed, uma startup de fomento à inovação em Saúde. Em janeiro de 2020, quando ainda era possível fazer uma aglomeração, organizamos um grande evento com referências das áreas de saúde, tecnologia, governo e academia para discutir inovação em saúde. Para abrir a atividade, produzimos um vídeo que ilustrava algo futurístico, simulando uma rotina de robôs circulando pelos corredores de um hospital, onde todos interagiam de forma natural.
Em março de 2020, veio a pandemia. O Hospital das Clínicas transformou o Instituo Central em um covidário com 600 leitos de enfermaria e 300 de UTI para pacientes de média a alta gravidade. Os pacientes chegavam de ambulância. Grande parte deles, em isolamento e bastante debilitados. Sem direito a um contato sequer visual com a família. O HC não tinha WIFI aberto. E a maioria dos pacientes não tinha plano de dados para internet.
Foi quando me pediram para encontrar robôs de telepresença. Uma empresa emprestou três deles. Dois especialistas se voluntariaram a ajudar na implantação do programa. Médicos se uniram para incluir os demais colegas no sistema. Ainda desenvolvemos um suporte para 40 tablets e trabalhamos com alunos voluntários para que as televisitas ocorressem.
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Um senhor que já estava com diagnóstico de câncer terminal e pegou COVID, estava internado. Há dias ele só dormia. Pedimos que a família mandasse um áudio gravado. A filha gravou uma música cantada por ela. Enquanto reproduzíamos o áudio, ele abriu os olhos como que procurando alguém. E com a mão limpou as lágrimas que corriam no rosto.
Uma senhora prestes a ser internada recebeu a televisita da filha que trazia palavras de esperança e alegria. Nem mesmo a dificuldade de respirar, impediu-a de dar gargalhadas naquele momento.
Uma mãe, que chorava muito e mal conseguia falar com seu filho devido a falta de ar, usou os robôs para se despedir. E como toda mãe, mesmo em dificuldade, estava preocupada com o filho: “amanhã, acorda cedo porque tem aula virtual”.
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Foram três meses de trabalho voluntário e exaustivo até que todos os protocolos da televisita fossem validados. Aquela visão futurística de janeiro de 2020, se fez presente. Por mais contraditório que possa parecer, os robôs humanizaram o atendimento. E se o fizeram é porque seres humanos estavam por trás deste projeto. Gente como Spencer Santos, Marcius Wada, a turma da Hackmed, Pluginbot e Voice Technology. E todos os demais voluntários, estudantes e profissionais da área de saúde, que tornaram possível essa realidade.
Lilian Ishida Arai é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva o seu texto, também, e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite agora o meu blog miltonjung.com.br e assine o podcast do Conte Sua História de São Paulo.