Por Carlos Magno Gibrail

Do sucesso teatral da peça “Eles não usam black-tie” em 1958, passando pela consagração cinematográfica em 1981 numa interpretação da realidade brasileira pós-64, encontramos nessa sexta feira atuação real do mesmo cenário, sem encenação. Do ABC para o Morumbi. E ainda mais algumas diferenças nos protagonistas, que de operários e ditadura, passaram a professores e democracia.
Entretanto, não conseguimos a elucidativa análise de Gustavo Wagner do El Porteño sobre “Eles não usam black-tie” como película, então, internacionalmente aclamada: “Surpreendente a forma com que Hirszman concretiza a tão buscada síntese entre o intelectual e o popular, entre a ideologia e a arte”.
Algumas certezas, porém, afloram no mundo real, pois o salário inicial de um professor em São Paulo é de R$ 1.830,00 para 40hs/aula, enquanto outras profissões embaladas e embasadas por forte corporativismo e lastreadas em áreas do poder judiciário e legislativo chegam a R$ 18.000,00.
Sabemos que Educação, Saúde e Habitação são fundamentais para o efetivo desenvolvimento de uma nação, mas não soubemos até hoje implantar plenamente este trinômio da cidadania.
O Brasil, 8ª economia do mundo, é pela UNESCO a 88ª em educação. Algo está errado! Dos US$ 1,6 trilhões do PIB em 2008, investimos 3,5%, quando 5% seriam o mínimo. São Paulo, do orçamento de R$ 126 bilhões para 2010 alocou 16 bilhões para a Secretaria da Educação, fora os investimentos do Governo Federal. Ainda assim não são suficientes às demandas de instalações, operações e recursos humanos.
O movimento grevista encabeçado pelo APEOESP – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, através da liderança de Maria Izabel Noronha, em matéria ontem na Folha, reivindicou melhoria das condições de trabalho, piso salarial e fim da avaliação dos professores.
Paulo Renato Souza, secretário da Educação, em entrevista ao jornalista Mílton Jung, defendeu a avaliação, que propõe resolver os desejos dos professores, aumentando eficiência, ganhos e consequentes condições de trabalho. Segundo ele, na medida em que assiduidades, tempo de permanência e provas são levadas em conta, e a análise é em função da diferenciação na própria escola e não no resultado absoluto, o índice obtido é real e imparcial.
Os professores Cesar Minto da USP e Neide Barbosa Laisi da PUC, entrevistados do Mílton Jung, criticam a avaliação porque os alunos são diferentes, assim como as condições de trabalho. Faltam bibliotecas, laboratórios, materiais, etc. E, o ponto de partida será sempre diferente para cada avaliação.
Os deputados Carlos Gianasi do PSOL e Milton Flávio do PSDB mantiveram opinião na rádio CBN, respectivamente, a favor e contra a tese dos professores. Gianasi acusa a existência de 75 escolas de lata, de um sistema de avaliação ruim, que o professor é responsável e não quer greve, que o governo não negocia e não dá atenção, e que as premiações com comissões e bonificações excluem o salário base e os aposentados. Milton Flavio defende a avaliação e os bônus que atingem 33% dos 210.000 professores e pode corresponder a três salários a mais, e que os totais dos recursos na educação podem chegar a 30% do orçamento.
Num período de predominância de administração PSDBista, onde surgiram percalços dos professores com Mário Covas, Franco Montoro e agora com José Serra, é nítido que Covas e Montoro, embora respectivamente com tapas e grades palacianas derrubadas, altivamente enfrentaram, confrontaram e resolveram com atenção direta os grevistas. Serra e seu Secretário, ainda que protegidos pela lei que impede manifestações nas imediações da sede do governo, não se apresentaram. Professores e governantes ofereceram, então, um espetáculo cujos papéis fugiram do script civilizado e reproduziram o que se viu no cinema.
Peça importante para explicação desta volta à cena do cenário da ditadura em plena democracia, Gabriel Chalita secretário da Educação do governo Alckmin, hoje no PSB, concedeu-me entrevista onde solicitei que explicasse por que em tão pouco tempo este destempero do professorado. E Chalita acredita que as reivindicações, que as considera corretas, poderiam ser administradas através de negociação pela autoridade, capacidade e boa vontade de Serra e de Paulo Renato. Até o confronto com os policiais poderia ter sido evitado.
Cunho político e avaliação predominam nesta composição de antagonismos. A atribuição política aos atos dos professores é tão evidente, mas camuflada quanto à resposta de João Havelange ao Presidente João Goulart, citado ao jornalista Roberto Kaz para a revista Serafina: “Não trabalho com política”. Ora, sabemos que Havelange fez e faz política a vida inteira.
Quanto à avaliação, boa lição está contida no best-seller Freakonomics, do economista Steven Levitt e do jornalista Stephen Dubner, no qual afirmam que os sistemas de incentivos devem tomar cuidado com as doses e com os trapaceiros.
Uma escola de Israel tinha problema com atraso de pais para retirada dos filhos e resolveu multá-los. O pequeno valor estabelecido incentivou os atrasos, pois compensava financeira e moralmente. As escolas de Chicago estabeleceram provões para avaliar os alunos em testes de múltipla escolha, cujos resultados poderiam premiar ou punir os professores. Salvo uma descuidada professora que escreveu as respostas no quadro da sala de aula, e alunas adolescentes alegremente contaram em casa que o provão tinha sido um sucesso, os demais professores trapacearam respondendo eles mesmos as questões. Foram pegos por algoritmo que descobriu sequências impossíveis de acontecer, como todas as perguntas difíceis corretas e as fáceis erradas.
Como se vê, a situação não é simples nem fácil, mas na Educação é conveniente que em casa de ferreiro o espeto seja de ferro. Educação se resolve com Educação.
Carlos Magno Gibrail, doutor em marketing de moda, escreve no Blog do Mílton Jung às quartas-feiras e nunca deixa de fazer a lição de casa.